UGangue reativada, os pitbull de Salcity tão na pista! A banca mais pesada do Nordeste tá preparando disco e vai lançar clipes
“Quando a lei oprime o povo, os fora da lei assumem a defesa da população”
UGangue é um coletivo surgido em Salvador a mais de 6 anos atrás, que reuniu um bando de pitbulls servindo em audio e vídeo a nata da produção de rap numa cidade eivada de grandes talentos. Com duas mixtapes na rua, sendo real da rua, os caras deram um tempo nas produções coletivas e focaram nos seus trabalhos solo. Rap Nova Era, Vandal, Galf AC, Pivete Nobre, DaGanja e Kiko Mc entre outros, estão de volta ativados como coletivo: venha de ladinho vuh?
O lema “Nós por nós” dentro do rap nacional precisa ser redimensionado geograficamente, pois o fato é que o Nordeste segue e, por tudo que percebemos, seguirá sendo invisibilizado por um sistema de apreciação fechado sobre si mesmo. O eixo Rio-São Paulo possui muita argúcia e tende na maior parte dos casos a olhar apenas para si mesmo, fechando-se na apreciação e valorização das produções locais. Afinal, ao não se abrir para o que vem de fora, protege de modo mesquinho a hegemonia do mercado do qual detém o maior poder. E mesmo aqueles que não estão nessa fatia almejam a proteção da mesma, pois quem sabe morderão ali um pouquinho.
Para a trocação justa, arbitrada e igual não vem, e sabe-se bem porque. Hoje não cai bem rir do sotaque nordestino, nem chamar de ceará, paraíba ou baiano, mas a invisibilização segue em alta. A rica tradição nordestina de rap precisa aprender de uma vez por todas que o que temos aqui não deve nada ao que é produzido no eixo, não devemos nada em qualidade e talentos, em inovações e em precursores.
A banca UGangue surgiu na Zauber, ao redor do importante movimento do Ministério Público, o primeiro sistema de som jamaicano da Bahia, e que por reunir diversos visionários, abria o microfone. Além dos toasters residentes, congregou uma juventude negra antenada e tendo acesso a sonoridades até então inéditas nas produções do rap nacional. Desse movimento, tivemos Vandal, por exemplo, gravando o segundo registro de um grime no Brasil, mas sendo o First One a encabeçar essa estética no seu trabalho.
Dimak, Rap Nova Era, Kiko Mc, DaGanja, Coscarque, Vandal, Mobiu, Galf AC, Saca Só, Fall Clássico e 4Preto, estavam juntos e unidos como uma das bancas mais pesadas que já surgiram nesse país. Um coletivo que reunia produtores, MC’s, atletas, e que inicialmente, apesar de produzirem juntos, se uniram mais para colocar os trabalhos na rua em bloco através das mixtapes e de shows. E assim surgiu a ideia de produzir as mixtapes Rádio UGangue Vol. 1 e 2, lançadas respectivamente em 2014 e 2015.
Apesar do fechamento de portas pela invisibilização do Eixo por conta da estrutura do mercado, da xenofobia latente e de um público preguiçoso, a UGangue possuiu um fechamento forte com Nocivo Shomon, DBS Gordão Chefe, Mauricio DTS, Big da Godoy entre outros, com quem gravaram e dividiram palco em Salvador e em São Paulo. Aliados também, Pumpkilla e QG Imperial fortaleceram também os caras quando a tropa do gueto embarcou pra SP.
Os alquimistas do horror, o bando, a alcateia, produziram dois discos que unem o peso de vivências reais de rua, a educação musical que unia a influência jamaicana e inglesa ao conhecimento das ruas de Salcity. Figuras, “peças” vivas já na cena desde a segunda geração do hip hop baiano com outros “recém chegados”, a união do gueto movia e segue movendo esses manos.
Em Rádio UGangue Vol. 1 (2014) temos um total de 15 faixas que relatam o ethos real de como se portar no rap baiano, da sua força, seu maior aspecto até então: Gangueiragem, expertise lírica, novidades na sonoridade, ritmo e poesia coletada nas ruas sem filtro. Pela necessidade de adequação à era do streaming, recentemente o disco voltou na integra ao YouTube, postado no canal do Rap Nova Era. Surge assim a possibilidade das novas gerações conhecerem melhor o trabalho de figuras que são fundamentais para o hip-hop baiano.
Originalidade de uma cena e ao mesmo tempo a força de uma das cidades mais negras fora da África, que sofria e ainda sofre com a desigualdade social e com o Pacto pela Vida, que pareceu-nos mais uma piada perversa contra a juventude negra. Superação, denúncia, crime e violência, transmutação de um cotidiano sofrido e decadente em arte de ponta, a ponta da faca, amolada pro pescoço dos alemão. Os caras deram aulas na metade da década passada e seguem.
Música e verdade, isso na Bahia não falta, apesar de tudo, UGangue está reativada após um breve hiato, em que seus principais integrantes correram para fazer seus trampos solo. Vários excelentes discos, mixtapes e EP’s surgiram de lá pra cá. A batalha contra a invisibilidade segue, os marcos são acumulados e a missão permanece a mesma: BALAH IH FOGOH NOZH COVARDEH!
Em 2020 os pitbulls estão na pista com mais milhagens de furar as blitz acumuladas. experientes e soltando trampos solo, espertos às regras do fake game, cientes de que o Eixo não lhes dará espaço, como de resto nunca deu nada ao Nordeste. Pelo contrário, lucraram com a indústria da seca e com a mão de obra barata dos retirantes, o que de algum modo segue valendo também para o Rap.
Conversamos com Ravi, com Galf A.C. e com Vandal e recebemos o aviso de que vai sair disco ao que parece ainda esse ano. O disco da banca, já está gravado. Em breve virão à luz os clipes de duas faixas presentes nas mixtapes já clássicas na nossa cena. Você menino ou menina que tá chegando agora no rap baiano, você que é do Nordeste e viaja em rap, ou que não é daqui da região, mas está aberto a conhecer esse trabalho clássico do nosso rap, tá aí!
Pegue a visão viu, os pitbull tão na pista, sobe no passeio!
-UGangue reativada, os pitbull de Salcity tão na pista
Por Danilo Cruz
Fotos por Engels Miranda