Oganpazan
Discos, Lançamentos, Resenha

Ualê Figura é reggaeman com disco de estréia na pista!

Ualê Figura soltou na pista seu disco de estréia com um enxurrada de ideias na chave original reggaeman style: Estação do Gueto Lança Periferia no Ar!

Quando fortes chuvas atingem uma comunidade carente, como as milhares que se localizam geralmente nas periferias das grandes cidades, a água que é fonte da vida é de limpeza desce lavando tudo com morte e destruição. Processo inverso nos apresenta o reggaeman Ualê Figura em seu disco de estréia. 

Em Estação do Gueto lança Periferia no Ar (2019), o mano faz com que a periferia e sua realidade desague sobre si mesma, como uma força da natureza, que se adéqua e reflete perfeitamente às necessidades do nosso povo. Um disco que pelo que pesquisamos teve pouca repercussão das mídias em geral, e que é um trabalho que merece muito mais atenção.

O artista apresenta letras muito contundentes e uma produção nervosa, passeando por dimensões diversas do reggae, chega com uma força muito grande em seu álbum de estréia. O disco nasceu em São Paulo, mas possui aquela universalidade que se busca numa obra de arte: “afinal periferia é periferia em qualquer lugar”. Dentro da atual geração do reggae nacional, esse trabalho se apresenta com uma perspectiva muito interessante, dividindo-se em dois na sua composição.

Composto por 14 faixas, o álbum funciona em duas metades complementares. 7 por 6 + um bônus, como um Eu&Eu estético, político e social que emana primeiramente uma enxurrada de pedradas líricas musicais, e que depois é reforçada pela outra metade em chave Dub. Contando com músicos excelentes na contenção da feitura do disco, Ualê Figura desembola sempre e com muita versatilidade em diversos flows.

Passeando pelo reggae roots, pelo dancehall, pitadas de raggamuffin, sempre tocando na constelação de problemas que afligem a população negra em diáspora. Como se pode imaginar e se deduzir da audição Ualê Figura tem também forte influência do rap, onde transita com excelência também. Se não esgota as possibilidades desse universo em crise, o artista consegue no entanto, passar pelos problemas fundamentais: econômicos, sociais, políticos, afetivos e psicológicos, e suas origens raciais. Se encaixando dessa forma na rica tradição que transforma os sofrimentos atuais e ancestrais da população negra em arte.

É interessante notar como os ouvintes nunca pensam sobre a preparação de um disco, o quanto de sofrimento e correria é necessário para que se possa apresentar uma obra com qualidade. O quanto é despendido de todos os lados por um artista independente, e como todo esse esforço muitas vezes se converte num presente para todos que possuem o carinho necessário para acolher e retransmitir.

O disco Estação do Gueto Lança Periferia no Ar (2019) foi gestado por um bom tempo e possui algumas músicas que foram composta há 3, 5 anos atrás. O que nos demonstra que estamos realmente diante de uma obra de arte, composta por canções que não foram feitas através de fórmulas simples, e nem são ofertadas para consumo rápido. O que não significa, que o artista não apresente um estilo pleno e pungente, com uma arte que faz efeito na mesma rapidez que uma bongada bem dada.

Talvez, exatamente por nos transmitir o ar que o artista e os músicos que compõem essa obra respiram, é tão fácil se familiarizar com a obra. Em “Original Gueto Man” isso já fica escuro, pelo encadeamento da mensagem original que vai se colando do auto reconhecimento até a identificação da necessidade de uma mensagem vinda de e para os fundão! Geh Paes emite essa respiração em forma de som com seu trombone. de modo primoroso nessa faixa, assim como nas outras em que participa.

O genocídio da juventude negra institucionalizado e o sofrimento das milhares de mães que veem suas crias tombarem nessa guerra explorada pela tv é o tema da potente “Mês de Maio Chora“. Aquela narrativa sinistra que nos envolve a todos, moradores e negrxs de periferia. “Manifesto di Loco” vem na sequência com os teclados envenenados de Mano João, marcando com força ao mesmo tempo que Ualê Figura vai amassando nas ideias, mostrando a contraposição entre a tecnologia de policiamento ostensivo e a pobreza que é criminalizada. Algo que nos leva a refletir sobre como essa mesma ausência de oportunidade e de acesso a condições de produção de alto nível, produz seu próprio veneno: os Locos que são capazes de mesmo nesse cenário fazer arte no mais alto nível! Um sopro de esperança, ou revide.

O grande Monkey Jhayam chega no feat em “Nunca Mais Será”, ele que lançou sua própria pedrada: Monk Tape (2019) com o Victor Rice, e que tivemos o prazer de resenhar aqui. O mano chega na percussa e no backing vocal nessa faixa, além de assinar a produção executiva do disco. Nos apresentando um universo que possui uma história muito importante para o processo de cura das “sequelas da diáspora”.

Os soundsystem’s vistos como um espaço musical que reúne a resistência e a força da arte daí advinda, seletores e toasters produzindo uma corrente intensiva de reunião e auto reconhecimento de uma comunidade negra, que precisa se fundar na coletividade. E que desenvolveu uma potência tão grande dessas reuniões que hoje são Patrimônio Cultural da Humanidade.

Um dos pontos mais altos do disco, a parceria entre Ualê Figura & Denise Alves, traz uma dobradinha que se constitui numa ideia brilhante que o disco apresenta em seu miolo. “Você Mal Sabe Flor” & “Como Sei, Assinado Flor” é um amor reflexionado por um preto e uma preta, dois poetas, entre o desabafo e a compreensão. Um dos grandes desafios que nós possuímos como povo é aprendermos a nos amar. O pretinho amar a pretinha, o mano não sucumbir na vontade de conquistar um troféu para ostentar como uma ilusória “carta branca” de algum micro poder.

É fundamental pensarmos no nosso amor, a vida a dois entre pretos e pretas, e como o cotidiano periférico nos sabota, individualmente e a dois, em suas imensas demandas. Por estar no meio do disco, de algum modo, parece ser aqui a presença mesma de uma “essência” que conduz esse trabalho de extrema qualidade e importância, sabemos o quanto é difícil produzir algo assim, sem um capital por traz a empurrar os trabalhos. Tudo aqui vai se fazendo com uma qualidade tão grande, seja dos músicos presentes, seja do trabalho visual, seja nos riddims produzidos, nas captações, mix e master, tudo aqui certamente, transparece o amor envolvido.

A sétima “Estação do Gueto Lança“, Monkey Jhayam chega num riddim venenoso, onde Ualê Figura desenrola com uma malemolência classic, um super groove com ideias certeiras. Ao chegarmos no que podemos chamar de segunda metade do disco, o Dub toma conta, em versões de 6 músicas das 7 escutadas, e então, temos uma especie de reforço da sensibilidade de tudo o que ouvimos.                                                                                                                                                       

A Dub music é um gênero musical que não é mera variação ou remixagem do reggae, é um estilo de música do qual se originou toda uma outra ramificação que perpassa do rap até importantes sub gêneros da música eletrônica. E é através de versões dubzadas que as músicas anteriormente analisadas vão sendo reforçadas em nosso corpo, e as ideias, as centenas de ideias e de críticas sociais proferidas por Ualê vão aos poucos se assentando dentro de uma consciência que agora segue em expansão. A marcação violenta da cozinha colocada em primeiro plano, fixa nos nossos peitos e estômagos as ideias que foram proferidas magistralmente antes. Escute e me diga se estou mentindo!

Fechando o álbum, temos uma faixa bônus onde Ualê Figura convida os manos do SeMentes Livre Hi-Fi, fechando um disco que já estava fechado até que essa track nasceu e pediu passagem pra integrar esse lindo projeto. Trabalho esse que comunica pelo ar com todas as perifas da diáspora assim como as chuvas que caem aqui e na Jamaica ou em Trinidad Tobago.

Não é sobre ser famoso, é sobre luta, sobre amor, sobre renascimento, sobre a música reggae fazendo tudo aquilo que de mais sagrado ela pode fazer. A capacidade identificada por nossos heróis de comunicar no corpo através dos graves, diretamente no estômago, no baixo ventre e no peito aquilo que devemos pensar: a União e a Potência do nosso Povo!

– Ualê Figura é reggaeman com disco de estréia na pista!

Por Danilo Cruz


Ualê Figura – A Estação do Gueto Lança: Periferia no Ar.

Ficha técnica: 

Produção Musical;
Ficha Técnica:
– Álbum: “Estação do Gueto lança, Periferia no Ar!”
– Data de Lançamento: Janeiro de 2019
– Artista: Ualê Figura
– Produção Executiva: Monkey Jhayam
– Direção de Imagem: Vinicius Seemann
– Direção de Arte, Capa e Diagramação: Pu´Bless
– Foto: Vanessa Nilza
– Produção Técnica: Sergio Narciso (Graxa Pura)
– Participação: Denise Alves

Matérias Relacionadas

Gueibz, velhonabs & Marcelo Emzy são três visões no hip hop!

Danilo
5 anos ago

Original Camacã e a luta ancestral contra a Babilônia

Carlim
3 anos ago

Some Dreary Nights – Drearylands, Indominus e Awaking

admin
8 anos ago
Sair da versão mobile