O MC baiano Trevo fez um desabafo sobre um possível apagamento do seu trabalho junto a cantora pernambucana Duda Beat, pensemos!
Jovens negres no mercado da música padecem cotidianamente entre a meritocracia e a branquitude. Eles são vitimados pela falsa ideia de que o sucesso provém da qualidade. São artistas que em geral são subvalorizados e quando oriundos de regiões como o Norte e o Nordeste ainda enfrentam o “plus” da xenofobia. Não bastasse o racismo que estrutura a percepção de seus trabalhos, uma audiência xenófoba recusa suas características mais singulares.
Por um momento, Trevo acreditou que sua qualidade musical, sua presença como artista poderia romper isso, uma vez que estava em São Paulo e com um trabalho que estourou dentro de um disco de uma cantora e compositora Pop, branca e pernambucana. Duda Beat descobriu a Underismo ali por volta de 2019, pouco tempo depois do coletivo ter causado algum barulho com o EP Re$íduos (2018) e do Trevo ter lançado seu excelente disco de estreia NDSS (2018).
Não era difícil perceber o frescor que esse coletivo trazia para o Rap nacional e muito menos constatar a qualidade de Nada de Novo sob o Sol (2018) que contou com a produção musical de Felipe Mimoso e a produção visual de Mayara Ferrão! Estávamos diante de trabalhos inovadores e frescos em temática e approach, tudo do it yourself. Neste disco em questão, com forte apelo Afrocentrado nas letras, com a arte da fotografia da Mayra Ferrão captando Trevo em Arembepe e com a produção caprichadamente afro, inovadora e low-profile do Felipe Mimoso, o trabalho traz o verso que transformamos em pergunta.
Quando eles chamarem pra esses feats você corre?
A ilusão da integração, a quimera de que brancos podem ser pessoas que desertaram da estrutura racista na qual vivemos parece ter desmoronado nas últimas semanas em duas ocorrências que o artista baiano Trevo relatou pelo instagram. Primeiro um caso flagrante de racismo fruto de uma mera compra de cigarros e depois com um desabafo sobre a invisibilidade de seu trabalho com a Duda Beat.
Se faz fundamental pensarmos nessas estruturas de poder e sobretudo de subjugação sob as quais artistas negros e indígenas estão submetidos, quando falamos de trabalhos com pessoas brancas dentro da música. Desde o começo da nossa indústria musical com o samba capitaneando o ritmo que enriquecia e elevava artistas a categoria de astros, o racismo é prática comum, seja na compra das letras e na inviabilização dos nossos grandes arquitetos.
Hoje, com a popularização do rap em nosso país aos poucos algumas pessoas começam a se dar conta de que os pretos não estão no topo, eles estão a serviço do empresariado branco, detentores do capital que podem e dão as cartas sobre quem vai se apresentar, quem fará sucesso, quem estará nas lines dos eventos. E certamente, essa estrutura racista vai encontrando eco em diferentes posicionamentos e situações dentro de um mercado que tem o domínio da branquitude.
No caso em questão, e analisando com cuidado o relato do artista Trevo, é um tanto quanto óbvio que a Duda Beat não possui nenhuma obrigação de levar o artista em shows, isso simplesmente não existe. Ora, dentro de uma economia onde certamente os cachês não prevê a participação de outros artistas além do contratado, com certeza ficaria difícil essa negociação.
“Convidado por Duda Beat participar da música “Nem um Pouquinho” eu vivo uma situação de nem um pouquinho de respeito por parte dela e sua equipe quando a vejo tocar em cidades pelo Brasil a faixa que é um dos hits do seu álbum “Te amo lá fora” enquanto no paralelo eu passo uma série de dificuldades como artista em minha posição. Te amo la fora? Me ama la fora mesmo, fora de circulação!”
Ora, se faz fundamental pensarmos: o que esse tipo de feat nos traz enquanto cultura preta? E mais além, o quanto deveria ser negociado para que um artista responsável pelo maior single de sucesso do meu disco possa estar comigo nas apresentações ao vivo? No fringir dos ovos, a clara segue intacta, enquanto a gema é descartada.
São questões fundamentais que nos levam a refletir, o que artistas negros fundamentais para a música precisam fazer para vencer no mercado? E vencer no mercado é realmente o objetivo? De que modo a branquitude pode nos auxiliar a algo nesse sentido? Será que podem?
Em meio ao ruído das redes sociais, poucos percebem que o solapamento da cultura hip-hop seguirá causando danos. Não é nenhuma surpresa que Trevo, um dos artistas mais relevantes do rap e da cultura hip-hop dos últimos anos em nosso país, um jovem de 24 anos que já possui uma obra importante, com discos e EP’s, trabalhos visuais como o Água de Flor, esteja escanteado. Nas palavras e na analise do grande griot Jair Cortecertu:
“Enquanto o rap for elemento do novo pop urbano latino…ele será utilizado como ingrediente, mas isso não quer dizer que o rap e toda cultura negra que envolvem o hip hop sejam essenciais. Isso revolta, mas este caso aí é só mais uma prova”
Pois bem, é isso que nós percebemos aqui: Quando eles te chamarem pra esses feats você corre, ok ?
-Trevo, quando elas chamar pra esses feats você corre? Uma reflexão
Por Danilo Cruz