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Resenha, Shows

Três foguetes e um só caminho: In Órbita

12190860_1223459147670676_5348384116827727122_nA noite de sábado presenciou um evento que nem a alta tecnologia da NASA conseguiu produzir até hoje. Três foguetes sendo lançados, três trabalhos que ao vivo conseguiram mostrar toda a qualidade estética das obras, fazendo com que as consciências presentes fossem levadas literalmente ao espaço com zero de gravidade.

A Praça Pedro Arcanjo foi o local escolhido para esses lançamentos históricos e inéditos e que com certeza marcaram um acontecimento na história do rap baiano e brasileiro.

O público presente alternou-se entre o olhar atento com as apresentações e a participação catártica, dançando e cantando junto, espantados com a variedade de propostas e qualidades performáticas dos três capitães das naves e de suas tripulações. Multiversos foram percorridos, uma miríade intensa de afetos atravessaram a todos que presenciaram essa noite histórica, feita de sonhos, esperanças, qualidade e muito trabalho. Famílias presentes, outros grandes nomes da cena prestigiando, um público qualitativamente preparado para a hecatombe de emoções que a noite proporcionou.

Dj Dinossauro foi o engenheiro aeroespacial responsável por dar conta de ligar as máquinas e começar a programar as rotas, num chamamento e na abertura da noite com um set list que sempre alegra aqueles que como nós apreciam a boa música. Uma das figuras mais presentes em diversos eventos, levando sua leveza e a qualidade do seu trabalho para todos que tem a sorte e o prazer de conhecer sua discotecagem.

Com a plateia já ávida pelos próximos capítulos dessa noite histórica, o nosso engenheiro deu lugar aos outros atores desse show maravilhoso, onde ao que nos parece ninguém suspeitava. Não desconfiavam primeiro por serem shows de lançamento, segundo porque o que estava por vir não tinha tido até então lugar em nossa terra. Quando falamos que foi histórico não é nenhum exagero. Mobiu, Alvaro Réu e Sant, ao mesmo tempo lançando seus shows numa mesma noite, não é pra corações fracos.

Nave 1 – Desgraça, Levante e Resgate

Capitão – Mobiu

SubTenente – Dj Indio

Co-pilotos – Cintia Savoli, RBrass, Ravi Lobo, Ederson Suburbano, Lucas Oluô.

Teatro e hip-hop, música, grafite e performance. Foi assim que Mobiu surpreendeu a todos com uma nave muito bonita onde ficou evidente à todos os presentes a grandeza de sua visão estética. Capaz de transformar a inspiração na Ópera do Malandro em algo próprio: A Ópera de Morfeu, como um Mc-Ator dos sonhos, seus e nossos, individuais e coletivos. Mais inédito impossível, pois até então não tínhamos notícias de algo parecido por essas bandas.

Quando o subtenente Dj Índio mexeu na ignição e largou Belchior e seu clássico Comentário a Respeito de John, para abrir os trabalhos, todos os copilotos estavam a postos e bem posicionados. Sentados ao redor de uma mesa, elegantemente vestidos, bebiam e conversavam. Enquanto isso Mobiu fazia seu ritual de apresentação, mostrando que a coisa ficaria muito séria dali em diante. A música adaptada ao contexto do artista serviu de intertexto para o seu momento de liberdade solo, continuação da insurgência e promoção da cultura. O impacto estético tomou conta de toda a Pedro Arcanjo, efeito semelhante ao causado pela ignição das turbinas de um ônibus espacial. Uma espécie de estranho silêncio pairou sobre um público espantado, aquele espanto que toma verdadeiramente aqueles que se sentem diante do inédito, de algo realmente novo e plenamente autentico.

Acompanhado da “Bruta Flor” Cintia Savoli no naipe diva da noite, cantaram juntos Dívidas e Dúvidas, o primeiro single lançado nessa nova empreitada solo de Mobiu. Esta música é importante para o entendimento geral desta caminhada. E já na 2a música o ritmo começou a subir com a representação muito forte de Grana, Sexo, Droga e Drama, que são marcas de uma vida dedicada à arte e à transgressão. Participação do grande Lucas Oluô nas rimas junto ao mestre de cerimônias, com uma potência incrível, nunca o tínhamos visto ao vivo. A diva Cintia Savoli começou a se transmutar recitando uma de suas fortes poesias: Apocalipse.

A seguir, Minhas Contas com um beat bastante funky encontrou um público já começando a entrar em cena, recuperando-se do choque inicial e começando a cantar junto, dançando e escutando a mensagem. Suburbano levantou da mesa para oferecer um brinde à amizade e ao amor pela música, para em seguida disparar uma metralhadora de rimas. Garganta expandida, as veias transparecendo a força dando vazão a voz de todos os oprimidos, da cidade baixa para a cidade alta, outra decolagem. Essa Porra É Minha Vida.

Ma oi. Silvio Santos aparece na festa para dar uma palavrinha sobre superação, referências loucas de uma mente aguçada, angustiada, mas sempre firme e criativa. Amanhã vem em seguida, sem Dogalove, que só apareceria mais tarde.

Quem trouxe a próxima rodada foi o R.Braz, parceiro de Mobiu com quem cantou Pague Pra Subir, música de produção do mano, mas uma muito forte do repertorio. Dogalove audio-transportado e resgatado pelas pickups do subtenente e seu controle sobre alta tecnologia, apareceu em voz para mandar um recado pra geral, o papo de Boss. Pra fechar a noite em alto estilo Trabalho e Problema contou com a participação de Ravi Lobo (Nova Era), levando o público ao êxtase. Zezé Olukemi que abriu o espetáculo chamando atenção para a representação no palco, produziu um lindo quadro, onde se via um rosto chorando sangue. 

Catarse de todos no palco e fora dele, todos os copilotos em pé, cantando e dançando numa integração incrível. A nave já tinha ultrapassado a estratosfera e segue agora seu rumo aos mais longínquos torrões da galáxia, que tiver pique que acompanhe porque essa nave carrega muita bagagem e sempre em velocidades estonteantes. Trabalho de excelência que eliminou qualquer divida ou dúvida, plantando no inconsciente do público a percepção de que são os problemas e nossos trabalhos para resolve-los que farão com que o amanhã seja apenas a certeza de que o amor deve ser o combustível para mudar as coisas. A princesinha Alícia decretou ao fim no camarim que gostou do show, pronto, quem precisa de outro aval?

Nave 2 – Vivendo de Música

Capitão – Alvaro Réu

Subtenente – Dj Jarrão 

Copilotos – SuburbanoRobson Veio, Nanashara Vaz, Mobiu, Shoes e Makonnen Tafari

Show oficial de lançamento do Vivendo de Música, um disco que não sai do meu celular  há meses, um dos melhores do ano, sem dúvidas. Alvaro Réu finalmente pode nos apresentar o show completo de seu disco, que já tinha rodado por BH e Recife. E nos apresentou com as devidas participações, com os atores que ele queria pra sua festa. Essa independência que o rapper traz em seu trabalho é algo que faz com que sua música e seus trabalhos nos cheguem sempre da forma que ele quer. A qualidade do seu disco, o crescimento da sua gravadora e agora seu show, formam uma trinca de sucesso que transparece o quanto o rapper, produtor e empreendedor tem afinco pra viver de verdade de música. O show seguiu a ordem do disco, o que só confirmou as impressões que tínhamos na audição atenta do disco. Personificação das palavras e dos beats transformadas em corpo e movimento. 

 As turbinas foram ligadas pela poderosa voz e poesia de Robson Veio, fazendo às vezes de uma entidade transcendente que mesmo ausente do palco mandou a ideia que alicerçaria as outras canções. Uma introdução que tenta esmagar os sonhos do autor, mas que ao longo da apresentação mostra o quanto o rapper precisou se esforçar para conseguir colocar em prática sua meta. Depois da força de Vai na Fé, Gangsta e Eu Sou, trinca inicialmente solo, mostrando o quanto a lírica do poeta é capaz de enfeitiçar o público. Eu olhei pro meu parceiro, que simplesmente balançou a cabeça confirmando o que todos sentiam então, o bicho tava pegando no palco, ”Foda-se quem não gostar”. Amor de festa trouxe a beleza da voz de Nanashara personificada e como sempre deslumbrante. Tipo uma Etta James do R&B que cantou junto ao Réu a libertaria Amor de Festa, mas que nos surpreendeu apresentando uma música própria. Levando-nos àquele comichão sobre os próximos lançamentos dessa que sem dúvida alguma, vai ser uma das novas e belas vozes negras do Brasil.

Alvaro Réu fez uma linda homenagem registrando a parceria com Suburbano, parceria verdadeira que transcende a mera parceria musical e se converte em amizade. Irmão, com quem os versos futuristas de A Fábrica forma entoados em ritmo de confraternização.  Depois de Espelho e Pela Honra, foi a vez de Mobiu retornar ao palco junto a Shoes para cantarem sua participação em Outra Dose. Onde todos cantaram um dos melhores refrões que ouvimos esse ano: “Sonhar é um vicio eu quero outra dose, Viver é dose eu quero outro sonho, que represente aquilo que componho, seja presente enquanto decomponho.” Mãos estavam pro alto, sorrisos estampados, corpos que balançavam com a swingueira largada pelo Patron Jarron.

Fechando a apresentação Vive Agora, com a participação de Makonnen Tafari, um dos melhores mc’s da nova geração. Familia BTB e sua qualidade melódica cantando outro excelente refrão: “Sobre sua vida o que cê diz , quanto pagaria pra ser feliz?”. Mas também rimando com a mesma qualidade que é característica sempre presente em seu trabalho.

A segunda nave depois de cantar, subiu. E seguirá sem dúvida alguma para espalhar até os limites da finitude desse universo infinito que é a música a mensagem que ficou escrita em todos os corações: Viver de música é viver pela música!

Nave 3 – Um só caminho

Capitão – Sant

Subtenente – Dj Jarrão

A decolagem do jovem senhor Sant é a mesma que tem caracterizado o aparecimento dessa figura importantíssima no hip hop nacional. Rápido e certeiro.

Qualidade absurda, olhando minhas anotações durante o show leio: Nasceu pronto. É uma meia verdade, já que é obvio que diversas experiências o moldaram pra conseguir chegar como uma força da natureza na cena brasileira do rap nacional.

Em todas as músicas o público respondia em uníssono suas músicas. Um mano retirou a mochila das costas e colocou em cima do palco, como quem se livrava do peso para curtir livremente seu desejo de ouvir as músicas do EP OQSHDM vol. 1. Galera dançando, Sant balançava o corpo numa vibe de elevação que é algo evidente nas temáticas de sua música. O seu black power é um monumento erguido a sua luta pela emancipação do nosso povo, negro e periférico. Seus relatos e o fervor em cima do palco tomam a todos que assistem suas apresentações com a força da verdade que expressa. Em outra oportunidade tivemos o prazer de acompanhar duas músicas suas ao vivo, e já naquela vez ficamos surpresos por sua presença de palco.

Por incrível que pareça essa apresentação que não pôde se efetuar inteiramente, repetiu a mesma percepção, mas a surpresa foi maior. Principalmente porque dessa vez já tínhamos ouvido e muito o seu EP de estreia, então a rápida apresentação deixou uma impressão mais forte ainda. Esse velho menino, consegue ao vivo, elevar e muito a força de sua arte, nervoso e inquieto como um adolescente e sábio como um velhinho budista. As ideias que são impressas em qualquer coração que se abre diante desse rapaz caduco, ficaram pelo menos marcadas na eternidade de uma vida.

Sant cantou três músicas, onde todos puderam sentir as descrições acima, e a apresentação foi levada para o after party na faixa. Com certeza a galera que colou pode ver mais do artista conseguiu ter mais prazer com a oportunidade de ver o show na integra. Mas esse que vos escreve ficou satisfeito com essas três músicas e em poder bater um papo com ele. Coisa que muitos que estiveram na praça tiveram acesso também, a qualidade musical do mano, só se equipara a sua generosidade.

Curto e certeiro Sant precisou de apenas três músicas para colocar todos num odisseia espacial, muitas emoções com certeza tomaram a todos que tiveram essa oportunidade maravilhosa de ouvir essas três estreias. Como dito acima, as naves rumaram para o Rio Vermelho para o after party, lá pousaram para mais e mais decolagens ao longo da noite e madrugada a dentro.

A certeza é que esses foram shows os quais desejamos ver mais e mais vezes, e ficamos agora apenas a espreita dos próximos capítulos.

As fotos contidas nesta resenha foram captadas brilhantemente e gentilmente cedidas pelo fotografo: Tácio T 3

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