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Tóri lançou o lado B do seu álbum Descese, já ouviu?

A espera acabou! Descese, álbum de estreia da Tóri, está completo. O lançamento do lado B do álbum no dia 26 de janeiro nos revelou a totalidade dessa obra que, conceitualmente, vai na contramão do seu tempo. 

Em busca da imanência

Vivemos tempos terrivelmente “espiritualizados”, ao menos no discurso. Constantemente os algoritmos das redes sociais espalham pela sua malha virtual postagens em vídeos, imagens e textos, geralmente oriundos de perfis de gente branca e de classe média, relacionadas ao incentivo de elevar as pessoas espiritualmente. 

Existe um personagem do canal Embrulha Pra Viagem, o Mestre Gaia, interpretado pelo brilhante ator e comediante Maurício de Barros, que expõe em todos os seus contornos essa espécime cada vez mais comum, cuja condição material lhe permite se aventurar pelos supostos caminhos que conduzem ao nirvana.

Toda essa pseudo aura espiritual aliena acerca das condições materiais que constantemente se impõem através da violência urbana, das desigualdades sociais cada vez mais latentes em nosso pais, do crescimento da fome, do desemprego. Buscando convencer as pessoas que basta ser positivo através de um suposto ethos espiritual para que seus objetivos, sejam eles quais forem, se concretizem. 

Segundo essas pessoas o mundo está assim porque estamos fazendo vibrar frequências cada vez mais negativas. Todo mal é fruto de pessoas que tratam a espiritualidade com descaso e por isso estão deixando de dar sua contribuição para o aperfeiçoamento do mundo e do ser humano.

Essa ascese, também é pseudo, porque essas pessoas untadas pela aura da gratiluzice não aguentariam duas horas de ética asceta raiz. Bando de ascetas nutela, bem ao modo Mestre Gaia.

Por isso mesmo, o conceito por trás de Descese já faz desse um álbum mais que necessário. Porque esse neologismo nos coloca na contramão dessa pseudo ascese gratiluz. Descese, conceito elaborado por Yudith Rosenbaum, para remeter às epifanias vividas pelas personagens de Clarice Lispector, remete à ideia de retorno à imanência existencial, à construção de uma ética do viver na materialidade.

O que não implica o abandono da espiritualidade, uma vez que está também compõem nosso ser. É nesse conceito, nesse sentido a ele dado, que a cantora e compositora Tóri vai buscar a inspiração para o conceito de seu álbum de estreia. 

As letras de Descese abordam  a existência pelo viés da imanência, ou seja, a partir da condição material da existência, sem desprezar o corpo, as sensações provocadas pelos sentidos, ou valorá-los moralmente como nocivos, maus.

A cantora e compositora e multi artista Mãeana mostra isso a partir da descrição cheia de imagens poéticas de Tóri e sua música:

“Tóri (escrevo com acento pra ensinar os sudestinos como se pronuncia esse nome bonito) é garganta de Aracaju. Em seu primeiro disco solo escuto melodias profundas que, sem pressa, se esquecem de tentar chegar a qualquer lugar e assim me levam, nota por nota, a tecer e alimentar galáxias profundas muito mais além. Também é possível ouvir o ruído das partes mais extremas e finas das raízes descendo, descendo, cravando-se no chão, desdobrando-se de si em nervos de uma placenta pulsando em harmonia. O som de Descese me faz viajar, vapores de raízes temperadas, sopa nutritiva. O canto de Tóri tem gosto de corte. Gosto de tempero integral, puro da terra, em formas diversas: pó, pólen, argila ou caramujos que habitam a pele. Hospedeiros viajantes, fungos e lendas em comunhão – e também em solidão. Lendas de um país profundo do futuro. Esse país é um filhote selvagem se arriscando nos primeiros tropeços, nos primeiros ecos petrificados onde perder parece com achar. Alívio na vertigem, abrigo estonteante. Tóri é raíz, terra, pedra, planta, vento, cogumelo e erosão”.

Capa do lado B de Descese. Foto por Elisa Maciel.

A sonoridade de Descese é leve, doce, suave, isso se deve aos arranjos, ao timbre da voz e das características do canto de Tóri nas músicas de Descese. Ouvindo Descese, sentimos que é possível alcançar o êxtase da existência sem ter que transcender à materialidade do mundo. 

E já que falamos de sonoridade e arranjos, vamos falar um pouco sobre os agentes que os elaboraram.

Da mesma forma como se deu em seu Lado A, as seis faixas do lado B do álbum contou com a oprodução de Domenico Lancellotti, Bem Gil e Bruno di Lullo.

O disco inicia, assim, seu percurso com uma composição de João Mário no já lançado single Dies Irae, e se encerra com outra canção do compositor sergipano, intitulada Minha Dança (da qual Mário também participa), fechando o Lado B numa atmosfera lúdica e leve – em contraste com Água Viva, canção misteriosa que abre o Lado A de Descese. Terceira Margem, faixa que conta com a participação de Domenico Lancellotti, é como um fio que amarra a segunda parte de Descese: tudo vibra.

Podem-se também ouvir os cantos de Tainá ao lado das integrantes da banda Bala Desejo  Dora Morelenbaum e Julia Mestre, já presentes em Água Viva e Dies Irae, nas inéditas Arborescente e Normose, canção que Tori assina juntamente a João Mário e que ganha o arranjo de clarone e clarinete de Joana Queiroz.

Os arranjos de metais de Aquiles Moraes, tão marcantes em Descese, Hybris e Morada, abrilhantam “Psoas”, breve canção que ganha o nome do músculo humano que liga o tronco às pernas, conhecido como músculo da alma, firmando a viagem de Tori ao mundo divino da matéria. 

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