Oganpazan
Discos, Resenha

This is The Sonics – The Sonics

This is The Sonics - The Sonics
This is The Sonics – The Sonics

Falar sobre esses monstros sagrados exige uma pequena introdução, pois não é todo dia que temos a volta de uma das maiores bandas da história. Resumidamente vamos a ela: quando o rock surgiu, os empresários brancos sentiram a necessidade de “clarear” essa expressão artística para conseguir fazer com que o público da classe média branca americana pudesse consumir sem neuras maiores (racismo) o tal rock’n roll.

Foi assim que Little Richards e Chuck Berry (as duas maiores expressões da época) tiveram que dar lugar ao “rei” Elvis Presley e outros cantores e grupos de tez clara. À sua maneira, a invasão britânica fez anos depois com que esse mesmo público americano redescobrisse não apenas esses artistas negros do inicio do rock como também chamaram a atenção do público para Fats Domino, Muddy Waters, Howlin Wolf e outros mestres do blues. 

Mas o que isso tem haver com o The Sonics? Tudo, pois quem já ouviu seus discos – clássicos absolutos da segunda geração do rock – deve ter notado que todo aquele ritmo mais swingado e os saxofones eram pura influência do R&B e que os gritos em Psycho, por exemplo, é um ato de devoção a Little Richards. Não é atoa que em seu primeiro disco, chamado Here Are The Sonics, tinha em seu set list músicas como Night Time is The Right Time, Walkin The Dog, Roll Over Beethoven, todas elas grandes clássicos da música negra daquele período. Porém, e talvez por isso mesmo, a banda nunca conseguiu ir muito além da afastada cidade de Tacoma, em Washington, uma vez que as expressões desta segunda era do rock tendiam mais para o apelo pop (já em plena era do flower power), do que para a força negra dos criadores deste gênero musical.

Algumas décadas mais tarde The Sonics foram redescobertos por pesquisadores e curiosos e desde então figuram como avôs do punk, como grandes inventores de um estilo que só em meados nos anos 70 conseguiria formar uma expressão mais definida e alcançar certa popularidade. Muito tempo se passou desde 1966, ano de seu último lançamento de estúdio. Como estarão os integrantes da banda agora? 

A resposta foi dada com o excelente This Is The Sonics, lançado no final de março. Somos velhos, mas não precisamos de médicos. Parece que os coroas tiveram seus espíritos congelados lá em 1966 (quando a banda gravou Boom, o seu último registro), e que em algum momento recente eles os receberam de volta em seus corpos envelhecidos. As fisionomias são de velhinhos, mas o vocal de Gerry Roslie, o sax de Rob Lind, as guitarras de Larry Paripa e o apoio dos também pioneiros Freddie Dennis (ex-Kingsmen) no baixo e do Dusty Watson (ex-Dick Dale) na bateria, não deixam nenhuma dúvida no ar.

O som é o mesmo que os tornaram famosos, eles envelheceram, passaram a vida em trabalhos comuns, vivendo longe dos holofotes e sem produzir música desde então. Mas o que explica então que continuem com a qualidade e a agressividade que os tornaram famosos? De onde eles retiram depois de cinquenta anos a urgência e a loucura juvenis que os caracterizaram como reis do garage rock?

A única resposta que conseguimos dar (pelo menos de forma provisória) é que o fato deles terem levado vidas comuns provavelmente foi o que os impediu de ficarem amolecidos pela vida de celebridades. Algo extremamente prejudicial para a saúde musical de muitos, capaz de transformar grandes artistas em seres complacentes, auto indulgentes e, por fim, em caricaturas de si mesmos. Os Sonics não passaram meio século sendo elogiados, paparicados, tendo tudo na mão na hora em que quisessem. Sua importância histórica só foi descoberta no meio dos anos 90, quando a turma do grunge começou a apontá-los como influência. Os caras viveram a vida real desde sempre, e retiraram daí o vigor necessário para criar uma sonoridade marcante. 

Tendo parado como ilustres desconhecidos, agora eles voltam á ativa como ilustres conhecidos de um público ainda bastante restrito. Porém, são esses fãs que lhe garantem a possibilidade de uma turnê mundial e de vendas consideráveis.

Em This is The Sonic’s os coroas já começam de forma irônica. A música de abertura é o clássico I Don’t Need No Doctor, imortalizado por Ray Charles. E aqui ela soa como deveria: irônica e violenta. É a senha para que percebamos – uma faixa após outra – o quanto eles conseguiram conservar as suas qualidades musicais. As faixas seguintes Be a Woman e Bad Betty, seguem na carga pesada com o sax detonando nossos ouvidos como nos antigos R&B.

Na quarta faixa outra regravação retirada dos mestres da primeira geração do rock’n roll, Bo Didley. A clássica You Can’t Judge a Book By The Cover é recrutada para dar continuidade no misto Ironia & Violência. Não julguem a potência do som pela idade de quem o produz, a música serve como uma excelente metáfora para esse momento novo que a banda vive.

Em seguida é a vez de The Hard Way trazer um tom novo, numa pegada de punk rock mais recente. Os arranjos de piano do Gerry Roslie são lindos e deixam a turma californiana envergonhada. Sugaree, Leavin Here, Look At Little Sister, I Got The Number voltam às raízes com sua mistura de R&B e rock de garagem. Livin in Chaos e Save Planet lembram um pouco algumas coisas do punk americano da turma CBGB. Andamento reto, saxofone hipnótico, muito grito, músicas que confundem nosso entendimento, pois eles são os avós do punk e, no entanto, essas duas músicas lembram coisas feitas por outras bandas como os Stooges no seu também clássico Fun House de 1970.

Esse é o problema do reflexo que o The Sonics lança sobre todos os pré-punks, punks ou pós-punks. Pois eles faziam uma música muito a frente de seu tempo, e muito do que veio depois já estava neles pelo menos em semente. Spend the Night encerra esse brilhante disco em alta voltagem, solos de guitarra, os riffs característicos, aquela cozinha cheia que faz do baixo e da bateria uma só força, com o sax dando aquele brilho entre o andamento. 

Ao ouvir This Is The Sonics (tendo todo o contexto apresentado aqui resumidamente, que por sinal merece maior pesquisa e teorização) ficamos pensando como este disco nos faz colocar em cheque muitas das antigas bandas ainda na ativa. Assim como os jovens velhos que hoje produzem um som asséptico, pseudo intelectual, padronizando o que eles chamam romantismo ou sensibilidade amorosa.

Essa sempre foi uma das potências do The Sonics, fazer um rock’n roll selvagem em sua expressão e que tenha a potência de criticar desde o racismo – que esteve na base comercial do rock’n roll – até as possibilidades catárticas que essa música possui e que a indústria cultural precisa suavizar para torna-la um produto mais rentável às sensibilidades mais frágeis. Ou seja, a bunda molice dos tempos dos nossos avôs e de hoje. 

Vida longa aos Psychos! 

Nota: 

 

Ficha Técnica:

Gerry Roslie – Teclados, Pianos e Vocais

Rob Lind – Saxofone e Vocais

Larry Paripa – Guitarra e Vocais

Freddie Dennis – Baixo e vocais

Dusty Watson – Bateria e vocais

Jim Diamond – teclados, piano, produção e mixagem

Jack Endino – Assistente de produção

Matérias Relacionadas

Altamirano: O Maestro das fronteiras e um lembrete do agora em “Retrofuturismo”

Redação Oganpzan
4 meses ago

O voo rasante do Carcará

Carlim
5 anos ago

Verde Vingança – Caapora

Danilo
10 anos ago
Sair da versão mobile