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The Slits – Raridades Femininas no Rock Vol. 2

The Slits é uma das prova de que além de serem punks, as mulheres também podem habitar na vanguarda da criação de qualquer estilo musical!!!

 

A história do rock deve muito a muitas mulheres, seja no pioneirismo de Ma RaineySister Rossetta TharpeBessie Smith e Wanda Jackson que lá pelos anos 50 e já antes, rompiam barreiras e já começavam a pisar no terreno do que seria o rock’n roll. Seja em figuras como Joan BaezGrace SlickJanis JoplinPatti SmithThe RunawaysKathleen HannaL7 que demonstraram todos os seus talentos e capitanearam na proa o que de melhor se fez no rock de suas épocas.

Ser mulher no rock é punk, é sempre vencer barreiras e se afirmar na marra, afinal abusos e desvalorização são uma constante nesse ocidente patriarcal. No entanto, apesar de sermos capazes de encontrar diversos nomes que tiveram seus trabalhos reconhecidos e adentraram o hall das grandes mestras da música, muitos nomes caíram no esquecimento. E é aí que nos faremos presentes.

Para além dos nomes que alcançaram bastante fama, temos diversos grupos e artistas mulheres que nos legaram grandes pérolas do melhor que a música rock e suas variadas vertentes produziram no século XX. Então, como pesquisador e enorme admirador dessas artistas, cabe a mim fazer vir à tona trabalhos que estão pertinho, apesar da distância histórica, já que estão a altura de um clique

Single lançado em 1979

 

The Slits 

Começando no punk clássico dos 3 acordes, as meninas do The Slits rapidamente avançaram incorporando em sua música as nuances groovadas do reggae, produzindo ao longo da trajetória da banda um som inovadoramente vigoroso.

Se nos aproximarmos rapidamente dessas precursoras do punk feito por mulheres não entenderemos muito bem os diversos caminhos e encontros que as fizeram, ao longo de pouco mais de 5 anos, passarem de meninas que nunca tinham tocado um instrumento para verdadeiras inovadoras da cena punk inglesa.

Se você é daqueles imbecis que acreditam que a frase: “Representatividade importa”, é apenas mimimi, precisa saber que foi graças a deusa Patti Smith que The Slits surgiram. Ari Up aos 14 anos ficou abismada ao assistir um concerto da pioneiríssima Smith e rapidamente após a sugestão de sua amiga Palmolive de que ela considerasse se tornar vocalista de uma banda só de meninas, não teve dúvidas. Daí, seguiu-se a busca por instrumentos emprestados, os primeiros ensaios e uma ascensão muito rápida na cena londrina do então nascente punk rock inglês.

Surgia em 1976 no melhor espirito punk o grupo The Slits, que rapidamente se tornaria banda de apoio de nada menos que The Clash. A começar pelo nome, As Fendas seriam daí por diante icônicas pioneiras musical e visualmente. O começo da banda foi obviamente calcado na cartilha punk dos três acordes, porém de 1976 até 1979 são poucos os registros dessa pegada mais tradicional. Com exceção das gravações para o lendário John Peel Session BBC, onde mesmo assim, já podemos ouvir faixas como “Difficult Fun” com acréscimos de percussão e levada totalmente calcada na música reggae jamaicana. ou na hipnótica “In The Beginning” já dialogando ao longo dos 11 minutos com o pós punk. Já em Earthbeat/Wedding Song fica patente o começo da investigação das meninas para acrescentar elementos étnicos em sua música.

Todo esse caminho deságua num encontro fundamental para as meninas, que faria do Cut (1979) um álbum deliciosamente transgressor para além do gênero de quem executava as canções. O produtor e artista Dennis “Blackbeard” Bovell é convocado para produzir a bolacha de estreia, já tendo trabalhado com nomes como Misty The Roots, Black Uhuru entre outros. Esse encontro com uma das feras da música jamaicana na ilha da Rainha Elizabeth é o catalisador final ou inicial, para que as The Slits colocassem todas suas inquietações musicais no trilho certo. A fúria punk está aqui emulada pelo ritmo e o swingue do reggae, colocando “Cut” como um dos melhores discos, do que o melhor do pós punk poderia executar àquela altura. Um verdadeiro “corte” uma incisão de precisão cirúrgica nessa aproximação que esteve sempre ali, entre a comunidade negra do reggae na Inglaterra e as punks de primeira hora, trazendo um frescor interessante às duas esferas. 

A banda a essa altura era formada por Viv Albertine (guitarra), Tessa Pollitt (baixo), e com a saída de Palmolive quem assume as baquetas é o batera futuro da banda Siouxsie and The Banshees Budgie e Ari Up no comando dos vocais. Composto de 12 faixas, Cut traz diversos aspectos interessantes apesar de musicalmente terem poucos seguidores e ter sua influência dali por diante mas na ousadia do que na direção. Não seria exagero, por exemplo, pensar numa linhagem que liga os vocais da Ari Up aqui presentes com algumas das façanhas desenvolvidas por Bjork décadas depois.   

A começar pela capa, o disco é contestação total que vai além da excelente música. Nela estão as três selvagens Pollitt, Up & Albertine, cobertas de lama em um nu frontal, num jardim totalmente civilizado; quase receberam um processo de um motorista de táxi: eis que o respeitável senhor dirigindo pelas ruas de Londres ficou tão espantado com os cartazes exibidos por toda cidade que não se controlou e bateu seu carro. Ao mesmo tempo, certa corrente das feministas da época às acusaram de tentar vender o disco chamando atenção com seus corpos. E se tem uma coisa que parece-nos certa é que quando conservadores e revolucionários atacam algo ao mesmo tempo, é porque os dois estão igualmente errados.. 

Em “Instant Hit”, faixa que abre o disco, as meninas cantam o que algumas fontes atribuem ser uma canção ao amigo Sid Vicious, enquanto outras dizem ser para o guitarrista Keith Levene (PIL) e suas vocações para a auto destruição então em voga – um reggaezinho maneiro abrindo o disco a contar-nos em tonalidades doces, até, com a presença da flautinha, sobre esse amiguinho adepto da heroína como canal direto para a morte, como aconteceria pouco tempo depois no caso do Sid Vicious. Em “Spend Spend Spend” as minas direcionam sua groovadeira contra o consumismo resultado de uma vida vazia e tediosa dentro do capitalismo. A banda está à perfeição com o batera Budgie segurando a onda de modo certeiro em seus ataques junto do baixo em primeiro plano de uma Pollitt deliciosamente swingada. 

Relacionamentos são os assuntos das deliciosas “Ping Pong Affair” e “Love Und Romance”, a primeira com o excelente trabalho de guitarra da Albertine e uma Ari Up cantando com muita versatilidade as agruras de uma mulher que abre mão de um relacionamento abusivo, lutando para preservar sua liberdade e independência.

Já na segunda a ironia da composição é um excelente complemento ao trazer uma apologia ao amor e ao romance fantasiados, onde os casais se complementam, fazem juras de amor e planejam uma vida feliz em algum subúrbio londrino. Se apropriando de certa perspectiva rastafári, as minas começam a faixa avisando que esse é o Amor que a Babilônia quer. Uma das canções de estrutura mais pós punk, é uma das nossas preferidas. 

Lançadas como single e presentes no disco, “Typical Girl” e “I Heard It Through The Grapevine”, são outros dois excelentes exemplos da qualidade e diversidade sonora desse discaço. Engana-se quem pensar que “Typical Girl” é o típico hino feminista, a qualidade das composições é algo facilmente percebido em “Cut”. Aqui as meninas chamam atenção para todas as definições feitas através dos clichês que tentam fixar o que é e como agem as meninas típicas. A música, de alguma forma evoca, com um pianinho e um andamento bem básico, uma canção típica, para só no final nos perguntar::

Who invented the typical girl?
Who’s bringing out the new improved model?

Mega sucesso em diferentes vozes e grupos, “I Heard It Through The Grapevine” composição da dupla Motown de sucessos Barret-Whitfield é completamente entortada pelas Slits. Com certa crueza na produção e um ar um pouco amador, redimensionam maravilhosamente essa que é para muitos a porta de entrada para a música dessas garotas.

Dois anos após o lançamento de Cut, The Slits lançaria o seu segundo disco, o experimental mais voltado a batidas afro Return Of The Giant Slits (1982). Mudando completamente a direção musical conquistada com o disco de estreia, demonstrando assim a incansável veia criativa das meninas, sempre incorporando diversas sonoridades de modo vanguardista. Esse passo lhes trouxe notoriedade entre a critica e ao mesmo tempo afastou-lhe dos fãs três anos antes conquistados, que não mais as viam como pertencentes ao cenário punk rock. A banda acabaria nesse mesmo ano, tendo sido revivida em 2005 pela dupla Ari Up e Pollitt, o que resultou em um EP Revenge Of The Killer Slits (2006) e no disco cheio Trapped Animal (2009), já incorporando beats e samples a sua música, mas a banda se desagregou novamente em 2010.

The Slits foram pioneiras importantes da música rock, mas foram além e mostraram um vigor que primeiro superou as dificuldades técnicas e que depois não as deixou descansar na iminente aceitação. A busca por novas sonoridades, a subversão de ritmos e de rótulos identitários ao longo de toda a trajetória da banda é talvez a marca mais forte, sempre à procura de novas fendas por onde fazer atravessar essa gana criativa. 

Revisão, Edição e Carinho por Simone Almeida

 

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