The Isley Brothers & Santana se uniram com a força das suas músicas no séc XX, para “lutar” com sua arte pela paz mundial no séc. XXI, vejam
Duas verdadeiras instituições da música mundial se uniram e produziram um lindo disco visando combater esse momento de terror que o planeta Terra vive. O séc. XXI traz em seu bojo velhas disputas de território, uma xenofobia e um racismo que insistem em permanecer, o capitalismo segue firme e forte. A desigualdade e a concentração de renda apenas crescem num abismo aterrador, fazendo brotar aqui e ali, o monstro do fascismo. Nosso planeta enquanto organismo vivo agoniza, sendo progressivamente destruído em várias frentes.
De fato, não possuímos muitos motivos para sorrir e os exemplos de mudança apesar de florescerem aqui e ali não conseguem impor uma resposta globalizante à altura dos desafios. A paz e a união dos povos colocados numa mesma frase parece-nos a cada dia mais uma espécie de alucinação, quando não um sonho distante e pueril. A barbárie nos assalta em escala global e a tecnologia, que em algum momento pareceu surgir com um enorme potencial político, tem produzido muito mais ruído e controle, do que comunicação de fato.
O mesmo acontece com os The Isley Brothers, que se não saem da zona de conforto em que criaram uma respeitável e influente carreira, também não entregam discos ruins, muito pelo contrário. Se ficou curioso sugerimos que se busque os últimos três discos deles: Body Kiss (2003), Baby Makin’ Music (2006) e I’ll Be Home For Christmas (2007), onde os irmãos Ernie e Ronald Isley seguem produzindo o que de melhor a música negra pode. Tirou a prova?
Se é verdade que hoje padecemos em grande medida da tristeza, da falta produzida pelo poder, nos é necessário mais do que nunca, antídotos que combatam esses efeitos. E é no groove latino e negro que a quintessência da alegria e da resistência é extraída por esse dream team. Escolhendo standards já clássicos do cancioneiro combativo da música americana e relendo os mesmos com a qualidade que lhes é peculiar.
Um dos grandes méritos do disco é sua capacidade de atravessar uma amplidão de gêneros musicais incorporados a produção, sem no entanto perder sua unidade. Costurando momentos únicos de pura beleza como em I Remember, composição e performance da batera Cindy Blackman Santana, com o groove matador e a evocação da abertura com Are You Ready? clássico dos The Chambers Brothers. A mescla das congas latinas ao ritmo do funk, a área onde o evidente predomínio estilístico de Santana, encontra em explosão a groovança e a exuberância dos irmãos Isley. A guitarra do mestre mexicano encontra amigavelmente o funk e o soul ao longo de todo o disco sem derrapar.
Um passeio delicioso por versões de grandes clássicos da música negra, assim como outras deliciosas canções importantíssimas, mas um tanto obscuras. É o caso de um dos destaques do disco com a versão de Total Destruction To Your Mind, originalmente lançada pelo grupo Swamp Dogg. Ou a linda versão para a composição de Billie Holiday e Arthur Herzog Jr. God Bless The Child, um blues onde Ladyday versa sobre a pobreza e que aqui ganha uma linda versão soul.
Stevie Wonder, Curtis Mayfield e Willie Dixon? Presentes em três versões matadoras para Higher Ground, Gypsy Woman e I Just Want To Make Love To You, respectivamente. Da constatação do mundo louco em que vivemos e da necessidade de resistirmos reverberada pelo mestre Wonder. Passando pelo elogio da beleza de uma mulher oriunda de uma minoria até o grande libelo pela igualdade dos gêneros eternizado na voz do grande Muddy Waters, vamos sentido a potência das forças que aqui são chamadas a formar um horizonte do possível poder da paz. Uma tarefa hercúlea diga-se de passagem, mas que encontra na seleção do repertório das 13 faixas que compõe o disco uma forte base para reflexão. Fragmentos de uma obra coesa vão diagnosticando os problemas que hoje enfrentamos, e ao mesmo tempo, afirmam a necessidade de nos opormos a tal estado de coisas.
Apesar da idade já avançada e da carreira incessante ao longo de mais de meia década de intensa produção, as vozes de Ronald e Ernie Isley são um dos pontos altos do disco, como na linda e swingadíssima Body Talk. Falar da guitarra de Carlos Santana é chover no molhado, porém seus duelos com Ernie são momentos que certamente não lhes sairá da memória. A banda convocada é em sua estrutura a Santana Band, composta pela baterista Cindy Blackman, o percussionista Karl Perazzo, o pianista David K. Mathews e pelo baixista Benny Rietveld. A esse trio juntam-se além da guitarra de Ernie Isley, o grande tecladista Greg Phillinganes. Um verdadeiro super time de grandes músicos.
Se tivéssemos que eleger qual a principal das forças convocadas musicalmente por essa maravilhosa trupe de artistas, verdadeiros pensadores, que com sua arte elevam-se aos desafios contemporâneos, certamente seria o amor, a principal potência homenageada aqui. Algo que atravessa diversas das canções, mas que também fica claro no capricho com que este trabalho nos é entregue, no esmero desde a seleção do repertorio até a execução das músicas.
Mas sobretudo, pela necessidade que hoje possuímos de encontrar uma nova forma de amar, longe da ideia de posse, posse do Outro, posse da Terra, posse de bens. Algo que os grandes artistas como os que aqui se reuniram nos ensinam com sua prática. O amor que quer compartilhar, que quer se unir, um amar capaz de realmente criar, de trazer a luz outras possibilidade de ser e com isso plantar sementes de mudança e alcançar finalmente a paz. Algo que pode ser muito bem ilustrado pelo standard do grande mestre Burt Bacharad:
“What the world needs now is love, sweet love
It’s the only thing that there’s just too little of
What the world needs now is love, sweet love
No, not just for some, but for everyone
Lord, we dont need another mountain
There are mountains and hillsides enough to climb”