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The Feminine Complex – Raridades Femininas no Rock Vol. 1

The Feminine Complex é uma banda americana de Nashville formada por 5 mulheres em 1966 e com apenas um disco lançado. Você precisa conhecer!!

A história do rock deve muito a muitas mulheres, seja no pioneirismo de Ma Rainey, Sister Rossetta Tharpe, Bessie Smith e Wanda Jackson que lá pelos anos 50 e já antes, rompiam barreiras e já começavam a pisar no terreno do que seria o rock’n roll. Seja em figuras como Joan Baez, Grace Slick, Janis Joplin, Patti Smith, The Runaways, Kathleen Hanna, L7 que demonstraram todos os seus talentos e capitanearam na proa o que de melhor se fez no rock de suas épocas.

Vencendo barreiras e se afirmando na marra, ser mulher no rock é punk, afinal abusos e desvalorização são uma constante nesse ocidente patriarcal. No entanto, apesar de sermos capazes de encontrar diversos nomes que tiveram seus trabalhos reconhecidos e adentraram o hall das grandes mestras da música, muitos nomes caíram no esquecimento. E é aí que nos faremos presentes.

Para além dos nomes que alcançaram bastante fama, temos diversos grupos e artistas mulheres que nos legaram grandes pérolas do melhor que a música rock e suas variadas vertentes produziram no século XX. Então, como pesquisador e enorme admirador dessas artistas, nos cabe trazer a tona trabalhos que estão ali pertinho, apesar da distância histórica, eles estão a altura de um clique. 

The Feminine Complex

E para abrir essa série de reportagens, escolhemos um grupo do rock de garagem do final dos anos 60, todo formado por mulheres, que produziram uma pequena pérola do rock and roll daquela época. The Feminine Complex foi formada em 1966 em Nashville, Tennessee, pelas colegas de escola que naquela época frequentavam o Maplewood High School, Mindy Dalton (Voz e guitarras), Jean Williams (baixo), Judi Griffith (voz e pandeiro), Pame Stephens (orgão) e Lana Napier (bateria). Entre um treino de basquete e outro as amigas Williams e Napier resolveram radicalizar as suas atividades.

Na Nashville da época, meca da country music, muitos grupos de garagem emergiam na cena local, porém meninas tocando era um tabu, e as amigas convocaram Stephens, Dalton e Griffith para fechar o grupo que inicialmente se chamava The Pivots (heranças do basquete). Logo a Feminine Complex já estavam praticando e em pouco tempo já eram presença carimbada num local onde a rapaziada passava as famosas férias de verão, chamado Skateland. Sendo as únicas meninas do rolê, rapidamente ganharam fãs e fama local, o que as levou a excursionar pelo estado do Tennessee.

Não lembro mais onde e nem quem me indicou essa maravilha, mas já fazem uns bons 14 anos que as escuto e desde a primeira audição de seu único disco lançado Livin’ Love (1969) elas me conquistaram. Quando tive a ideia de inseri-las nessa série de matérias e fui pesquisar um pouco mais afundo sobre as meninas, eis que me deparo com a especulação de que elas seriam uma banda fictícia. Dada toda a qualidade do disco e a raridade dos originais, a pouca informação sobre elas, concluiu-se a certa altura, que na verdade seriam meninas dos anos 90 a trollar colecionadores. Eis que continuo a pesquisar e para o bem da verdade e em detrimento do machismo especulativo encontrei o disco To Be In Love (1997). Lançado pela gravadora Teenbeat em 1997, o cd é uma coleção de demos e apresentações ao vivo das meninas, que obviamente detonam. 

Resolvidas as questões epistemo-esteto machistas, vamos ao que interessa, que é o som único feito por essas jovens do Tennessee. Livin’ Love, único disco de carreira das meninas, foi lançado originalmente com 11 faixas pela então estreante gravadora Athena records, do veterinário Dee Kilpatrick em 1969. Porém a Rev-Ola, o relançou com 14 bônus, o que nos joga ainda outras luzes sobre o trabalho dessas jovens super talentosas.

Produzindo uma sonzera que nos remete imediatamente ao blue-eyed soul da Dusty Springfield, elas ainda adicionavam ao seu som um pop muito classudo com pitadas de psicodelia e alguns elementos do rock de garagem. Ao longo da bolacha, você verá adoráveis mudanças de andamento, letras sobre amor e autoconhecimento (herança do tempo), tudo embalado num mix soul-beat-pop delicioso. 

A música de abertura “Hide & Seek“, começa num climão mezzo psicodélico com Juddy Griffith abusando da sensualidade e do mistério ao emplacar os primeiros versos e rapidamente a banda emenda um beat balançado. Uma composição que versa sobre rosas e outras flores crescendo no jardim e sobre a impossibilidade de se reencontrar, uma reflexão sobre crescimento, juventude. Os vocais de apoio belamente harmonizados, lembrando as girl groups da Motown, são um espetáculo a parte. Um verdadeiro hit aqui em minha humilde discoteca e uma das músicas mais fortes do disco. 

Now I Need You” como o título auto explicativo já escancara é uma canção sobre amor, mas de uma doçura e apelo pop irresistível. Com uma melodia lindíssima e um arranjo super elegante, consegue expressar todos os clichês das canções românticas que trazem o desespero pela volta do amor e não ser brega. Seguindo ainda no clima deprê elegante, outra composição da Dalton, “Are You Lonesome Like Me?“, com metais inseridos, de canto quase sussurrado nos perguntando: Você é tão solitária quanto eu? é de cortar o coração.

Impossível amigos e amigas é ouvir “I Won’t Run” e não lembrar-se imediatamente de Nowhere to Run, da rainha Martha Reeves and The Vandellas. Não porque sejam construções musicais similares, apesar da primeira ter alguns elementos das girl groups da Motown como antes mencionado. Mas pela urgência e balançado que a música inspira, aqui acrescida de uma quebra rítmica entre os versos e o refrão. Mas um delicioso exemplo da qualidade dessas meninas numa época onde a concorrência musical era enorme e de altíssimo nível. 

Uma questão que sempre me pega ao ouvir discos deliciosamente bem feitos e nesse caso por jovens com pouca estrada musical, é como muita coisa de qualidade passou despercebida pelo crivo da época. Mas sobretudo, como hoje também deixamos passar muita coisa por estarmos alienados pelo que já foi feito e está consolidado em nossa memória afetiva, ou apenas pelo que está sob os holofotes da indústria. Esquecemos ou nem nos damos conta da quantidade de coisas boas feitas em qualquer estilo musical, na nossa cidade, no nosso pais, no mundo.

E a quadra seguinte de Livin’ Love é uma prova de que se essas senhoritas tivessem recebido a divulgação adequada não teriam preferido a faculdade à música. Ou pelo menos, teriam tido mais uma sobrevida no mundo da música e teríamos mais maravilhas pra escutar. 

A começar pela singela “Six O’Clock In The Morning“, que nos leva a eliminar qualquer dúvida sobre a qualidade e caráter singular da cantora Griffiths, ao mesmo tempo que notamos as qualidades inerentes da compositora Williams. De doce construção melódica e uma flautinha a nos lembrar do Love, a música segue a trilha das suas antecessoras cantando a partida do amado.

Mas até então, nada nos preparava para as três porradas que viriam a seguir, quebrando o clima quase todo romântico, predominante até então. “Run That Thru Your Mind“, já começa com um riff sinistro dos metais, enquanto bateria e baixo preparam a cozinha durante o riff, para em seguida meter uma groovança de gente grande. A lembrança imediata é a grande Aretha Franklin e sua produção dessa mesma época. Os corais com o reverb cantando o refrão realmente corre através não apenas da nossa mente, mas pelo corpo todo.

Uma guitarra venenosa já abre escaldando tudo e trazendo aquela psicodelia alertada acima, inclusive com peso pouco visto. “It’s Magic”, segue nesse clima heavy até o refrão pop que de algum modo detona o clima, mas nem por isso estraga a música. A guitarra abre novamente os trabalhos, porém dessa vez junto aos metais como que num mix das duas últimas canções. “I Don’t Wan’t Another Man”, também retoma o tema romântico até pouco tempo antes hegemônico nas canções, mas pleno no clima funky, balanço delicioso bem marcado pelo baixo que se destaca nessa faixa.

O disco ainda vai desfilar pelo pop ensolarado de “Forgetting“, voltará ao soul-funk de “I’ve Been Workin On You” e vai se encerrar na mais experimental e psicodélica das canções do disco: “Time Slips By (When You Are On My Mind)“. Três canções que finalizam o disco em seu formato original com o mesmo frescor criativo, qualidade de execução e de composição das outras.

Na versão acima citada da gravadora Rev-Ola, temos mais 14 outras faixas para nos deliciarmos. Assim como na coletânea To Be In Love, acima citada lançada pela Teenbeat temos outras 21 faixas de demos e ao vivos para não ficarmos presos apenas nesse clássico. Tá, é verdade que essa 11 canções são o fino do fino do que esse quinteto produziu, mas nesse sacolão aí temos outras boas pérolas e versões a retirar. Deixamos sob a vossa responsabilidade a procura e avaliação dessas outras maravilhas e até a próxima.

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