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The Call: o dia que o Mal Waldron colocou o dedo na tomada

Até o Mal Waldron convocou uma sessão pra testar os limites do seu Jazz. O negrão colocou o dedo na tomada e gravou o excelente “The Call”.

Quando o Jazz chegou nos anos 70, o elemento Fusion abalou as estruturas da cena. Foi uma década absolutamente vital para o desenvolvimento desse meandro do groove, e mesmo que os puristas ignorem o seu valor – principalmente em função do caráter experimental de algumas empreitadas criativas – muitas pessoas (entre músicos e não músicos), resolveram aproveitar o período para ver qual era a fita desse tal Jazz Fusion, Jazz Rock, enfim.

Um disco que sintetiza a força desse momento, revelando um pouco das frutíferas possibilidades que esse movimento Jazzístico representou (por se tratar de uma ruptura com o tradicionalismo) – aqui o Wynton Marsalis chora e a mãe não vê – é o “The Call”, um dos projetos mais audaciosos do pianista Mal Waldron, Mal Wal para os íntimos, lançado em 1971.

Line Up:

Mal Waldron (piano elétrico)

Eberhard Weber (baixo)

Fred Braceful (bateria/percussão)

Jimmy Jackson (órgão)

Track List:

“The Call”

“Thoughts”

Um dos maiores monstros sagrados do piano. Esse era Mal Waldron. Jazzista retumbante, seu marfim malhado pode ser ouvido nas maiores gravações da história da música. Seja ao lado da magnífica Billie Holiday ou do multi instrumentista Eric Dolphy, Mal Waldron foi um pianista cirúrgico e que apesar de brilhante, é pouco relembrado nos tempos da modernidade.

Dono de uma percepção aguçada e que o colocou para gravar ao lado dos maiores gigantes do Jazz – como Coltrane, Mingus e Jackie McLean, por exemplo, Mal Waldron é um bom exemplo do Jazzman que soube envelhecer. Radicado na europa à partir do final dos anos 60 e com diversos lançamentos por selos menores, o pianista é dono de uma carreira longeva e que passou por todos os maiores palcos do Jazz, entre Estados Unidos e europa.

A já citada gravação (“The Call”) é um registro de destaque em sua discografia, pois trata-se de um projeto único na carreira do também compositor e arranjador. Lançado via JAPO (selo alemão especializado em Jazz, braço da ECM), esse registro conta com uma proposta audaciosa, além de uma configuração enxuta e peculiar.

O disco dura pouco mais de 40 minutos. São duas suítes instrumentais e no comando da jam, o groove corre com Jimmy Jackson no órgão, o exímio baixista alemão, Eberhard Weber (que já tocou com o Pat Metheny e Jan Garbarek, por exemplo), além do baterista americano Fred Braceful (também radicado na europa) e Mal Waldron no piano.

Mas o pulo da gato é que pra esse registro, Mal Waldron descolou um piano elétrico e as duas faixas (a faíxa título e “Thoughts”), mostram a luz própria de sua musicalidade em inspirados embates com o órgão de Jimmy Jackson.

Diálogo. Essa é uma palavra chave para esse trabalho. É notável como Mal consegue iniciar conversas e trocar com todos os instrumentistas, não só com Jimmy. À parte desse embate de órgão x piano elétrico, Fred Braceful e Eberhard Weber fecham uma sessão rítmica azeitadíssima e aqui vale um parênteses para destacar o som de baixo, a técnica e o repertório de Eberhard Weber.

Dono de um som limpo, profundo e bastante melódico, o Jazz com influência erudita do meliante consegue oferecer paletas de cores rítmicas muito inteligentes para contrapor as teclas da dupla Mal Wal e Jimmy Jackson. O cidadão sola nas duas faixas principais e até o arco ele colocou pra jogo. O timbre arrepia. A execução é perfeita e o resultado, digno de se emocionar.

É um disco que impressiona pelo vigor. A bateria consegue ser tão volátil quanto o clima e o dinamismo das composições cobram dos kits. O resultado beira um Funk psicodélico em alguns momentos e depois que o play termina, é impossível não imaginar o Mal Waldron tocando sintetizadores.

Pena que ele não curtiu a onda e voltou ao piano, já em seu registro seguinte… Difícil acreditar nisso, ainda mais depois de toda a fritaria da faixa título, mas foi o que aconteceu. Até o Mal Waldron tentou fazer um coquetel Fusion.

Acho essa tentativa extremamente louvável e interessante. O Fusion questionou o repertório e a abordagem dos Jazzistas. Existe algo muito bonito nessa incursão criativa do pianista, pois ele se juntou com músicos experientes no período e soube criar uma proposta que não o deixasse vendido, tanto em termos de abordagem/referência, quanto em questão de dinâmica musical.

Aposto que ele se divertiu gravando o play. Nota-se como todos tocam soltos e o projeto como um todo também revela uma inquietação nata… Característica dos maiores gênios que já caminharam sobre a terra. Se você gosta de teclas, por favor, esse momento é seu.

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