Dj, produtor, beatmaker e instrumentista autodidata, a cozinha do Tenderlonious possui diversas aspirações que vão surpreender seus ouvidos.
Um dos motivos pelos quais a cena Jazzística do Reino Unido está dando tão certo – além de contar com grandes músicos, projetos e lançamentos – é a forma como o cenário trabalho em prol de seu próprio benefício.
Na Inglaterra selos como o 22a, Brownswood Recordings, Black Focus Records e Jazz Re:freshed conseguem trabalhar juntos. É claro que cada um deles conta com um cast de artistas e seus respectivos lançamentos, mas o ponto chave é perceber que eles não concorrem entre si diretamente, muito pelo contrário.
Em função da riqueza de uma cena que absorve influências que vão desde o Hip-Hop até o mais experimental e progressivo groove, que meliantes como o Ed “Tenderlonious” Cawthorne começaram a mostrar – que por incrível que parece – tem espaço pra todo mundo. A palavra chave para essa jam é “The Shakedown” e 22archestra. Pode acreditar.
Line Up:
Ed “Tenderlonious” Cawthorne (flauta/sintetizadores)
Hamish Balfour (teclados)
Fergus Ireland (baixo)
Yussef Dayes (bateria)
Jeen Bassa (percussão)
Reegie Omas (percussão)
Konrad (percussão)
Track List:
“Expansions”
“Yussef’s Groove”
”Togo”
“SV Interlude”
“The Shakedown”
“Maria”
“You Decide”
“SV Disco”
“Red Sky At Night”
O Ed “Tenderlonious” Cawthorne é um cidadão no mínimo peculiar. Filho de militares, o futuro músico viveu como um nômade até voltar para UK e se estabilizar como beatmaker. Em função dessa rotina pouco ortodoxa, Tenderlonious não teve uma educação musical comum, por assim dizer.
Músico autodidata, ele comprou um saxofone soprano por causa da capa de um disco do Yusef Lateef e deu um jeito de aprender o instrumento e logo depois já estava tocando flauta em paralelo.
Vale lembrar que enquanto todo esse desenvolvimento acontecia, o músico ainda mantinha uma sólida carreira como (requisitado) DJ em Londres. Sempre groovando com foco na escolástica do Hip-Hop, o também produtor começou a criar uma linguagem completamente nova… Essa talvez tenha sido a faculdade que ele não quis fazer.
O tempo passou e hoje o Tenderlonious é uma figura primordial no ativo funcionamento da cena.
Além de ser o chefe nesse projeto que conta coma banda de apoio 22archestra, vale lembrar que o multi instrumentista também comanda outro projeto, a Ruby Rushton (a versão Jazz-Funk dessa cozinha) e ainda coordena as atividades do 22a, seu próprio selo.
2018 foi um ano bastante corrido na vida de Ed, mas nem por isso ele deixou de fazer a gestão de 20 lançamentos por meio do selo. No meio de tantas novas experimentações, até ele deve ter ficado curioso e o resultado foi “The Shakedown”, seu primeiro disco solo, lançado 15 de junho de 2018.
Gravado numa sessão de 8 horas no Abbey Road, “The Shakedown” sintetiza as principais referências de Tenderlonious e entrega um Jazz sublime, suave, com toques de Afrobeat, uma veia latina e uma abordagem de improvisação bastante inspirada na dinâmica de beats, principalmente da Golden Era.
Uma mistura de Jazz-Funk e Hip-Hop com forte apelo rítmico, esse trampo inclusive conta com Yussef Dayes na bateria e só esse detalhe já é algo a se destacar no disco. Com uma precisão absurda e a capacidade de tocar nos mais vertiginosos broken beats, a participação de Yussef foi um dos elementos responsáveis pela excelência desse projeto.
Se liga no groove que ele sustenta em “Yussef’s Groove”. O DNA percussivo do baterista caiu como uma luva.
Na abertura do disco, com “Expansions”, já é possível imaginar o clima que permeará essa audição.
O trabalho de sintetizadores e a percussão são 2 detalhes para se prestar atenção. A ambientação foi muito bem pensada e o resultado são temas da mesma riqueza lírica de “Togo”, por exemplo, faixa ritualística inspirada no J Dilla e MF DOOM, duas referências primordiais na vida de Cawthorne.
Em SV “Interlude” ele continua no quintal de casa e agora homenageia o Slum Village, grupo que o já citado J Dilla fez parte, antes de sair em carreira solo.
Se liga na variação dos timbres de baixo, a alternância entre o acústico e o elétrico pra dar espaço pra todos os instrumentos… O groove é latente.
Parece um DJ solando de flauta no beat. A caixa do Yussef é criminosa nesse tema, mas é na faixa título que a coisa pega. Em “The Shakedown”, o trabalho de Tenderlonious nos sintetizadores é muito interessante, pois sua banda já conta com teclados, então promover esse contraponto com as texturas de Hamish Balfour (teclados) evidencia sua abordagem única para com a flauta e o seu respectivo papel no som.
Em temas como “Maria”, o bom gosto é palpável. O som é descolado e conta com uma fluência excelente. “You Decide” parece brincar com toda essa liberdade criativa que o músico conseguiu externalizar com tanta naturalidade e frescor.
“The Shakedown” é a narração da criação de um novo contexto criativo. Com a visão que apenas um cara com tantas vivências consegue empregar nos timbres, Tenderlonious promove rupturas sonoras que nos fazem questionar os limites do Jazz.
Não é só homenagear o Slum Village com “SV Disco”. A questão vai muito além disso, tem relação não só com a forma, mas também com o conteúdo. “Red Sky At Night” é uma faixa que deixa essa ideia bem explícita.
As intervenções do Tenderlonious são muito coerentes e entre rápidos insights de improviso e licks, sua maior qualidade desempenhando esse papel de líder foi justamente saber quando se infiltrar no som para trazer sua peculiar lírica ao disco.