Foi por isso que aceitei esse trabalho! Desbravar o Brasil em busca de novos sons, me sentir o Indiana Jones em busca das relíquias sonoras ainda escondidas por aí. Sabia que iria ouvir e escrever sobre bandas que se encontram isoladas do restante do país graças ao gosto seletivo disseminado pela indústria cultural brasileira. Mas a internet está aí para diminuir esse efeito.
Hoje vamos subir até a ponta do Nordeste, lá naquela curvinha parecida com a rótula do fêmur no joelho. Fomos onde nenhuma mídia do sudeste jamais esteve, por preguiça certamente: Rio Grande do Norte. Estado de beleza rara! Lindas praias, belas dunas e lar do maior cajueiro do mundo. Não só as ramificações dessa árvore fantástica brotam do solo potiguar. De lá emana o som de Talma & Gadelha, banda de Natal bem consolidada no cenário rocker da capital, lar do glorioso América de Natal.
Mira, o terceiro álbum da banda, foi lançado na segunda-feira passada, dia 09 de março. O som do álbum balança pra lá e pra cá seguindo o ritmo das mares. Vai de um noise tenso à certa suavidade irritadiça entre uma música e outra. Confesso a vocês ter momentos em que o nome Sonic Youth, mesmo esmaecido, surgiu na minha mente ouvindo Mira. As guitarras arrastadas e os riffs simplizaços remetem ao melhor do rock experimental. Tenho esta impressão mesmo lendo em alguns lugares a classificação do som da banda de pop rock. Estejam avisados caros oganpazans, pop rock sem a menor dúvida não é suficiente para descrever a sonoridade do álbum como um todo. A faixa dois, Ioiô, se encaixa no rótulo pop rock até a entrada do riff ao final da parte cantada, mas é só.
Talma & Gadelha consegue fazer com que as músicas de Mira não caiam na monotonia. Isso é fantástico! Existe no cenário rocker brasileiro bandas cujo som padronizado, formularizado, resulta em uma sonoridade homogênea. Daí basta esperar os bocejos mais terríveis, capazes de esticar as mandíbulas mais enferrujadas tamanho o tédio gerado.
Em Mira os potiguares do Talma & Gadelha fazem o contrário. Procuram apimentar suas canções com variações instrumentais e mudanças melódicas nos vocais. Não em uma música ou outra, mas em cada uma das músicas. Afastam a sensação de enfado de quem está ouvindo, pois a heterogeneidade que marca o álbum não permite o surgimento de tal sensação. Além de guitarras bem trabalhadas existe clara influência de vertentes eletrônicas, embora o uso seja feito economicamente. Mira é uma mistura feita com doses bem medidas de seus ingredientes. Ao preparar um prato não basta saber as medias de cada ingrediente e o modo de misturá-los, para garantir a excelência do sabor. O toque do cozinheiro, o seu jeito particular de misturar os ingredientes e preparar a refeição será o fator determinante na composição do sabor.
Ocorre o mesmo na música. A subjetividade é o fator determinante tanto num caso quanto no outro! Há quem defenda ser a mistura de ritmos e estilos fator suficiente para destacar a boa qualidade de uma música ou álbum. Quanto mais elementos distintos forem acrescentados à música melhor e mais original ela será. Nada mais falso! A determinação do “sabor” da música irá depender do jeito do compositor ou compositores misturarem e prepararem as composições. Certamente alguns erraram a mão ao “temperar’ suas músicas. No caso de Mira seus criadores acertam em cheio ao misturar sons, estilos e ritmos.
As letras abordam os relacionamentos amorosos e os pseudo problemas gerados através da confirmação o frustração das expectativas dos envolvidos. Bem mais das frustradas, diga-se de passagem. Exploram as características infantis, imaturas do amor romântico que levam as pessoas a se comportar de forma ridícula, por vezes egocêntrica, sempre dramatizando os acontecimentos ligados ao relacionamento no qual se está envolvido. Sozinhas as letras são banais, melosas, quase nível roteiro escrito para os pares amorosos de Malhação (Talvez eu tenha pegado pesado demais, não sei, me digam vocês).
Contudo, como as músicas não são feitas apenas como suporte para as letras, característica do folk estadunidense, da grande canção, cujo exemplo maior é Geraldo Vandré, esse sentimento teen que as letras apresentam quando lidas isoladamente, não se manifesta nas músicas. Há exceção, a última música do álbum, minha preferida, apresenta uma sonoridade bluseira contagiante, cuja dramaticidade é mais intensa, profunda! A letra ganha destaque e consegue acompanhar toda carga de tensão gerada pela harmônia e melodia de Me Fudi!
No todo considero Mira um bom álbum que vale a pena demais ouvir! Nossos broders lá da ponta nordestina estão efervescentes em criatividade e inspiração! Vamos lá rapaziada, vamos nos aventurar nas curvas sonoras de Mira, para depois, quem sabe, curtirmos as dunas de Natal!
Para fazer o download do disco é só clicar no link: Talma&Gadelha – Mira (Download Gratuito)
Gravadora: Estúdio Dosol – Natal – RN
Produção: Henrique Geladeira (guitarrista da banda)
Direção Artística: Anderson Focar e Ana Morena
Mixado e masterelizado em Estúdio Costella – São Paulo – SP
Apoio: Rumos Itaú Cultural
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