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Tafari Loko É O Rei Do Lar, Bagançando No Trap!

Tafari estreia sua primeira mixtape solo com traps revelando todas as suas angustias, esperanças e inclusive produzindo expressões próprias. 

Makonnen nos apresenta seu alter ego: Tafari Loko, em uma mixtape que nos parece ser um divisor de águas em sua carreira. Primeiro, porque podemos dizer que o rapper esta alcançando sua maturidade musical. Segundo, porque essa maturidade fica explicita na clareza de suas ideias e mesmo nos temas em que sua música trabalha. E por último pela sua plena identificação com o estilo musical que o rapper parece ter adotado como o norte de sua carreira: o Trap.

Com pouco mais de 18 anos, e uma longa carreira no currículo, Makonnen cresceu dentro da música, filho do reggaeman Kamaphew Tawa e da produtora cultural Jussara Santana. Tendo inclusive um disco cheio em sua longa caminhada, apesar da idade, com o grupo Nova Saga. Ali o pequeno Tafari aparecia, como sempre acontece com astros mirins, como uma bela promessa. Já compondo com muita qualidade, cheio de desenvoltura, abordando diversos temas, desde da violência urbana, às curtições na night e os amores. 

O pequeno Tafari cresceu e a intensidade de suas ideias e musicalidade só cresceu também nesse processo. O que nos leva ao personagem Tafari Loko, suas introspecções e reflexões presentes nessa primeira parte (o mano já esta escrevendo a parte 2). Um personagem que é criado com base nas vivências do homem e que só é fictício para termos de produção artística. Um alter ego, a rigor é uma possibilidade subjetiva do autor, uma de suas facetas possíveis. E nesse aspecto o mano manda muito bem, inclusive criando um vocabulário que representa as ideias e a linguagem que o Loko nos traz.

O disco já da inicio aos trabalhos com Ratatata, um salve às quebradas e um alerta sobre como nossas ruas sempre perigosas precisam incorporar uma postura ética que é enunciada pelo rapper: “afinal somos um”. Sim, para os mais atenciosos na audição, ficará evidente as referências a África, seja nessa citação a filosofia Ubuntu, seja a lugares e deuses. 

A auto afirmação é o traço predominante em Rei do Lar, onde o mano cria um climão sobre a Ganheragem (ir para o rolê) e suas conquistas, a preparação e ansiedade para tocar, uma ode a vida noturna. E aqui, os traços da mente delirante do personagem Tafari Loko, vão aos poucos aparecendo, seja nas citações sobre violência, seja na própria construção de alguns versos que misturam situações distintas. 

Depois desse aquecimento, Pra Frente é daquelas músicas onde eu paro o texto pra dar um Dab. Dj Akani, responsável pela produção musical do disco faz um excelente trabalho, estraçalhando nesse beat mega pesado. E como diz o próprio título, o bagulho é pra frente, cabeça de gelo não parece ser um dos traços mais fortes do personagem. O mano canta e nesse cantar o corpo fala, sobretudo quanto ao conflito que vai se instaurando e que fica evidente ao longo de todo o disco. Algo próximo do clássico O Médico e o Monstro do escritor R.L. Stevenson. O Tafari Loko, se debate entre certo comportamento emocionado e a falta de emoção de outro personagem citado: o próprio Akani, seu irmão e parceiro de música. Uma das melhores músicas presentes na mixtape e que já vai terminando com a mixagem da próxima: Paranauê. Expediente muito interessante e que ocorre em algumas das músicas.

A música nos narra  uma visão de si próprio num pique onde essa alta descrição se através de um pseudo aspecto bipolar. O extraordinário – Manauê – é justamente a condição do rapper em causar uma confusão inicial neste retrato para daí retirar seu desejo de ser visto apenas como alguém livre e verdadeiro. A construção inteligente da letra em nos fazer inicialmente pensar e sentir os delírios do personagem é muito interessante. Pois nos dá a perceber aquilo que ele acreditar ser a visão dos outros sobre si mesmo, para em seguida conseguirmos perceber a vontade tanto do artista quanto do homem. Vontade que quer desconstruir como se é visto, para alcançar a si próprio em sua essência.

Uma das forças do disco além do Trap ultra bem feito, esta na poesia de Tafari dialogar com o ouvinte em várias possibilidades de interpretação. As músicas nunca se repetem nos temas e ao mesmo tempo tocam fragmentadamente em perspectivas que atravessam todo o disco. O discurso é sempre indireto e livre, não separando o que é o personagem e o que é o artista. Recurso que é muito perceptível tanto pela utilização do vocabulário criado pelo artista para representar o pensamento do personagem. Quanto pelo dialogo com personagens da cena que são citados mas não necessariamente participam do disco, Hash, Vandal, Akani, Biel Gomez, Mahatman

Eu Que Assumo é outro ponto muito forte da mixtape, revelando a força da verdade que o artista comunica em sua música. Sentimentos conflituosos, reações duvidosas, incertezas, maldades são abordadas na canção, mas o que se sobressai ao final é a sensação de que o mano esta Take (tranquilo). Clareza diante do que nos cerca, seja na vida cotidiana, seja no tal do Game, é o tema de Deus. Entre o sorriso e a falta dele, diferenciar o que é de verdade ou mera ilusão, ou simplesmente perceber as diferenças que não se fazem apenas por gestos mas sempre pelas ações. É a súplica emitida pelo mano à divindande.

O disco se encerra da melhor forma possível, Bagaça é a última música da mixtape e nos mostra como Makonnen faz o Tafari Loko Bagaçar – fazer algo com excelência. E é isso que o disco nos comunica, que é possível levar o Trap para uma perspectiva própria, o contextualizado ao nosso cenário. Onde o personagem Loko é uma possibilidade muito bem concebida. Capaz de discutir muitos problemas de uma cena que deveria buscar a liberdade sempre, nas mais diversas possibilidades de expressão tendo apenas a verdade como limite.

E a verdade em termos de arte, se faz justamente na capacidade de afetar e transmitir ideias, representando com excelência um determinado aspecto da realidade. Em nossa humilde opinião o Tafari Loko cumpre com bastante estilo e criatividade todos os aspectos acima citados. Verdade e representações criativas é algo que não falta neste disco, palmas para Dj Akani e Makonnen Tafari.

Nota:             

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