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“Sueli Costa 1975” A artista completa 50 anos de carreira!

Sueli Costa completa 50 anos de carreira, e o Oganpazan preparou algumas matérias para comemorarmos essa grande artista da música brasileira

Cedo aprendi a amar compositores e instrumentistas, para além das “estrelas” que eles suportam e apoiam, o que em nosso país é algo um tanto raro. Temos memória curta e fazemos questão de manter isso, quase como uma qualidade nacional. Ao longo dos anos, muitos dos nossos maiores nomes vão sendo soterrados pela falsa poeira do tempo, forjada intencionalmente pelo star system.

Para pesquisadores, nem sempre é tarefa fácil conseguir saber quem são os músicos que acompanham certas gravações icônicas, e o público em geral não tem o minimo conhecimento de quem compôs, aquela música que o seu ídolo está entoando. Foi na obra de Elis Regina, que as composições da grande Sueli Costa despertaram a nossa admiração, o que consequentemente nos levou a procurar saber melhor quem era a autora de diversas pérolas do nosso cancioneiro.

Não é exagero algum dizer que Sueli Costa, é uma das maiores compositoras da música popular brasileira. E essa grande artista carioca, completa esse ano 50 anos de carreira, graças aos deuses da música, viva e atuante. Sueli Costa é o nome por trás de diversos sucessos que infelizmente o público muitas vezes canta mas não conhece a autoria.

É de sua lavra sucessos como “Coração Ateu”, “Vinte Anos Blues” e “Jura Secreta”, composições solo ou em parceria com diversos outros grandes compositores da nossa música. A exemplo de Cacaso, Aldir Blanc, Tite de Lemos e Abel Silva foram alguns de seus parceiros.

Desde a primeira gravação da música “Por Exemplo, Você“, parceria sua com João Medeiros Filho, pela cantora carioca Nara Leão em 1967, a escalada de sucessos que Sueli Costa experimentou, só cresceu. Suas composições foram gravadas por nomes como Elis Regina, Maria Bethânia, Rosinha de Valença, Simone, Fagner, Fafá de Belem e Ney Matogrosso, não só grandes interpretes mulheres, como homens e compositores. 

Depois de largar a faculdade de direito em Juiz de Fora, para onde se mudou bem novinha, no último ano para se formar, Sueli Costa voltou para o Rio de Janeiro e lá conquistou em pouco tempo renome profissional, compondo para os nomes acima citados, além de trilhas para teatro. Em 1975 a compositora já consagrada, teve seu primeiro disco gravado, cantando suas próprias composições. Uma tarefa que pareceria ingrata para qualquer outra compositora, que tivesse suas músicas como grandes sucessos nacionais, nas vozes das maiores cantoras da país na época. 

O disco homônimo Sueli Costa 1975, é uma obra daquelas que não saem da nossa memória desde que descobrimos que a compositora que já admirávamos muito, também cantava, e é aqui que o prazer em ouvir a compositora entoar suas próprias canções fala alto. É muito comum ouvirmos comparações descabidas entre as versões de um compositor para sua música, com as versões produzidas por interpretes de renome. O que de resto é uma bobagem, pois são registros produzidos de modo diferente, com intenções estéticas distintas. 

Enquanto ao interprete cabe a busca pela colocação de sua voz de um modo que a autoria passe-nos despercebida dentro de um conjunto de canções que na arrumação do disco e do show, serão sua obra, seu repertório. O compositor busca uma unidade estética na sua produção, onde o compor é aqui a outra metade do cantar, algo que no caso de Sueli Costa, se dá por métodos tão bonitos quanto eficientes e próprios. 

No disco a artista se apresenta como uma verdadeira cantora e compositora, e é acompanhada de um time de feras, o que de melhor nossa música poderia oferecer àquela altura. A começar pela Cecília Meireles que é sua !parceira” na canção de abertura do disco: “Retratos”. Poema musicado com muita beleza pela Sueli e cantado com a sua voz doce de tons melancólicos. Retratos é uma excelente introdução a esse concentrado da obra e dos temas caros a Sueli Costa, que é o seu disco de estreia.

O tema do feminino é algo bastante singular dentro das composições da Sueli Costa e seu disco de estreia traz um apanhado de grandes canções que no conjunto da obra aqui,  ganha um sentido de unidade que o recorte das mesmas canções em outras obras, não consegue dar.

Na composição “Dentro de Mim Mora Um Anjo” em parceria com o poeta Cacaso (Antônio Carlos de Brito) um grande nome da nossa poesia, que também precisa ser redescoberto pelas novas gerações, temos uma das composições mais bonitas do disco. Com um arranjo voltado a bossa nova, autoria do grande Wagner Tiso, Sueli canta sobre um duplo de si mesma, as duas faces de um feminino contido.

Presente nessa música, temos uma flauta que a falta de informação não nos permitiu saber se se trata do Mauro Senise, do Lenir Siqueira ou do Raul Mascarenhas, pois os três participaram das gravações, no entanto, a ficha técnica não discrimina em quais faixas. 

O disco contém 10 músicas e os belos arranjos para uma orquestra de primeira, ficaram por conta do grande Paulo Moura (Encouraçado e Demoníaca) e pelo Wagner Tiso que trouxe junto a banda da qual fazia parte na época: Som Imaginário. Toninho Horta (guitarra), Novelli (baixo elétrico) e Paulinho Braga (bateria), formava junto ao Wagner o Som Imaginário na época e combinados a orquestra ajudam na maestria da obra. Em sua fase mais jazzística, menos psicodélica então, essa combinação trouxe resultados musicais impares. Informação periférica, mas curiosa e interessante, é que o Wagner que assumiu aqui a maioria dos arranjos é aluno de orquestração do Paulo Moura. Caminhos da vida, caminhas da arte.

É na dobradinha arranjada pelo mestre Paulo Moura que temos dois grandes momentos do disco, Encouraçado e Demoníaca. Composição de veia rebelde e inconformista, tergiversando temas importantes da politica global da época entre os versos, pra fugir a censura, é uma das marcas de Encouraçado (com Tite de Lemos). Uma das canções onde o arranjo se faz mais econômico para a orquestra, colocando assim o Som imaginário em primeiro plano, e onde a guitarra de Toninho Horta brilha com excelência.  

A arte de Sueli Costa brilha em seu disco de estreia de um modo único, Demoníaca(com Vitor Martins) que um ano antes tinha sido um enorme sucesso no show Cena Muda (1974) da baiana Maria Bethânia, ganha uma nova roupagem. Num “bluesinho” maneiro, executados por vocês já se ligaram quem, a voz suave de Sueli vai entoando de modo calmo, contido, claro, sem os arroubos vocais das grandes interpretes. O que nos traz uma outra perspectiva, diante de uma letra tão pesadamente subversiva, a tranquilidade da interpretação de Sueli é inquietante e certeira.

Talvez o arranjo mais bonito e complexo do disco, obra do maestro Wagner Tiso, Aldebarã (com Tite de Lemos) é uma música onde a poesia alcança imagens marcantes. no fazer um personagem, tão pleno de elementos tão distintos. Monstro marinho, ser vegetal, corpo celeste, desterrado e guia, uma mulher se faz presente como alvo de uma busca amorosa sem inicio nem fim.

Coração Ateu é certamente uma das músicas que tocam até hoje em diversos círculos, mas pelos motivos acima expostos não se rememora a autora. A música é um dos, senão o maior sucesso da compositora, que aqui fez letra e música. Noturno Nº 0, é a sétima faixa do disco, que a essa altura não demonstra nenhum sinal de cansaço. outra parceria de Sueli com Tite de Lemos, única música onde o eu-lírico é definidamente um homem, ainda assim, fala-nos de amor, de cuidado, de busca. 

Em Poeira e Solidão, outra faixa onde música e letra são da Sueli, o arranjo orquestral brilha e abrilhanta a canção, com uma linda abertura onde sopros e a guitarra de Horta vão criando um clima pesado, que coaduna perfeitamente com a ideia da música. A vida no período ditatorial pelo qual passava o país naquela altura, aqui muito bem transmutada numa canção, aparentemente sobre sofrimento amoroso.

“Só poeira e solidão, abraço, violão, procuro uma canção, na boca uma palavra e nada é mais nas mãos.”

O arranjo de Wagner Tiso para essa música é mais uma obra prima, sem nenhum exagero, ele que também assume o piano e o teclado na faixa. Outro estrondoso sucesso, dessa vez do grande mestre Lupicínio Rodrigues. Nunca, é executada em ritmo bossanovista, pelo violão da Sueli, e a companhia de um quarteto de violoncelos, um oboé e clarineta. Linda versão, que demonstra bem o tamanho da artista sobre a qual se está diante.

Acertadamente, depois de um disco que passa nos nossos ouvidos ao longo das músicas com uma miríade de arranjos complexos, e composições poéticas de ordem existencial e politicas, cheias de imagens e temas muito fortes, o disco termina pra cima. Uma especie de momento de intimidade, entre Sueli e seu par romântico, aqui simbolizado pela canção que recebe o acompanhamento somente da banda.

Vamos Dançar, é um chamado para a leveza dos momentos onde as relações humanas alcançam seus aspectos mais prosaicos e doces, sem peso da realidade politico-social, muitas vezes abordada ao longo do álbum.

” Essa vida da gente me faz tão contente, sou mais nosso amor”.

Sueli Costa segue ainda hoje lançando discos e tem em seu currículo diversas de suas composições, que já eram sucessos estrondosos, e seguiriam sendo após essa sua estreia em disco. Sueli Costa 1975 é um disco inteiro e de uma simplicidade elaborada que desconcerta, esteticamente bonito, musicalmente muito rico.

Filho primogênito de uma compositora que ousou também interpretar suas próprias canções, e enfrentou o desafio com maestria. Ao longo desses seus gloriosos 50 anos de carreira deixa-nos uma lição pelo menos, que é tão imortal quanto a sua música, a arte duradoura é feita de integridade e sobretudo de ousadia. Parabéns a Sueli Costa. 

Não encontramos o disco inteiro no youtube, apenas músicas soltas do mesmo, então vamos deixar abaixo Aldebarã e aqui nesse link você pode ouvir o disco completo.

 

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