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Shuggie Otis e a retomada de Live In Williamsburg

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Todos os anos temos grandes surpresas na música. Grandes discos que ninguém botava fé, shows fantásticos que você nunca pensou que veria, novas promessas surgindo, outras se firmando…

Mas é sempre a mesma coisa, você nunca se prepara para uma surpresa. O melhor de tudo é justamente esse frio na barriga, essa tensão embriagante que permeia grandes momentos, sendo que um dos meus preferidos dos anos 2000 foi o ressurgimento do brilhante Shuggie Otis.

Quando ouvi o Shuggie pela primeira vez, foi como se um raio tivesse atingido minha cabeça. Devorei tudo que ele gravou em dias, li tudo que encontrei na internet e fiquei bem decepcionado ao encarar o óbvio: sua música estava sendo esquecida e quem já ouviu algum acorde de seu blend musical pode se identificar com tamanha heresia.

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Mas quem ficou ligado no nome do americano nos últimos anos, notou que rolou uma onda forte com seus relançamentos, alimentada principalmente devido a popularidade da cena de Acid Jazz britânica dos anos 90 e das várias vezes que Shuggie Otis foi sampleado pelos arquitetos do Hip-Hop.

Parece que sua música ganhou uma atenção renovada, trazendo luz, enfim, para uma coleção de gravações com mais de 50 anos de idade, feitas por um jovem brilhante.

Shuggie era filho de Johnny Otis, renomado artista norte americano, além de ser também produtor, empresário, apresentador de programa de TV e um cidadão com raro faro para identificar talentos. Foi ele quem descobriu a Etta James, uma das maiores cantoras da história do R&B.

Shuggie começou a tocar com seu pai, já atuando como músico profissional, ao lado de nomes como Sly Stone, por exemplo, antes mesmo de completar 15 anos de idade. Para se ter um exemplo da experiência de Shuggie Otis, mesmo com pouca idade, em 1969, com apenas 15 anos, ele gravou o LP “Super Session” – sequência para o fantástico “Kooper Session“, lançado em 1968, com Stephen Stills e Mike Bloomfield – que é um dos melhores discos de Blues dos anos 60.

Também em 1969, Otis gravou os baixos da clássica “Peaches En Regalia“, um dos singles de Frank Zappa para o clássico “Hot Rats“, lançado no mesmo ano. Além desses trabalhos, Shuggie gravou também com Bo Diddley, outro gigante do Blues do Mississippi, registrando “Where It All Began” em 1972. Além desses discos, Shuggie ainda gravou trabalhos ao lado do saxofonista Preston Love e do Blueseiro Guitar Slim Green.

Após um atribulado ano de 1969, Shuggie lança o seu primeiro primeiro projeto de estúdio solo, “Here Comes Shuggie Otis“, pela Epic, selo que lançaria seus 3 marcantes LP’s durante os anos 70. Com influências que incorporam o Blues, Soul, Funk e até mesmo o Rock ‘N Roll, “Here Comes Shuggie Otis” mostra a essência do repertório do guitarrista, com ecos marcantes de Gospel. 

Em 1971 ele lança “Freedom Flight“, um disco que já se distancia de “Here Comes Shuggie Otis”, em termos de abordagem, registrando o seu maior hit, “Strawberry Letter 23“, sucesso na mão do Brother’s Johnson, grupo produzido por nada mais nada menos que Quincy Jones

Apesar da qualidade musical e inovador trabalho com arranjos e produção, os 2 discos causaram pouquíssimo impacto no mercado, um detalhe peculiar, se você considerar que músicas como “Sweet Thang” foram sampleadas pelo Criolo, por exemplo – virou a base para “Demorô” – além de ser trilha carimbada nas maiores produções de Hollywood, como aconteceu em 2013, por exemplo, quando a mesma música foi escolhida para o filme “O Clube de Compras Dallas“.

Entre 1971 e 1974, Shuggie demorou 3 anos para finalizar sua obra prima, “Inspiration Information“, lançado em outubro de 1974. Nessa gravação, Shuggie toca guitarra, baixo, guitarra, órgão, bateria, vibrafone, percussão, além de fazer os vocais principais e a bateria eletrônica. Ele tocou todos os instrumentos, menos as cordas e os metais. Ele tinha 21 anos.

Esse disco possui uma característica indelével que é a capacidade de soar atual, tamanho o frescor e o pioneirismo de sua produção. Mesmo que você escute ele agora, dá pra perceber como essa sonoridade parece um elo perdido com o Prince no Metaverso. As faixas foram cirurgicamente montadas, todas contendo entre 3 e 4 minutos de duração, pra tocar no rádio sem parar, e além disso, o LP é recheado de composições autorais e inéditas.

Infelizmente, o lançamento não fez o devido sucesso e posteriormente, reza a lenda que Shuggie recusou trabalhos que provavelmente catapultariam sua carreira. Além de dispensar a produção de Quincy Jones (para este que seria o seu quarto disco), ele também teria recusado um convite de tocar nos Rolling Stones, depois que o tecladista Billy Preston fez a ponte. Como resultado, a Epic Records anulou seu contrato.

Depois de 3 discos antológicos, a frustração por não ter alcançado o estrelato parece ter abalado o artista. Como resultado, Otis continuou trabalhando com música, atuando como músico de estúdio, longe dos holofotes.   

O retorno de Shuggie Otis – Inspiration Information/Wings Of Love

Tudo começou em 2011 quando Otis resolveu voltar a fazer tours. Dois anos depois – Já em 2013 – o multi instrumentista concretizou sua volta com o ótimo lançamento da caixinha dupla ”Inspiration Information/Wings Of Love”, que além de ter sido um dos melhores lançamentos daquele ano.

Lançado em parceria com a Sony, a edição especial ainda continha o antológico ”Inspiration Information”, na íntegra, e outro disco só com faixas não lançadas, temas que muito provavelmente seriam incluídos no seu quarto trabalho de estúdio, registro que nunca existiu.

Esse disco de ”sobras” (como foi definido pelo próprio Shuggie), é muito mais do que isso, ele nega terminantemente, mas é bem provável que se não era um disco pronto para ser lançado (talvez até o que nunca viu a luz do dia), era quase isso. Nota-se uma uniformidade realmente impressionante e garanto que quem comprou esse exemplar apreciou o som como se fosse o tão esperado quarto lançamento de estúdio de fato.

Depois de muito anos recluso, os shows dessa nova turê foram noticiados pela crítica, a tour foi saiu da Califórnia, rompeu a barreira do EUA, chegando até a Irlanda, e foi aí os rumores começaram.

Shuggie Otis – Live in Williamsburg

Estaria Shuggie Otis, na época com 61 anos (hoje 68), mais de 40 anos depois, ensaiando uma volta? A resposta não poderia ser melhor: Sim, ele voltou! E em 2014 o americano lançou seu primeiro disco ao vivo e, de quebra, seu primeiro DVD!

Para resumir: Shuggie Otis – ”Live In Williamsburg”, lançado no dia 14 de outubro de 2014, via Cleopatra Records.

Line Up:
Shuggie Otis (guitarra/vocal)
Eric Otis (guitarra)
Nick Otis (bateria)
Larry Douglas (trompete)
James Manning (baixo)
Albert Wing (saxofone)
Michael Turre (saxofone/flauta)
Russ ”Swang” Stewart (teclado)

Track List:
”Inspiration Information”
”Tryin’ To Get Closer To You”
”Aht Uh Mi Head”
”Island Letter”
”Me And My Woman”
”Sparkle City/Miss Pretty”
”Sweetest Thang”
”Picture Of Love”
”Wings Of Love”
”Doin’ What’s Right”
”Shuggie’s Boogie”
”Ice Cold Daydream”
”Strawberry Letter 23”

 

Para quem já conhece o trabalho de Shuggie Otis, esse lançamento cria uma espécie de conexão com os discos de estúdio dos anos 70. Parece que mesmo em 2014, o norte americano está dando sequência exatamente do ponto onde parou, lá atrás, no longínquo ano de 1974.

Essa é sem dúvidas, outra prova de como seu Soul funkeado é completamente atemporal. E começando a firmar a base desde a banda de apoio, Shuggie mostra que o sobrenome ”Otis” possui muita história dentro da música.

Live In Williamsburg” conta com o filho do mestre, Eric Otis, na guitarra e o irmão, Nick Otis, nas baquetas. É neste clima familiar que o som se desenvolve. O set list não poderia estar mais completo, a banda toca cada detalhe com qualidade de estúdio, entregando uma performance com mais de uma hora e meia de duração, numa noite memorável.

Dia 19 de abril de 2013 no Brooklyn Music Hall… Foi este o CEP deste lançamento. Rolou Oito minutos de ”Sparkle City/Miss Pretty”, quase doze com ”Sweet Thang”, dez com ”Wings Of Love”, outros vários com ”Shuggie’s Boogie” e quase vinte com um dos maiores clássicos da música Pop, a radiofônica “Strawberry Letter 23”, que deve render royalties até hoje!

Esqueça as linhas de guitarra que você conhece e se concentre nas camadas, no tear de texturas e no feeling retumbante que esse cidadão possui. Aqui ele parece plenamente livre de pressões externas e pronto para finalmente quebrar o tabú dos estúdios.

 

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