Servo, entre a arte suave e o fim do Hiato entre a Necessidade e o Ego – Entrevista!

Diretamente da Baixada Fluminense, batemos um papo com o MC Servo que se destacou no cenário em 2024 no Rap Nacional

Servo
Servo, um dos grandes nomes de renovação do cenário no Rap Nacional

Aproximar-se da arte do MC Servo é perceber o quanto a cultura Hip-Hop tem a ofertar a juventude negra e de que modo esta mesma juventude tem a nos devolver e nos impulsionar como povo. No ano passado, com os lançamentos do EP “Enterro dos Ossos”, com sua participação no projeto nacionalmente reconhecido “Maria Esmeralda” e seu disco de estreia “Hiato entre a Necessidade e o Ego”, Servo viu sua arte começar um público de modo sólido. 

O selo “interestadual” Sujoground, nascido pelas mãos de Matheus Coringa, que vê o rap nacional para além do binômio Rio x SP, foi a casa que o acolheu e impulsionou seu trabalho. Dono de uma lírica que tem seus sólidos alicerces na cultura Hip-Hop, homem preto, pai e filho apegado a sua mãe, Servo com a “collab” do produtor mineiro Chiarelli, impressionou quem teve ouvidos para perceber a força estética de “Hiato entre a Necessidade e o Ego”. 

Algo que já podia ser facilmente percebido no EP “Enterro dos Ossos”, onde Servo já trazia linhas muito impactantes, seja sobre saúde mental, sobre política e sobre a nossa conjuntura racial e social. Suas artes de colagens – sim, Servo é também artista plástico – são outra forma de expressão que traz uma identidade muito forte e amplia bastante o seu alcance, haja vista que singles, EPs e álbuns trazem essa sua vertente como capa. 

Faixa preta e professor de Judô, apesar de toda contundência sua arte parece retirar desse “Caminho Suave” sua entrega em termos de flow, onde não se vê até então, o MC levantar a voz para transmitir toda a violência e assertividade presente em seus versos. É através desses três caminhos, o rap, a colagem e o judô que podemos ter uma boa linha de interpretação e entendimento do surgimento desse artista, pelo menos agora nesse período inicial. 

Nesta conversa, que tivemos com Servo no finalzinho do ano passado isso parece-nos ficar evidente, e sendo assim convidamos você leitor a acompanhar esse bate papo.   

Oganpazan – Meu mano, primeiro de tudo te parabenizar por esse excelente disco de estreia, e já começar lhe perguntando como você ganhou esse vulgo? 

Servo – Gratidão meu mano por ouvir o trampo, e pela cirúrgica análise que fez sobre o trabalho, você me fez enxergar meu próprio disco através de outro prisma. Então.. Eu me recordo que por volta de 2015 eu tinha entrado pra igreja e coloquei meu nome do facebook de Ualace Servo, logo depois que saí da igreja e comecei a botar a cara rimando eu nem pensei em outro vulgo a não ser Servo. Embora tenha muita gente que pronuncia Cervo .

Vou aproveitar a deixa pra falar, meu vulgo é Sssservoooo!

Oganpazan – Servo, você me falou que você rimava já há algum tempo, como começou a sua carreira na música? Quais os sons que você curtia antes e por que mudou?

Servo – Minha caminhada na música começou por causa de um falecido mano meu chamado Pikachu, (eu até menciono ele no álbum), era loucura o quanto que aquele menó rimava, eu ficava batendo palma no ritmo de funk pra ele rimar, daí de tanto ver ele rimando eu comecei a fazer as minhas primeiras rima de funk consciente mas eu tinha vergonha de mostrar pra ele, uma parceira cria comigo chamada Hanyelle ouvia todas as letras que eu fazia e achava foda e esse bagulho me motivava a escrever mais e mais, um dia eu resolvi mostrar uma letra pro Pikachu que fiz pra um mano nosso que morreu chamado  Cassin (tbm mencionado no álbum) e ele chorou quando ouviu.

Eu queria muito que o Pikachu tivesse vivo pra cantar comigo em um palco, puta que pariu que ódio kk. Enfim… por volta de 2013 eu tinha vários funk escrito mas desde menozin era apaixonado por rap, papo reto eu consumi muito rap na minha infância e adolescência, daí eu pensei porra, eu sou apaixonado por rap e tô cantando funk? Num fode vou tentar fazer um rap. Daí eu fiz minha primeira letra de rap, “Judas Beijoqueiro”, após ouvir Leonardo Irian dizer a seguinte frase: “mata os irmão e vai no caixão pra ver se tá bem firme os prego” em “Viva por Mim”, no álbum Sem Cortesia do Sintese.

Oganpazan – Seus primeiros sons são de 2021 e depois somente em 2024 – nos streamings – é que você soltou uma carrada de singles, o EP e o seu disco de estreia, porque?

Servo – Como eu disse antes, eu já escrevia há algum tempo mas foi na pandemia que eu comecei a botar a cara rimando no insta ainda meio inseguro no finalzin de 2019, daí um mano relíquia do rap aqui da baixada chamado Dmaua me deu um salve falando pra eu acreditar que minha parada era boa, logo em seguida eu conheci o Cravinhos que tbm me incentivou fizemos um trabalho a distância juntos ele no violão e eu rimando e fui botando a cara e comecei a atrair uma galera.

Daí em 2020 já tinha uma tropa me acompanhando e nem passava pela minha cabeça de gravar nada um dia, nem dinheiro eu tinha, foi quando eu ganhei o primeiro Beat de um mano chamado Evandro, em 2021 eu gravei “Abatido mas não destruído”, com clipe gravado pelo Sandrone que é um vizinho que me viu crescer.

Nesse intervalo de lançamento de 21 a 24 eu fiquei fazendo muita música, pegando Beat do YouTube gravando a voz no badlab e soltando no soundcloud e YouTube, eu não tinha dinheiro pra comprar Beat muito menos pra ir em estúdio, daí eu fiz meu nome no insta postando prévias “que nunca ia sair” kk e no soundcloud eu postava as músicas numa qualidade horrível mas com ideias boas.

O soundcloud é uma mina de ouro, foi lá que eu fiz meu nome, várias conexões essenciais que me fizeram perceber que eu não era um estranho por falar das coisas que falava nas minhas track. Então, eu cheguei num momento que eu já não pagava mais por instrumentais, eu comecei a colar em estúdio pra gravar sem pagar, a chamada collab, e todos esses trampos que eu soltei um atrás do outro em 2024 eram coisas guardadas que eu precisava subir urgente pra ficar de alicerce porque já estavam ganhando forma os outros trampo grande tlgd.

Servo nas luxuosas acomodações do estúdio Sujoground

Oganpazan – Você abriu o ano de 2024 lançando o EP “Enterro dos Ossos”, né? Conta pra nois o contexto desse lançamento, quem produziu e onde você gravou, de onde você tirou a ideia.

Servo – Mano o “Enterro dos ossos” eu soltei em 2023 no YouTube com vídeo meu cantando as faixas e tudo mais, foi um dos bagulho que começou a movimentar um pouco mais meu nome na cena. Inclusive foi pelo trabalho do “Enterro dos Ossos” que surgiu o meu convite para o “Maria Esmeralda”. Eu gravei o “Enterro dos Ossos” na casa do Cravinhos daí ele postou um story de nós gravando uma das faixas e aí foi quando os muleque me convidaram pro disco. 

O “Enterro dos Ossos ” eram versos que eu escrevi pra feats que não foram pra frente e ficou empoeirado, por isso eu denominei o trampo assim, no Rio as sobras de festas que ficam para o outro dia é chamado de enterro dos ossos. Todos os Beats eu peguei do YouTube de um produtor gringo chamado ghostew, a maioria das minhas composições provinha do canal do YouTube desse produtor.

-Leia as entrevistas, resenhas e artigos publicados no site sobre o projeto Maria Esmeralda

A intenção era jogar no YouTube e soundcloud mesmo, só que em 2024 eu tive a ideia de tentar arriscar subir ela pra ver se passava, e aí deu bom kkk, foda-se, os gringo roubam quase tudo da música brasileira tbm kk.

-Leia no site a resenha nós publicamos durante o lançamento do disco “Hiato entre a Necessidade e o Ego”

Oganpazan – De onde surgiu e como você construiu “Hiato entre a Necessidade e o Ego” e qual a importância do selo Sujoground nesse lançamento e neste momento da sua carreira?

Servo – O Hiato não nasceu de uma forma pensada como a maioria imagina, foi um acidente de percurso, eu já tinha escrito a track “Hiato entre a necessidade e o ego” em 2023 em um Beat do Youtube, e quando eu recebi o convite da sujo eu estava vivendo uma fase horrível, introspectiva e financeira tá ligado? 

E no momento do convite eu percebi que eu entrei automaticamente em um Hiato entre aproveitar a oportunidade e fazer um trampo que agradasse os ouvintes e automaticamente trouxesse os olhares para mim ou escrever sobre minha fase atual e as coisas do passado que me aflige, eu escolhi a segunda opção como vocês puderam ver.

Até então seria uma mixtape, o Chiarelli foi mandando instrumentais enquanto eu ia escrevendo cada track eu percebia que cada uma delas eram ponte para a outra, daí rimei a track que eu tinha escrito em 2023 em dos instrumentais do Chiarelli e na parte que eu falo: “é fato que isso é só um Hiato entre a necessidade e o ego”, eu parei pensei, e cantei todas músicas que já tinha escrito pro trampo, e vi que eu estava falando de coisas que eu não tinha, de coisas que eu perdi e de coisas que eu queria ter.

Mas eu tinha em vista que o caminho mais provável pra conquistar as coisas com o rap é você reverenciar aquilo que alimenta o ego, e eu fiquei por horas remoendo isso, eu tinha uma necessidade bizarra de me expressar da forma que eu me sinto bem, e uma necessidade mais bizarra ainda que era alimentar meu ego e talvez me sentir alguém financeiramente bem pelo menos uma vez na vida. Então, eu mandei pro Chiarelli uma mensagem falando mano vamo fazer um álbum , o nome vai ser “Hiato entre a necessidade e o ego” 

Servo & Lessa Gustavo

Mano a “Sujo” é minha casa, é onde que consigo me sentir alguém tá ligado? E eu nem tô falando ainda do lado profissional tô falando sobre pessoas que integram o coletivo, todo mundo tem um carinho enorme por mim e todos torcem por mim, aliás todos torcem por todos naquela porra! A Sujo foi um divisor de águas na minha humilde carreira, eu tenho todo suporte que eu preciso pra gravar, pra mixar, diversas opções de instrumentais, áudio visual e etc. Todo suporte dado ao “Hiato” e o carinho que deram para o trabalho antes, durante e depois do lançamento me fez entender que eu estava no lugar certo.

Eu só tive o trabalho de escrever e gravar, inclusive vale lembrar que o “Hiato” foi gravado no Estúdio da Sujoground das 21:00Pm as 01:30Am. O restante ficou na conta do Matheus Antunes com mix e master, Lucas Gonçalves com o design da capa que partiu de uma arte que fiz com uma foto minha e do meu filho, a distribuição ficou na conta do Matheus Coringa, que fez tudo certinho, nas divisões dos royalties entre todos os envolvidos inclusive os feats.

-Leia no site as matérias publicadas sobre o CEO da Sujoground Matheus Coringa 

Vale a pena ressaltar isso: “Srs.Artistas você precisa disponibilizar uma parte dos royalties pras pessoas que vocês convidam para o trampo de vocês, enquanto vocês não se conscientizarem e tratarem tudo como colegagem  ninguém vai prosperar, rap é trabalho e o termo collab tem que ser algo recíproco”.

Oganpazan – Em alguma das suas linhas você nos conta de quando você estava no “movimento”, mas nas suas faixas não vemos nenhum tipo de descrição sobre a vida no tráfico, além das perdas, explique isso por favor. 

Servo – Meu envolvimento com o tráfico foi um pequeno episódio irrelevante na minha vida, nem minha coroa tem a ciência que eu já me envolvi, a única pessoa que acompanhou mesmo esse trecho foi a mãe do meu filho que estava grávida na época e a gente se falava sempre por ligação o restante das pessoas só deduzia mesmo, pois eu não estava morando no meu bairro. 

Eu não falo isso nas track porque não me orgulho disso, hoje eu dou aula de judô em um projeto social em uma favela e por esses dias trocando ideia numa roda de amigos no morro, quando chegou um dos gerente da boca e automaticamente foi introduzido na conversa e ele falou assim “tem é tempo que eu não sei o que é fechar o olho e dormir, eu queria largar isso tudo mas a responsabilidade é grande.” e ainda brincou com um amigo que trabalha na obra: “tem uma vaga lá pra mim não kk”

Enfim, já tem gente de mais no “Rap” falando que é sem ser, se orgulhando de falar que é bandido, mentindo e incentivando a juventude que taí ainda com o psicológico em formação sujeito a tudo de ruim que o crime tem pra oferecer.

Servo
A capa do disco Hiato entre a Necessidade e o Ego

Oganpazan – Como você tem percebido a reação do público com relação ao seu disco de estreia? 

Servo – Porra Danilo, vou te falar, eu fiquei assustado, eu sabia que as pessoas estavam esperando pelo trampo mas eu não imaginava que seria de uma forma tão intensa, eu fiz uma movimentação intensa antes do lançamento do álbum nos stories, isso quando eu ainda tava terminando de escrever as track.

Todo dia eu postava o nome do álbum com uma foto aleatória do dia a dia, e isso meio que começou a mexer com a cabeça das pessoas, eu comecei a receber mensagens do público falando sobre aquela frase, a maioria das mensagens eram pessoas falando que pensou nessa frase em um momento de desânimo no trabalho, o público mandava mensagem falando que essa frase era exatamente o período em que eles estavam, teve gente que falou que descobriu o que era um Hiato devido a minha frase.

Teve um episódio que eu tava em um evento de rap e tinha um mano me olhando muito tá ligado? Daí ele veio falar comigo e não lembrou meu nome aí ele disse: “mano tu que vai soltar aquele “Hiato entre a necessidade e o ego né ? ” Kkkkkkkk

Então, eu já tinha ciência que as pessoas queriam ouvir, mas quando lançamos o álbum, eu e Chiarelli até comentamos que tava impossível mexer no celular aquele dia. E veio as semanas, os meses e o Hiato continuo girando, eu recebi muitos salves foda, os cria da minha área ouvindo o trampo, as marcações em publicação, as mídias culturais assim como a Oganpazan, porra o trabalho que todos vocês fazem contribui para um caralho na disseminação do nosso trampo. 

Logo depois vê meu trabalho e do Chiarelli em várias lista, vários artistas que eu ouvia quando era mais novo dando um salve parabenizando, mano bizarro, a ficha veio cair agora esse ano tá ligado, é tudo muito novo pra mim, pela primeira vez na vida eu consegui me sentir alguém, eu senti o gosto da dignidade com o lançamento do Hiato. Eu agradeço muito ao público que acompanha.

Uma das obras de colagem do Servo aka @sobreo_vazio

Oganpazan – Você também possui uma relação muito forte com as artes plásticas, tem produzido capas para singles e tals, como nasceu essa relação e qual a importância dela para o seu processo criativo musical, existe essa relação?

Servo – Sim eu faço colagem, meu contato com a arte visual se deu depois de eu passar por um cirurgia de apendicite em Dezembro de 2022. Eu iniciei o ano de 2023 de cama devido a cirurgia e tive a ideia de arriscar comprar umas revistas pra tentar fazer colagem e assim passar o tempo. 

E iniciei o processo experimental, exercitando todo dia e fui aprendendo sozinho e em pouco tempo eu já adquiri uma experiência na arte de colar. Hoje, sou colagista no @sobreo_vazio e um dos designers da @sujoground, fazendo capas para singles, eps e álbuns. Tbm tô dando início a uma marca de roupa que as estampas irão nascer das minhas artes.

A colagem não influencia muito no meu processo criativo musical, ambos tem a mesma forma de  ganhar vida, a música eu preciso das palavras para encaixar nos lugares certos, a colagem eu preciso das imagens para encaixar nos lugares certos, embora sejam composições diferentes tem o mesmo sentido. Mas confesso que eu tenho um carinho a mais pela arte de colar.

Oganpazan – Servo você é instrutor de judô né? Como você concilia a “arte suave” com os ímpetos criativos digamos mais agressivos? 

Servo – Sim, eu sou faixa preta de judô, ministro aula em um projeto social chamado “Recriando Raízes” no Complexo da Pedreira, é um pouco complicado conciliar judô, rap, colagem e vida pessoal, é quase impossível isso tudo mas a gente sempre dá um jeito, a disciplina que o judô traz sempre acalma no momento de desespero .. kkkk

Oganpazan – O contexto que a Baixada Fluminense nos transmite, para quem está de longe é de um cenário do rap underground muito rico, como esse contexto te formou, como são os espaços de apresentação e constância de shows por aí?

Servo – Mano, minha relação com a Baixada Fluminense segue sendo a seguinte, ela finge que não me vê e eu fingo que não vejo ela tá ligado? Eu represento a Bxd como cidade e não com Cena de Rap. De fato é um cenário rico porque a maioria das pessoas aqui vem de realidades difíceis.

Eu tenho meus aliados na Bxd que dá pra contar no dedo, mas falar sobre a cena da Bxd pra mim é meio irrelevante pois, repito, ela finge que não me vê e eu sou recíproco. Eu digo isso sobre o lado musical.

Oganpazan – Já estamos encerrando o ano, como você vê o saldo de 2024 na sua carreira artística e o que você está projetando para 2025? 

Servo – Eu tô extremamente satisfeito com o resultado de 2024, eu não esperava que fosse assim, 2025 será um ano de muito trabalho muito trabalho mesmo, não podemos parar e eu não digo isso sobre mim, isso é pra todo artista que acredita na poesia como forma de mudar a realidade alheia e a sua própria .

Precisamos recuperar o real sentido desse movimento e precisamos ganhar dinheiro também com nossa arte. Eu resumo 2025 como um ano de labuta. Eu tô com bastantes trabalhos grandes para soltar em 2025. O próximo se chama “São Dimas” que é uma produção do Pantano .

Oganpazan – Por fim, meu velho, se não perguntamos alguma coisa, sinta-se à vontade para falar, mandar salves, este espaço é só seu!

Servo – Eu quero mandar um salve pra todo mundo que me desprezou nessa vida, vejam só o monstro que vocês criaram.

-Servo, entre a arte suave e o fim do Hiato entre a Necessidade e o Ego – Entrevista!

Por Danilo Cruz 

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