Show resgatado do fim da década de 90 mostra o encontro histórico entre o guitarrista John Scofield e a formação original do Gov’t Mule.
Sabe quando você joga um sal de fruta no copo com água e o líquido insosso começa a levantar voo em plena convulsão balsâmica?
Esse é o orgasmo da ebulição aquática, quando essa mágica reação química da onomatopeia do Estomazil começa a chiar… Esse chorinho efervescente é o ponto alto da viagem dos antiácidos, ele neutraliza o antígeno que entrou de penetra no seu estômago e deixa tudo smoothie Jazz, eliminando a queimação.
Vejam esta analogia como uma banda de Rock ‘N’ Roll (no sentido mais amplo da palavra), que ao ser representada pelo copo e seu respectivo conteúdo (água), se mistura ao conteúdo da cápsula boticária para suspender a quizomba estomacal. Esse encontro é claramente representado pela reação química das bolhas.
Colocando em miúdos, veja o copo de água do como o som do grupo norte americano Gov’t Mule, por exemplo. O vidro era acostumado ao caldeirão de Southern-Rock-Blues-Funk, mas quando o groove do grupo entrou em contato com a cápsula de Jazz ”John Scofield”, o copo de requeijão começou a entrar em erupção e desenvolveu todo seu potencial, dropando sem lash até vazar pelas beiradas.
”Gov’t Mule Featuring John Scofield – Sco-Mule”
”Gov’t Mule Featuring John Scofield – Sco-Mule”, é um dos melhores lançamentos da carreira do grupo! São mais de 2 horas e 30 minutos de puro suco instrumental. Com um conteúdo que diálogo com diversas arestas da música negra norte americana e se aproveita da grande capacidade de improvisação de John Scofield – e seu inexorável swing – o combo propõem ideas que superam a barreira dos 20 minutos como se o tempo fosse apenas um detalhe.
A música oferece tantos caminhos para o grupo interagir que apenas uma analogia entregue a luxúria como esta – do sal de frutas – para tentar tangibilizar o nível de alquimia dessa gravação. É impressionante como ambos são influenciados mutuamente. O Gov’t Mule muda um pouco o jeito de tocar e o Scofield se mostrou extremamente confortável para improvisar e trazer sua guitarra para um contexto que ele conhece muito, em função de sua larga vivência no Jazz-Funk.
Line Up:
Warren Haynes (guitarra)
Matt Abts (bateria)
Allen Woody (baixo)
Dr. Dran Matazzo (teclado)
John Scofield (guitarra)
Track List CD1:
”Hottentot”
”Torn Thumb”
”Doing It To Death”
”Birth Of The Mule”
”Sco-Mule”
”Kind Of Bird”
Track List CD2:
”Pass The Peas”
”Devil Likes It Slow”
”Hottentot” – alternative version
”Kind Of Bird” – alternative version
”Afro Blues”
Allen Woody, Gov’t Mule e John Scofield
Gravado em 1999 o extravagante Jazz desse disco só foi liberado no dia 27 de janeiro de 2015. O motivo é deveras triste, pois cerca de seis meses depois desses memoráveis concertos (em agosto de 2000), o baixista, Allen Woody faleceu, vítima de uma overdose de heroína.
Baixista de estilo marcante, Woody também tocou com o Allman Brothers entre 1989 e 1997, quando ele, junto com o guitarrista Warren Haynes e o baterista Matt Abts decidiram apostar as fichas no Gov’t Mule em período integral. Com o Gov’t Mule, o baixista lançou 3 discos de estúdio, o auto intitulado de 1995, “Dose” em 1998 e “Life Before Insanity”, lançado em 2000.
Como a ferida era recente, esse projeto foi arquivada, só que os relatos lúdicos sobre essas duas noites (uma em Atlanta e outra na Georgia), ganharam tamanha força com o passar dos anos, que além da banda fechar 30 datas com Scofield para uma turnê inédita, resolveram também lançar essa gravação, justamente para coroar os 20 anos de aniversário da banda.
Tirando a performance para variar sensacional de John Scofield, o que mais me impressionou foi a performance de Allen Woody no baixo e o acompanhamento minimalista de Matt Abts, ambos músicos fantásticos, mas que aqui ainda conseguiram elevar o padrão e promover acompanhamentos suntuosos para as ideias bastante complexas de Scofield, como se fossem verdadeiros habituês neste universo particular do Jazz, que é o quintal do guitarrista.
Embarque no bonde de Warren Haynes (guitarra, vocalista e líder do grupo), com o groove irresistível de ”Hottentot”, um dos originais do disco, composto por Scoefield para o disco “A Go Go”, lançado em 1997, primeiro projeto do guitarrista ao lado do Medeski, Martin & Wood. Sinta a marcante tecladeira do ex membro do Aquarium Rescue Unit, Dr. Dran Matazzo, na cama de notas que abre espaço para o fraseado acachapante do Soul de Scofield, durante esses 11 minutos iniciais. Preste atenção nas viradas do Matt Abts. O cidadão é diferenciado.
Na faixa seguinte, uma versão de “Torn Thumb”, tema de Wayne Shorter, gravado no “Schizophrenia”, um dos grande LP’s solo do saxofonista, gravado em 1967 e lançado em 1969. O baixo gorduroso de Woody e acompanhamento de Matt Abts novamente mostram a importância da sustentação do groove na sessão rítmica. Um dos diversos temas que Wayne compôs com perfeição – digno de cantarolar por horas – é tocado em loop com devidas pausas para os solistas jogarem um molho digno de deixar o pescocinho do groove lesionado.
Você conhece a famigerada bass face? Sabe quando o baixista está mandando aquele groove digno de empenar o seu cerebelo e começa a fazer expressões até difíceis de descrever? O ouvinte também faz uma espécie de bass face. Caso você nunca tenha percebido, espere até “Doing It To Death” chegar nos falantes. Quase como um derrame facial, parece até que um helicóptero pousou na sua cara.
Faixa épica do James Brown & The JB’s, gravada no terceiro disco de mesmo nome – lançado em 1973 – durante seus mais de 12 minutos de diálogo, é bem plausível que sua face comece a derreter e a tendência é piorar. Logo na tangente aparece “Birh Of The Mule”, um dos hinos do cancioneiro do Gov’t Mule, fruto do segundo disco de estúdio da banda, o excelente “Dose”, lançado em 1998. Depois do play, são mais 15 minutos de novas negociações.
Em “Sco-Mule” e “Kind Of Bird” o Gov’t Mule toca o repertório mais Jazz de sua existência, enquanto as guitarras de Warren Haynes e John Scofield se conversam muito bem.
Pra abrir o segundo disco mais J.B’s, dessa vez com a verão de “Pass The Peas”, popular no saxofofunk do icônico Maceo Parker, mas é com “Devils Like It Slow” e a versão de 23 minutos de “Afro Blue” que a casa cai. Nessa faixa fica nítido como John Scofield se sente confortável nesse formato, ainda mais em função das trocas com as teclas.
Como se não bastasse o disco vem também com duas jams alternativas para “Hottentot” e “Kind Of Bird”. Esse registro deixa claro como o Gov’t Mule é espontâneo e como o grande conhecimento que o grupo possui, sobretudo sobre o Blues, Rock e Funk, permitiu que eles criassem um instrumental sólido, se aventurando numa nova proposta ao lado de um cidadão que está literalmente careca de tanto fazer isso.
Depois do fim do disco é impressionante perceber que toda essas ricas propostas foram tocadas por 5 músicos. ”Sco-Mule” relembra o talento do Woody e mostra um grupo tão eloquente quanto uma passagem de som do Grateful Dead… Tão chapado quanto a analogia de um estomazil com Jazz-Funk.