Scank, Delarua e agora quem será a próxima vítima? Carta aberta ao hip hop baiano! Um momento delicado em nossos espaços e nas ruas, relfitam!
O ano de 2020 é um ano catastrófico sob toda e quaisquer perspectivas de análise que empreendamos, e em qualquer das três esferas de administração: seja ela legislativa, executiva ou judiciária. Sob um governo abertamente fascista em escala federal e estadual, e sob o julgo neoliberal populista de um reizinho pique Lord Faquard, no município de Salvador, a capital do estado. Talvez por isso mesmo, aqui na capital esteja o ponto focal de uma discussão que precisa ser empreendida, de uma provocação que necessita ser lançada e de uma reflexão que se torna urgente. As condições não devem variar muito da capital para o restante dos municípios que compõem o estado, assim como não estão distantes do restante dos estados e municípios que compõem a federação.
Há algumas semanas atrás acordamos com a noticia do assassinato de um dos maiores artistas do país em sua area de atuação. O grafiteiro Scank teve sua vida ceifada no exercício mais pleno de sua arte, de suas funções. Naquela confusão salutar onde vida e arte se tornam inseparraveis, e o fim trágico desse binômio é um ataque direcionado a todos os outros. Na última quinta feira, dia 13/03 foi a vez da Mc Delarua ter a sua vida tirada de modo tão trágico quanto, através de um assassinato ainda não esclarecido, próxima a importante Batalha do Trem Bala que acontece na avenida Bonocô, na capital.
São duas vidas, e até onde nós conseguimos lembrar, a nossa cultura valoriza vidas negras e periféricas. Busca a expansão dessas mesmas vidas e luta por uma outra construção social e política. Alcançamos um estágio cultural onde conseguimos elevar nossa agressividade ao status de arte. Desde lá dos EUA até aqui nas nossas periferias essa construção nos valeu para conseguir denunciar abusos, colocar nossa fúria pra fora sem matar ninguém e ao mesmo tempo reivindicar outra vida.
Ora, somos constantemente assaltados por notícias de perdas que são todas irreparáveis, sabemos o quanto o sistema em que vivemos está todo estruturado para o genocídio negro e a exponencial violência dentro de nossas periferias. Porém, de nossa parte gostaríamos de propor um recorte aqui. Nos parece emergencial tomarmos as rédeas daquilo que acontece em nossos espaços mas notadamente em espaços e ações onde a cultura hip hop está presente.
A Bahia não possui hoje um movimento hip-hop organizado como outrora, com o fim das posses, houve uma atomização das produções, ficando essas iniciativas restritas a organizações coletivas locais. Existem sim, diversos coletivos, batalhas, crews, bancas, que trabalham pelo bem comum, porém de modo atomizado. Mas dentro da lógica capitalista e se apenas se encerrar nisso, esses e essas atuam numa luta de todos contra todos, pois é próprio desse mesma sistema colocar a competição no cerne dos trabalhos.
Dentro do nicho específico do rap a coisa piora, pois aqui muitos embarcaram no credo ao deus mercado, dominado pela branquitude que dita as regras e faz a cartilha de Lynch funcionar às mil maravilhas. A disputa acima de tudo, a luta por visibilidade domindando mais do que a artesania pela arte, dentro de um contexto onde a música pode ser o divisor para uma outra vida. Ao mesmo tempo, possuímos por diversos motivos no que se refere ao rap, a importação de modas e de modelos que vêm de outro contexto e que agora nos chega num flerte muito perigoso.
Que fique muito bem escurecido no Oganpazan, não fazemos nenhum tipo de censura e não temos nenhum apego nostálgico a um passado glorioso. Acreditamos que em cada época lidamos com problemas que o movimento da história nos apresenta. Porém, não é possível nesse momento fechar os olhos para a verdade máxima que todo e qualquer admirador da Cultura Hip-Hop deve ter em mente: O Hip-Hop é uma cultura que busca salvar vidas.
Pode ser pela diversão, pode ser aquisição de conhecimento, pode ser pela veia crítica que imprime em quem toma contato com a cultura. Falamos isso com o conhecimento da história do movimento, com o conhecimento dos fatos e sobretudo com uma tentativa de não partirmos para o julgamento moral das questões de violência que adentram cada vez mais o campo do Hip-Hop baiano.
Como movimento cultural, o Hip-Hop baiano necessita pensar quais os caminhos que estamos tomando, entre views, likes e o corre das notas necessário para a manutenção da vida, uma reflexão se faz imperativa. Mesmo que desconheçamos o papel da cultura, ainda assim ou estamos pervertendo-o ou estamos utilizando ela com uma grande dose de hipocrisia. Eventos de rap, grafite ou break vão ser espaços de criação de vida, ou vamos torná-los outra coisa?
O Hip-Hop baiano não será de agora por diante um espaço de morte! E assim não deixará a missão histórica que muitos empreenderam e empreendem com bastante vigor ir de ralo, Ou será o que se destinou desde o ínicio a ser? Precisamos tentar! Um espaço de cultura, arte e vida, que resgata vidas, que enriquece vidas de informações e conhecimentos, que implementa a revolta na cabeça dos favelados. Seremos os locais, os espaços que preservam a paz entre nós mesmos, ou deixaremos a violência que assola nossas comunidades e nosso cotidiano arrombar a porta e fazer morada? Construiremos a possibilidade de dialogo ou deixaremos as divergências, quaisquer que sejam se tornarem mortes?
A morte e o encarceramento dos nossos não pode ser tratado pelo mesmo prisma daqueles que estruturam nossa sociedade para nos encaminhar a esse destino. A confusão e a crise são as marcas do tempo em que vivemos, as atribulações fruto da vida cotidiana que nos é imposta, junto a uma era onde a ignorância e a falta de conhecimento, aliadas a busca pelas aparências de toda ordem formam um coquetel explosivo. E essa bomba está em nosso colo. Cabe as mentes e às práticas mais bem direcionadas tomar as rédeas desse momento, e cuidar de re-organizar eventos: conversar, ensinar e instruir.
O deus mercado, o deus capital se fazem necessários, mas não podem ser a única baliza para nossos espaços, assim como a mera performance não pode ser a única régua para medir a qualidade do artista do hip-hop. E nesse sentido um outro apelo precisa ser pensado: É nois por nois ou não é? Vamos esperar ações governamentais para que a violência que circunda a todos nós não nos chegue ou vamos estruturar um plano de contenção e prevenção desses problemas. Sabemos o quanto nós não possuímos poder para controlar problemas que são macro estruturais, mas será que somos tão impotentes que não conseguimos controlar nem o nosso micro-cosmos?
No entanto, uma certeza nos corrói e evidente nesse momento e contexto, não possuímos o poder, mas temos em nós mesmos admiradores e agentes da cultura hip hop a potência que essa cultura nos legou. Somos cria das favelas e entendemos o desenvolvimento político, social, racial e de gênero, sabemos onde que a verdade está enterrada e sob quem ela se enterra.
São inquietações que nesse momento aflingem a muitos dentre nós, são leituras de um contexto que não necessitam de estudo acadêmico para serem feitas. O momento demanda duas palavrinhas esquecidas, valorer que definem muito bem a ética ubuntu, tão pregada e muito pouco exercida: União e empatia. Os agentes do hip-hop BA possuem trabalho redobrado para tentar diminuir os danos de uma guerra que não começou agora, mas que passou a ceifar os nossos, dentro dos nossos espaços ou na atribuição de nossas atividades. Temos sem dúvida uma trincheira a defender, uma guerra pequena, uma guerra de guerrilha pra travar contra o ESTADO, não contra nós mesmos!
Muitos tombaram até aqui, mas nos últimos tempos temos esses nomes como perdas recentes.
OBZO VIVE
CIDRAK VIVE
SCANK VIVE
DELARUA VIVE
VIGIA FAMÍLIA!
-Scank, Delarua e agora quem será a próxima vítima? Carta aberta ao hip hop baiano!
Por Danilo Cruz