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Saca Só, Se Eles Não Faz… Nóz Faz completa 8 anos

Saca Só, um dos grupos que marcaram época no rap baiano, tem o seu EP de estreia Se Eles Não Faz… Nós Faz completando 8 anos!

Pequenas empresas, grandes negócios é uma expressão que pode ser tranquilamente utilizada para compreender o valor do primeiro EP do grupo Saca Só. Originais e representando a força do país Cajazeiras, um dos bairros mais importantes para o rap sotero-baiano no século XXI. O espirito das ruas e o faço você mesmo é parte fundamental desse trampo que conjugou uma pá de cara foda em um dos  grupos mais relevantes da última década da nossa cultura hip-hop. A mana local desse país, Claudionora Souza comprou o disco no busão com os caras mandando umas rimas e vendendo de mão em mão, e ama esse EP. 

O “dream team” era então formado por DJ Berlota, Gurih (Pivete Nobre) e Junk, que juntos e aliados a família UGangue produziram Se Eles Não Faz… Nóz Faz (2013), há exatamente 8 anos atrás. Marcando o rap baiano e o público que estava atento ao então boombap pesado do grupo, informado e swingueiro que os caras trouxeram. O EP de estréia do grupo apresenta nove faixas das quais pelo menos três se tornaram hinos. Em Salvador é assim, hoje terra de onde emergem hits de alguns artistas que estouraram em nível nacional, a cena foi alicerçada por hinos como “Bola de Neve”, “Mais e Mais” ou pela faixa título do EP.

“O Que Importa Mesmo É o Conceito”    

A primeira vez que ouvi o Saca Só foi através de um outro hino, no dia em que o segunda mixtape da UGangue foi prensada e o mano Peter Frampton me ofertou uma cópia. No decorrer da noite, o “boss” da UGangue me ofereceu uma carona para um rolê que me fez chamar Jesus de meu lôro, mas que não me fez esquecer o impacto de “Sujo”, faixa dos caras que estava naquela segunda mixtape. O tempo passou, vi algumas apresentações do Saca Só no Pelourinho e finalmente cheguei nessa pedra fundamental. O impacto me fez dobrar o tempo, como em Tenet (2020), novo filme do Christopher Nolan, me fazendo viajar para o passado para mudar o entendimento que eu tinha do grupo no presente. 

Após lançarem uma demo com 4 faixas upouco tempo antes, o grupo Saca Só encontrou sua identidade musical neste primeiro EP Se Eles Não Faz.. Nós Faz (2013). As ideias associadas aos flows emitidos e construídos em cima de batidas enterradas em uma rica e sólida influência do boombap que o Saca Só produz, nos levam a uma experiência única.

As produções do EP são na maior parte do mano Gurih, com o beat da faixa “Novo Amanhecer” sendo da autoria de Dimano. Progresso, construção de uma visão política a respeito das armadilhas da guerra às drogas, gangueiragem, defesa pesada da cultura hip hop, irreverência e peso nas letras, os manos não fizeram um disquinho de estreia qualquer, isso aqui é uma porra de um clássico. Sob quaisquer perspectivas que se olhe, o Saca Só apesar de ser um grupo irregular ao longo dos anos, só largou na inconstância das produções pedradas que se tornaram hinos! 

A dificuldade de produzir, que é um problema de todos os favelados e periféricos do rap baiano e brasileiro de modo geral, os fez lapidar com muita artesania, produções que se tornaram clássicos na pista. Sem se render a modas, levando suas verdades para um público que rapidamente os reconheceu como peças importantes da cena lutando contra os preconceitos e racismo de nossa sociedade, como diz Junk: “estereotipando os comportamentos e a estética”. 

Os caras, em Se Eles Não Faz… Nóz Faz (2013), mostraram como fazer uma obra eterna com uma rajada de ideias que vão da parte gráfica até a lírica. Aliás, a parte da identidade visual do EP é um capítulo à parte na jornada do Saca Só. O grupo convidou o grande Dimak para ilustrar o cd, com seu traço potente, produzindo também uma história em quadrinho com os caras. Uma das capas mais icônicas do rap baiano.  

Na luta para se afirmarem como artistas da quebrada, que para os olhos preconceituosos do sistema não o são, o Saca Só apresentou uma obra de auto afirmação dentro da cultura hip hop. Hoje tá uma uva para andar no style, na moda do rap que como foi absorvida pelo mercado se tornou comum. O Saca Só é da época em que ter conceito era importante, mas do que a imagem era a vivência. 

Sem pagar de pan, as faixas do primeiro EP do Saca ó geralmente abordam uma questão fundamental para jovens negros até hoje, não ser morto pela polícia e não fechar contrato com crime. Denunciando as desigualdes do sistema que matam negros nas periferias por um baseado enquanto os playboys compram cocaína e bagaçam em seus playgrounds, E nesse sentido, incorporando a cultura hip-hop como uma forma de ser e fazer que priveligia o nós por nós, já que o estado não faz, o Saca Só faz, e meteu o louco fazendo com excelência. 

Recusando naquela altura a ostentação de correntes e dentes de ouro, o bagulho era as ideias, era o agenciamento de uma juventude combativa que hoje em Cajazeiras fez emergir diversos artistas. Desta forma é importante reconhecer esse trampo também como um dos fundadores de uma das cenas mais importantes hoje em Salvador. Andar pela quebrada com tranquilidade, sagaz com os picolés de amendoim e com o tráfico é o tema de uma das músicas que nós usamos para dar rolê até hoje em nossa quebrada: “Análise”. 

“Preto amenize, nunca deslize, nem liga pras crise, se pá legalise, propostas analise, quebra as correntes da mente cê sente, mano só não mente”  .  

Isso é basicamente uma regra de conduta, forjada por Junk um dos manos mais sangue bom da cena, pixador brabo e mc já ficando coroa, motoboy, um dos talentos fundamentais da cena do rap e do pixo, verdade e vivência nas linhas de cor e canto, que nesse disco ficaram eternizados. Felipe Gurih, um dos manos que tem uma das caminhadas mais diversas do rap baiano, com sucessos, trabalhos no unverground e uma musicalidade ímpar, hoje mais conhecido pelo vulgo de Pivete Nobre, sem dúvida uma das nobrezas mais imoprtantes de Cajacity. 

Ao longo das faixas temos o DJ Berlota riscando sem miséria nas faixas, mas um elemento que mostra a força do conceito dos caras, inserindo samples pesados ao longo das faixas com excelência. Em “Cenas Tristes”, os caras trouxeram o grande Nouve, um nome de Cajazeiras que foi um dos responsáveis por colocar a cena daquele bairro em âmbito nacional. O grupo junto ao convidado refletem na faixa sobre a exclusão da juventude negra como “política pública” na cidade de Salvador e no Brasil de modo geral, complementados por Nouve nas questões que tocam a opressão da classe trabalhadora negra e periférica. A forma como o encadeamento das faixas do Saca Só neste EP nos conduzem é outro ponto alto. 

Da primeira à última faixa, os caras conseguem com muitas criativas construções produzir um elo contínuo de ritmo e poesia, que vai aos poucos erigindo dentro de nós uma admiração grandiosa.  Existe no Saca Só uma diferença através das repetições de temas, cada vez mais variados em termos artísticos, com uma singularidade incrível que rompe com a “retidão” de muitos grupos e artistas. Isso é também fruto da herança do freestyle, que os caras também dominam. 

Esse EP traz para s cena do rap baiano um novo sabor, rua, gangueiro, racialmente informado e construído por muitos antes, mas que aqui encontra uma nova formulação. Uma mescla do underground que já existia no São Caetano com SCP, Baga, Spock e outros e de uma pegada mais gangster que então se renova e parte disso é do próprio ambiente efervescente da Família UGangue. Porém, isso é apenas uma conjectura, o Saca Só forjou uma identidade muito própria em sua arte. 

No entanto, a faixa “Bola de Neve” com a part. de Ravi Lobo (Rap Nova Era) traz esse aspecto acima mencionado: Aqui como falamos antes, um dos hinos do grupo que já possui estofo suficiente para lançar um “Greatest Hinos” do qual Bola de Neve talvez seja o que mais empolga os bate cabeça quando toca. A simplicidade complexa que conjugou underground e gangsta rap nesta música ajusta bem uma imagem rara na poesia do rap nacional, Bola de Neve se refere ao mesmo tempo a duas coisas que são constantes mesmo aqui numa cidade sul americana. 

A guerra às drogas geram uma onda de violência que vitima negros e negras em nossas periferias, produzindo uma forma socialmente aceitátvel pela branquitude de exclusão e violências às minorias do estado. Uma imagem poética eivada de rajadas de palavras de uma cultura insubmissa que consegue nos alertar e registrar um momento que infelizmente ainda não passou em nossos guetos. 

Saca Só e seu EP de estréia Se Eles Não Faz… Nóz Faz (2013) é um dos 10 maiores registros do rap baiano, daquelas obras que nos fazem ter certeza que mesmo em meio a precariedade a arte baiana e o rap baiano merece muito apoio. Os caras ainda lançaram um disco após essa estreia, desenvolveram um projeto chamado Estilo Solto mas isso é conversa para outro dia!   

-Saca Só, Se Eles Não Faz… Nóz Faz completa 8 anos

Por Danilo Cruz

 

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