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Ruth Clark: “Não Escolhi Ser Preta, Tive Sorte” #marconaobasta

Ruth Clark: “Não Escolhi Ser Preta, Tive Sorte”, uma entrevista com a rapper paraense que vem triilhando um caminho musical interseccional !

 

#MarçoNãoBasta para apreciar e apoiar o corre de mulheres pretas das periferias da Amazônia.

*Essa matéria é uma parceria entre o veículo Norte Side Hip Hop, de conteúdos de artistas da Amazônia e o portal Oganpazan de música independente fora dos eixos.

É março e mais uma vez a estrutura esmagadora que nos homenageia – em diferentes níveis, diga-se de passagem – sob a vida das mulheres, é a mesma que finge não acontecer nada durante o resto do ano. Fiquei refletindo sobre a campanha #MarçoNãoBasta e pensei o quão óbvio poderia ser uma afirmação dessa. Mas não é, né? Cada uma de nós é estudo de causa que a correria não começa e nem termina em Março, parceiro. Dispenso as flores, tô te enviando um boleto meu. 

Quantas mulheres que estão ao teu redor não fazem um corre louco todos os dias? Em tempos  em que as lutas sociais são usadas no comércio do oportunismo, eu prefiro te apresentar um exemplo de mulher que tá no corre, vivendo o que canta, expressa e performa todos os dias desde que nasceu.

O “Eu não escolhi ser preta, só tive muita sorte” é um trecho de “Ubuntu”, faixa da braba Ruth Clark MC (PA), que canta sobre autoestima negra, além de outras pautas que envolvem a vida de uma mulher na periferia de Belém. São mulheres como essas que eu tô falando.

Pra quem não conhece Ruth Clark aí pra baixo, também não conhece muita mulher foda que tem no topo do mapa. Ruth começou atuando e cantando em musicais de um projeto da cidade, logo em seguida, e inevitavelmente, sua afinidade com as batalhas de MCs a motivou a declamar e cantar sobre sua realidade, fazendo grande diferença nas rodas culturais de freestyle.

Além do RAP, Ruth é ativa nas ações políticas de ascensão feminina e da população negra; organiza a Battle Girl Power, batalha de MCs só com mulheres, o que possibilitou o crescimento de muitas mulheres nesse cenário. Referência nessas construções, o trabalho de Ruth é necessário, mais do que rima e beat, é construção política frente às desigualdades sociais.

Dito isso e entendendo que nós podemos falar por nós, achei prudente chamar a Ruth pra falar sobre o seu próprio corre. Manda teu papo, preta!

Oganpazan x Norte Side Hip Hop – Como você descreveria seu corre hoje pra quem acha que o Dia da Mulher é 8 de Março?

Ruth Clark – É cansativo, e tu tem que gosta de ta nesse meio, tô nessa estrada a 4 anos. Comecei a frequentar Batalhas de Mc’s, vi que ali era meu lugar e resolvi me tornar uma MC!

Conheci várias outras mulheres que também tinham vontade de estar ali naquele meio, mas não se sentiam confortáveis pra rimar. Meti a cara e fiz a primeira batalha de MC’s para mulheres. Queria fazer um espaço no qual nos sentirmos confortáveis para levar os filhos, que tivesse performance, um espaço em que mulheres trans, transgêneros, bis, gays, travestis não fossem desrespeitadas. A Battle Girl Power acontece uma vez ao mês e meu inimigo é o sistema, não os homens.

Primeiro vamos enegrecer esse dia 8: São as mulheres negras nessa história do dia da mulher? As mulheres negras, muito antes da história dessa fábrica nos Estados Unidos, as mulheres negras já trabalhavam fora da duas casas, trabalhavam em outras casas e sim já pleiteavam melhores e melhorias nas condições de trabalhos, respeito, mais essas lutas foram silenciadas nessa história.

Quem decide essa data, quem decide qual fato histórico vai representar a luta por todas as mulheres? Aí que vemos que nossa história é excludente e racista. Essa data é importante pra nós, mas é importante que enegrecer essa data. A história da mulher negra existe e é ignorada.

Oganpazan x Norte Side Hip Hop – Como o seu trabalho te ajudou a entender sobre as suas pautas e vice e versa? E quais são as suas pautas?

Ruth Clark – Eu fui me identificando com o RAP desde pequena vendo meu irmão ouvindo. O RAP é marginalizado e meu pai não gostava que nós escutássemos. Ser preto ou branco define nossa vida, nossa pele também determina nosso tempo de vida, homicídios de mulheres brancas caíram enquanto que de mulheres negras aumentaram e a morte também não é só feminina. 

O Brasil é um país racista. O ser negro no Brasil me ajudou a entender por quais pautas devia lutar, além de outras que fazem parte desse conjunto. A Homofobia é 70% maior para pessoas negras. Ser negra no Brasil é tu ser suspeita, somos excluídos, nossos espaços tomados, é enfrentar a intolerância religiosa.

Oganpazan x Norte Side Hip Hop – Como fazer o que você faz te afeta? Te ajudou ou te cobrou? O que você aprendeu com isso exatamente?

Ruth Clark – Me afetava 100%, desde casa até à rua… Tem certos ambientes em que eu era tratada como vagabunda, porque preta que faz arte é isso pra muitos. Tem uma música do MV Bill que me ajudou e me inspirou a me tornar a artista que sou hoje. 

É! Mantenho minha cabeça em pé! 

Fale o que quiser. Pode vir que já é! 

Junto com a ralé, sem dar marcha ré! 

Só Deus pode me julgar, por isso eu vou na fé!

Me tornei o que sempre sonhei: ser dona de mim, fazer as minhas escolha e lutar pelos os meus.

É conveniente que em todos o mês de março nós recebamos flores, chocolates e parabenizações do quanto somos guerreiras e de como a gente é incrível por conciliar filhos, casa, trabalho e ser multi-tarefas. O que ninguém fala é da realidade diária de mulheres que sequer se enquadram no padrão de trabalho precário de um ser humano “digno” de receber as “felicitações” do 8M. O buraco é sempre mais embaixo.

 

Certamente Ruth Clark é uma das mulheres que não passam em branco. Na correria todo dia, é referência de movimento, arte, militância e mulher para se acompanhar e aprender mais um pouco sobre a não romantização do mês de março. 

Então é bom lembrar: Antes de desejar um Feliz Dia Da Mulher pra qualquer uma de nós, tente se lembrar o que você fez pelo trabalho dela durante o ano inteiro. As mulheres estão trampando 365 dias do ano.

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-Ruth Clark: “Não Escolhi Ser Preta, Tive Sorte” 

Texto e Fotos por Karinny de Magalhães  (Caribé Filmes)

 

 

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