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Rômulo Boca: Em busca da duração em sua mixtape de estréia!

Rômulo Boca lança mixtape com 17 faixas e busca através de um exercício árduo, encontrar a duração de sua arte, tateando estilos e gêneros!!

FOTO: RAFAEL VIERIA

O exercício da crítica é o exercício de manter o pensamento sobre arte e música atualizado e criar um estilo próprio de escrita, para quem gosta de ler sobre as manifestações musicais de toda ordem. Não é mais necessário, como de resto nunca foi, que o crítico seja aquele quem dá o crivo do que se deve ou não escutar, o que não eximi a avaliação pertinente de obras e artistas.

Hoje, se tem uma enorme exuberância de produção do gosto que dispensa, e de resto é impossível de se combater, a formação de escribas que sigam a linha do mero convencimento do que se deve ou não gostar. A quebra de mediação que a internet possibilitou é um desses mecanismos que gerou um espaço aberto de discussão de ideias, ao mesmo tempo em que há uma crescente ignorância sobre o que seja  e de que modo se deva consumir música. Pois, a proliferação da doxa (opinião) elimina também – gerando mais ruído do que comunicação – o levantamento real de problemas ao se abordar uma questão. 

O rapper cearense Rômulo Boca lançou recentemente sua mixtape de estréia e com isso despertou nosso olhar nessa direcão dupla: O combate a formação de uma forma de escrita que tenha no produzir um gosto o seu objetivo, noutra o perceber a duração e seus elementos de multiplicidade na construção desta obra. Diante do total de faixas apresentadas na mixtape Quando o Mundo Acabou Era Meio Dia (2019), esse papel da crítica e sobretudo da crítica à música rap em nosso país, se fez presente de modo veemente.

Se escrever é sempre ir em busca, estar a espreita de algo, produzir um movimento mínimo que seja no pensamento, a mixtape do Rômulo Boca certamente nos petrificou. Como falar de um disco que caminha para tantas direções diferentes sem reduzi-lo, sem ser “chapa branca”, como produzir uma crítica ao que nos desagrada sem jogar junto o bebê? Essa é a nossa questão aqui.

E mais, como não abordar certa canalhice que a mídia “produtora de hype e jabazeira branca” que quer ditar os rumos do rap nacional, cultiva como práxis de um abjeto: “negócios entre amigos”. Tudo isso com ares de imparcialidade, objetividade e qualidade cultural, atenada às últimas grandes expressões do rap nacional? Quanto aos últimos, é melhor não entrar na corrida de ratos, quem é sabe…

A busca presente na mixtape de estréia de Rômula Boca, para nós se apresenta como uma procura de sentido novo, após uma perda devastadora, tanto no campo pessoal quanto na sua própria carreira, é possível dissociar? Isso é um tanto óbvio é bem verdade, mas enquanto estamos diante de uma mixtape que não possui ou não deveria possuir a necessidade de um conceito que amarre tudo como uma obra una, ainda assim essa busca nos é evidente.

Partindo de uma auto descrição de si mesmo enquanto jovem (Pedra Vermelha), o artista questiona em seguida o local e a força (o campo da arte) onde ele coloca suas esperanças (Oizys I & II), sem ter como saber qual será o resultado de tal esforço. A perda de Dona Francisca sua mãe não nos é presentificada, senão a sua voz, cansada e acompanhada dos aparelhos de uma UTI ao fundo. Se é através da busca de um sentido para si mesmo que essa mixtape nos parece ganhar um peso como obra de estreia, é nas palavras de sua mãe que o cearense Rômula Boca talvez deva encontrar ele próprio aquilo que busca. Dona Francisca vive, nesse disco, e restará ainda na memória de todos aqueles que a ouvirem, como uma das mensagens mais fortes sobre amor! 

Sendo ele a própria obra de arte de uma vida que se esvaiu totalmente plena, algo raro de se encontrar num mundo cada vez mais impregnado na tentativa de se apegar ao agora, ao imediato, desesperadamente. Amor, cuidado e generosidade são aqui o duplo perfeito de uma obra de arte que foi carne, mulher, produtora de vida e que durará, enquanto durar esse aúdio presente e que dá nome a mixtape.

A luta pela imortalidade é um dos motores da vida humana, a memória um dos aspectos mais importantes para um existência civilizada e rica, pois é imediatamente consciência do que se viveu, do que aprendemos, daquilo que dura, daquilo que deverá durar. Artistas buscam com seus próprios meios e técnicas essa imortalidade, buscam durar no pós morte, e nesse começo de caminhada solo, o Mc faz exercícios caminhando para encontrar o seu cristal público de memória. Tateia sobre gêneros e estilos diversos, contando com muitas participações, seja de Mc’s, seja de beatmakers, assim como de instrumentistas.

Passeando pelo Boombap, pelo Plug, pelo Trap, trazendo até o Metal como influência, o disco se espalha em sonoridades diferentes, mas mantém coesão nas questões que levanta, assim como varia os flows na mesma proporção em que rima sobre distintas bases. Rômulo se arrisca também a cantar, e aí no nosso modo de sentir e pensar a coisa desanda. Se é bem verdade que o mc mostra plena desenvoltura lírica, de flow e técnicas diversas, ao partir para o canto não consegue se diferenciar daqueles manos que chegam com violão na festinha e pedem pra tocar um Legião.

O questionamento do jogo é também um traço forte a atravessar o disco, seja no questionar a ostentação, seja na sua própria percepção do papel do artista diante do cenário, como também questiona diretamente o rapper baiano Baco Exu do Blues. E aqui, o mano não economiza  nas linhas e relata o que na sua visão são os elementos que constituem um verdadeiro perfil do rapper baiano.

Ainda sobre o game, a participação do Rodrigo Zin, numa faixa de mais de sete minutos, é um dos pontos mais altos da mixtape, não apenas pelo tamanho. Musicalmente complexa e suave, e ao mesmo tempo com a inserção de um áudio que traz questionamentos sobre entradas e saídas do rap, autenticidade e sobretudo a busca pelo fazer artístico. Outro momento em alto nível vem no beat classudaço do Tardela e do Estranho, onde nILL e Rômulo apresentam uma caixa de ferramentas pouco comum. A duplinha made in Rancho Mont Gomer, é a responsável por outro beatzinho classe A, onde Isaac de Salú é convocado para chegar numa das melhores da mixtape.

A mixtape conta ainda com participações de outros excelentes nomes como Teagacê, Chinv, César Masthif. Há também beats dos produtores: Machion, Fernando Vários, Jay Beats, Cabine 808, Kriolão, Masthif, Ardlez e Rodrigo Zin. Quando O Mundo Acabou Era Meio Dia (2019) é um trabalho que inicia o caminho solo do artista que é um dos fundadores do grupo A.L.M.A, e que segue aqui buscando (muito bem acompanhado) durar na dupla acepção da palavra, viver o seu tempo de modo pleno e produzir algo incorporal e que se eterniza: música. Segue conseguindo…

A certa altura da mixtape, Rômulo Boca cita um amigo real Rimbaud, poeta françês autor da famosa frase: “Eu é um outro“, e nesse trabalho podemos perceber com riqueza de exemplos, em uma larga escala de poesia e ritmos (17 faixas), todos os Outros que o Mc pode ser, permanecendo o mesmo. Esperamos que nessa estrada que essa mixtape inaugura, faço-o encontrar outro poeta francês e um dos seus famosos leitmotivs

“Por todos os caminhos que meu coração me leva não é possivel que não exista um verdadeiro”  Antonin Artaud 

-Rômulo Boca: Em busca da duração em sua mixtape de estréia!

Por Danilo Cruz

 

    

 

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