A textura do nylon de Romero Lubambo

Além de assistir a uma célebre performance do ás do violão, Romero Lubambo, o oganpazan ainda teve a honra de entrevistar o mestre!

Assistir a um show é uma experiência e tanto. Ter a oportunidade de ver a música acontecer é uma dádiva e presenciar os caminhos do som a olho nu sempre rende célebres memórias. É claro que cada show é um show, a música se renova a cada set, e apesar de abstrato e deveras poético, certas coisas precisam ser vividas. Como diria Jimi Hendrix: are you experienced?

E dentre as experiências que tive no SESC Jazz, realizar o sonho de assistir e entrevistar o Romero Lubambo com certeza foi uma das passagens mais especiais de todo o festival. Num show de pouco mais de 90 minutos minutos, Romero, brilhantemente acompanhado por Thiago Big Rabello (bateria), Marcelo Mariano (baixo) e Hélio Alves no piano (diretamente de Nova York), liderou um dos melhores shows que já assisti na vida.

Tocando violão, guitarra, prestando homenagens para gigantes como Chick Corea e até temas da Billie Eilish, o violonista carioca mostrou um pouco da técnica que o fez gravar ao lado de mestres como Kenny Barron e Herbie Mann, por exemplo. Sabe aquele show que termina e você conclui que definitivamente viu algo especial? Pois então.

Numa formação bastante enxuta e com um show que precisou ser elaborado rápido, Tiago Big Rabello e Marcelo Mariano fizeram um trabalho soberbo. Dois músicos requisitados na cena nacional, o baterista fez um trabalho de acompanhamento primoroso, dando um workshop gratuito de dinâmica, vassourinha e swing. 

O Marcelo é um baixista absolutamente versátil e vê-lo emprestando o groove e acompanhando seu conterrâneo nas mais intrincadas linhas foi estarrecedor em algumas passagens. Vale lembrar que ambos já tinham tocado com o Romero antes, mas nesse sentido, quem teve a vantagem foi o pianista Hélio Alves, comparsa do violeiro nos Estados Unidos há mais de 20 anos.

Aos 66 anos anos de idade, morando há mais de 30 fora do Brasil, Romero segue em grande forma e mostrou isso para o público, demonstrando raro e soberano domínio de seu instrumento, seja em vias acústicas ou elétricas. Ao lado de músicos extremamente competentes, o groove praticamente flutuou por 1 horas e 45 minutos, enquanto os músicos viravam composições próprias e versões do avesso, se superando faixa após faixa.

Num tema em particular – feito em parceria com o próprio Marcelo Mariano – o grupo tocou “Riff” e o que o Romero Lubambo fez na guitarra foi um negócio impressionante. O Marcelo ainda fez um solo com slap que foi memorável e o Big Rabello acompanhou tudo na bateria de maneira infalível, sempre mostrando sua grande capacidade de contar uma história através do kit.

Quando instrumentistas desse calibre se reúnem, a música parece que vai pra outro lugar. Ela flutua. Foi lindo e deveras marcante poder assistir esse momento. Romero, apesar de décadas e décadas longe, não perde a essência brasileira em seu som. De riso fácil, extremo bom humor e numa noite inspirada, o músico que faz mais sucesso fora do que em seu próprio país, teve a oportunidade de mostrar o rico trabalho que desenvolve, sempre com o Brasil na ponta dos dedos.

Vê-lo tocando violão foi pura poesia em movimento. Discípulo de Helinho, o saudoso Hélio Delmiro, não satisfeito com o show memorável que fez, Romero ainda falou com o Oganpazan sobre sua extensa carreira, além de abordar alguns projetos recentes em sua prolífica discografia.

O pianista Hélio Alves foi uma grata surpresa na formação. Os sons em trio valorizaram o quase telepático entrosamento entre Big, Mariano e Romero, mas com o pianista o som do quarteto ganhou muitas cores e talvez a grande virtude de sua performance tenha sido a prudência e os solos, sempre com muita sensibilidade e com aguçada percepção musical. 

Todos tocaram o que a música precisava. Nenhuma nota a mais, nenhuma nota a menos.

Romero Lubambo, senhoras e senhores.

Entrevista:

1) Romero, gostaria de saber sobre experiências quando jovem, com foco nas vivências de música clássica que teve no período de formação. Como você acha que estudar o lado erudito do som ajudou você a fazer música, transpondo o lugar de escuta da música clássica, mas colocando essa visão dentro da sua linguagem musical?

Comecei a tocar Violão e guitarra com 13 anos. E comecei a estudar violão clássico com 17 anos. 

A música erudita ajudou muito e de várias maneiras. Existe uma percepção e desenvolvimento das diferentes vozes que existem no instrumento, contracantos e movimentos que possuem diferentes importâncias e que também precisam ser tocados com diferentes importância dentro das mesmas 6 cordas. Isso ajuda muito a desenvolver seu ouvido e sua técnica também. Outra coisa importante foi ter colocado minhas duas mãos em posições mais “certas” para a desenvoltura no violão, até pra tirar um melhor som do instrumento. E claro, isso também auxiliou muito para a leitura da escrita musical. 

2) Romero, você tem incontáveis colaboração marcantes, além de uma sólida carreira solo. Gostaria de fazer uma pergunta sobre o seu disco com o Cesar Camargo Mariano, o “Duo”, lançado em 2002. Como foi gravar esse disco e o que você pode falar sobre as levadas que você criou com ao lado do César?

Foi muito importante esse encontro com o César e todos os trabalhos que fizemos juntos. Quando o conheci, acho que em 1996, Já era fã da música havia muito tempo. Quando toquei a primeira vez com ele na casa dele já tínhamos uma afinidade muito grande e já existia um swing natural por termos gostos musicais semelhantes. 

Começamos a fazer vários trabalhos de gravação e shows antes mesmo do Duo. Isso só ajudou a sedimentar ainda mais nossa interação.  Para o CD, Me lembro que ensaiamos muito (fui 18 dias na casa do César), pois não escrevemos nada. 

Passávamos as musicas e ensaiávamos muito – cada uma delas – até o ponto de ficar muito natural e confortável, pensando em todos aqueles arranjos. Alguns deles inclusive, o César já tinha na cabeça e só adaptamos para o Duo. Outros, no entanto, foram surgindo conforme a gente ia tocando e sugerindo ideias durante esses encontros. 

As levadas eram desenvolvidas levando em consideração o papel de cada instrumento. Definitivamente não é fácil tocar 2 instrumentos que fazem melodia, harmonia e ritmo ao mesmo tempo. Tivemos muito cuidado para partes bem definidas em cada minuto de música. Adorei o resultado! 

Vou ser fã do César pra sempre!

3) Uma característica marcante no seu som é também a forma como você toca com os dedos. O que você pode dizer sobre os mestres que influenciaram sua abordagem, pensando no Jazz que você também toca sem palheta?

Gosto muito do som do dedo nas cordas, principalmente no violão de cordas de Nylon… Acho que sinto muito mais as cordas desse jeito. No Brasil, o Baden, já tocava tudo com os dedos, O Hélio Delmiro já fazia Jazz sem palheta e , claro os violonistas clássicos sempre tiveram uma desenvoltura incrível tocando com os dedos. 

No Jazz, o Wes Montgomery tocava sem palheta com uma desenvoltura incrível, usando só o polegar e eu adoro o som dele… Isso me fez pensar que eu também poderia tocar sem palheta quando quisesse. Hoje em dia, uso muito pouco a palheta como uma diferenciação no timbre da guitarra.

4) Quando você foi para os Estados Unidos (há quase 40 anos), você fez música instrumental, mas também trabalhou com muitas cantoras. O que você pode falar sobre a importância e a sensibilidade de também saber acompanhar e não apenas solar, seja em duo ou em grupo?

Acho isso fundamental. Saber acompanhar é de extrema importância e a maioria dos guitarristas não pensam nisso como prioridade. Acho que grande parte do que faço é porque desenvolvi esse lado também. Acompanhar flautistas, saxofonistas, cantoras e outros violonistas é muito importante e eu gosto muito de fazer isso. 

Fiz CDs e muitos shows com Leny Andrade, Luciana Souza, Dianne Reeves, Edu Lobo, Astrud Gilberto, Joyce Moreno, Herbie Mann, Mauro Senise, Yo-Yo-Ma, Paquito D’Rivera e tantos outros, justamente por saber acompanhar bem e fazer com que as musicas e cantores fiquem confortáveis e inspirados enquanto estão apresentando sua música.

5) Como a dinâmica do Samba ajudou você a dialogar com o Jazz? Qual foi a importância dessas influência para o desenvolvimento da sua linguagem?

Ajuda  muito porque a ideia de tocar samba no violão é de representar os vários instrumentos de percussão com as diferentes regiões do violão. Isso dá um controle de ritmo incrível com o instrumento e faz com que você tenha uma facilidade para usar esses recursos durante suas próprias apresentações. 

6) Além da sua carreira solo, você também é um requisitado sideman. Como foi a experiência de gravar o projeto da Disney ao lado da Billie Eilish recentemente? 

Essa  experiência foi incrível e inesperada. Recebi um e-mail do manager da Billie para ser convidado especial numa das músicas desse projeto. A Produção foi incrível, o teatro lindo e eu já havia tocado lá várias vezes, mas dessa vez estava fechado só para a filmagem desse projeto. 

Tudo muito profissional, como é Hollywood. Ela foi incrível comigo, me dando muita importância e me agradecendo muito, além de me dar a oportunidade de colocar a música Brasileira numa esfera muito importante e nossa música merece. Fiquei feliz em representar nossa música e faço isso com muito orgulho sempre. 

7) Como você analisa a fluência que colaborações ao lado de músicos diversos do Jazz – como Paquito D’Rivera e Herbie Mann – trouxe para o seu estilo, pensando principalmente em improvisação?

Sempre digo que escutar e interagir com outros músicos desenvolve muito a sua própria música. Trabalhar com músicos tão formidáveis quanto esses e Michael Brecker, Mike Stern e tantos outros só me trouxe muitas ideias de como improvisar e se comportar em frente ao público de diferentes palcos pelo mundo. Saber escutar é de extrema importância na carreira de uma músico. E isso sempre fiz muito.

8) Tem um disco seu com o Raphael Rabello que pouca gente sabe que saiu. O “Shades Of Rio” foi liberado em 1993 e, já aproveitando o gancho, como você vê o Choro, nosso Jazz brasileiro, servindo como um porto seguro para aglutinar referências nacionais, tal qual o Jazz fez com a música norte americana?

Esse trabalho com o Raphael foi maravilhoso. Sempre admirei Raphael desde que o conheci quando ele tinha 19 anos de idade. Sempre quisemos fazer algo juntos e quando apareceu a oportunidade em Nova York, chamei o Raphael e ele ficou em minha casa. Dessa forma, nós  ensaiamos e fizemos o CD. 

Rabello era um gênio musical e uma pessoa muito especial. O Choro é uma coisa linda e importante que o Brasil tem e junta as minhas principais influencias que são a musica clássica, os nossos ritmos brasileiros e a improvisação que eu adoro. Tá tudo ali! É uma escola maravilhosa.

9) Romero, você também gravou trabalhos interessantes ao lado do Trio da Paz, um deles inclusive ao lado do Kenny Barron (“Canta Brasil” – 2004), um fã declarado de música brasileira. Como foi gravar com ele, Duduka da Fonseca (bateria) e Nilson Matta (baixo)? Os caminhos musicais são muito interessantes e as interações com a música brasileira fazem o Kenny Barron explorar lugares muito especiais com o trio. 

O Trio da Paz é uma coisa importante para mim porque desde que cheguei em Nova York começamos a tocar juntos, no caso o Duduka, Nilson e eu. Desde o inicio existia uma liga muito forte entre a gente. Começamos em 1986 e até hoje fazemos shows juntos. 

O Kenny Barron começou a vir às nossas apresentações e ele adorava os shows, até que ele nos chamou para várias shows dele. Tocamos 2 anos direto com ele. Ele é uma pessoa maravilhosa e um musico irrepreensível! Grande pianista e considerado um dos melhores do mundo sempre. Foi uma experiência e tanto, para nós e para ele também.

Com o nosso jeito de tocar, trouxemos ele para situações muito diferentes do que ele estava acostumado e ele adorava isso. O CD foi o resultado dessa interação maravilhosa que tivemos e ele fez questão sempre de tocar nossas composições originais juntamente com as deles, além de standards de Jazz.  

10) Pra fechar, muito obrigado pela oportunidade Romero, espero que minhas perguntas não tenham chovido no molhado. Gostaria de saber sobre o que você vislumbra no horizonte. Desde 2017 você faz bastante sucesso com um projeto ao lado do Edu Lobo e o Mauro Senise. Em 2017 vocês ganharam o Grammy com o “Dos Navegantes” e em 2019 lançaram o “Quase Memória”. Os fãs podem esperar mais discos e shows no Brasil?  

O capitulo com o Edu Lobo é muito lindo! Conheço Mauro Senise há muitos anos e somos grandes amigos, sempre tocamos juntos. Quando fizemos nosso segundo CD, acho que em 2015 (o “Todo Sentimento”), convidamos o Edu com convidado especial e ele gostou tanto do som que sugeriu um CD do trio. O resultado foi o “Dos Navegantes “, e depois fizemos o “Quase Memória “, que é muito lindo também. Fique tranquilo, pois já estamos falando de um terceiro trabalho. Aguardem!

Abri muitas portas com minha música e tem muita coisa para acontecer ainda. Estou lançando um CD em breve com uma Jazz Chamber Orchestra com o arranjador e maestro Brasileiro Rafael Picolloto de Lima. Acabei de gravar um CD em Duo com o amigo e grande musico Chico Pinheiro, também tenho planos com minha mulher, Pamela Driggs, cantora americana e com Trio da Paz, além de algumas ideias pra serem desenvolvidas com Sarah McKenzie, e tantos outros. 

Sempre fico feliz com as possibilidades de me apresentar no Brasil com os músicos daqui. É muito importante estar aqui e dividir minha música com o publico e os músicos desse país fantástico.

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