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Rocksport Tape, Vol. 1 (2022) ou “O que o coletivo não fizer, nada mais faz”

Rocksport Tape é o primeiro projeto da Rocksport Club, uma plataforma criativa idealizada pelo skatista e artista soteropolitano Felipe Oliveira (Lookdatshit).

Felipe Oliveira (Lookdatshit), skatista e artista idealizador da Rocksport Club!

“O dedo do meio levantado para todas as mídias!”

A produção da ignorância é uma das estratégias do capitalismo cognitivo atualmente, algo que no jornalismo cultural, dentro do contexto atual das redes sociais, assume a necessidade do imediatismo e da produção “rápida”. Historicamente, as expressões culturais negras foram invisibilizadas, restando à produção alternativa e independente o papel de registrar e propagar essas produções. 

As mídias do rap, historicamente também, por diversos motivos que vão da xenofobia explícita à necessidade de se manter produzindo dando atenção aos números para conseguir views, com raríssimas exceções nunca abriram espaço para o que foi produzido no norte e nordeste. Esse histórico produziu uma reação dúbia por parte de artistas e público, a falta de espaço nos “meios” gera revolta nos artistas – mesmo que não se saiba bem o porquê da falta de oportunidade – e no público temos hoje admiradores do rap que não sabem o que de fato é produzido na cena. 

É a mais pura expressão da desinformação, ou dito de outro modo, a produção da ignorância em massa. Mídias importantes do rap nacional vem fechando as portas e grande parte das que resistem acreditam em “cards” e memes, recortes de podcast, polêmicas vazias, quando não, meramente reiterando o confete nas vedetes do cenário. O desconhecimento por grande parte da cena de quem faz trabalhos sérios, retroalimenta esse estado de coisas, pois apenas uma tomada de posição coletiva, onde midia, artistas e público, “trabalhem” juntos, pode minimamente criar um outro ecossistema produtivo e sobretudo um espaço de informação e reflexão dignos. 

Da UGangue à Rocksport Tape      

Não existem acasos dentro de uma tradição, o problema é que não se conhece a tradição, logo tudo parece sempre nascer espontaneamente sem linhas evolutivas e por isso mesmo, com um alto potencial de morrer em seguida. Não nos parece à toa que 8 anos após o último grande movimento coletivo do rap soteropolitano – o coletivo UGangue – surja essa mixtape Rocksport Tape Vol. 1. 

Em 2014, o coletivo UGangue soltou a mixtape Rádio UGangue que movimentou bastante e por alguns anos a cena do rap soteropolitano e baiano. Deste coletivo que já incorporava expressões do rap como o trap, por exemplo, fazia parte o grupo Saca Só que alguns anos depois lançaria o projeto Jok3r$$ do selo Estilo Solto. Os ecos destas produções estão plenamente contidos no primeiro projeto musical da plataforma criativa Rocksport Club.

Atualmente, a Bahia não possui uma cena que ligue os diversos atores e atrizes que produzem hoje uma quantidade absurda de expressões contemporâneas e de excelência no rap (trap, boombap underground, plug, drill, grime…), além de ter aqui sonoridades próprias que não existem em nenhuma outra parte do mundo. O trap pagodão e o pagodrill, são expressões que surgiram aqui. A reunião de artistas proposta na Rocksport Tape, Vol. 1, trazendo MC’s e produtores do under de Salcity e região metropolitana, pode ser uma excelente oportunidade para nos darmos conta da força que nós temos aqui. 

O Diabo também pensa em problemas sociais 

Jovens negros, inteligentes, bonitos e orgulhosos de suas origens, ao mesmo tempo em que possuem suas próprias ideias políticas e que expressam aqui de diversas formas. A mixtape Rocksport Vol. 1 (2022) dá conta de toda uma cena nova em Salcity, de nomes aqui presentes que vêm trampando já a algum tempo e também de nomes que não constam neste trabalho. Salvador hoje tem uma cena muito rica de drill, plug e trap, com jovens desenvolvendo trabalhos muito bons e buscando fugir das estéticas e temáticas saturadas no mainstream. 

As audições desta tape, nos transmite a certeza do excelente trabalho dos produtores musicais do projeto, pula aos ouvidos a força dos beats que passeiam pelo trap, drill e plug. Os meliantes responsáveis pela produça do trampo são Pivaratu, Geeli, 33, headB e Cauê Gas, que com esse metem beats soturnos e pesados, onde os MC’s dischavam suas rimas. Musicalmente, o trampo consegue nos imprimir com força o clima de morte e exclusão presente em Salvador hoje, quem anda pelas ruas de Sussuarana, no Bate Facho, no Lobato ou em Cajazeiras 10, sabe e sentirá!

O complemento lírico desse clima de uma Salvador Tumbeira, é assumido pelos MC’s que aqui se portam de fato como MC’s, ou seja, são mestres de cerimônia a nos apresentar diversas dimensões de suas vivências pelas ruas através de rimas e imagens poéticas verídicas e muito bem construídas. É bastante curioso, como uma expressão tão subjetiva como vivência, assume uma força de verdade tão impactante, que na audição conseguimos perceber. 

A equipe dessa Rocksport Tape é composta pelos MC’s MCDO (vocalista da banda Afrocidade), Fiteck,  Devil Gremory, Swatch 10, Luan Òwe, Pivaratu, Lookdatshit e Jxkv. A voz da Camila de Alexandre contribui na faixa “Zuada de Tiros” e nos remete a uma questão importante que é a ausência de minas nesse trampo, pois excelentes nomes não faltam em Salvador. Faço votos inclusive que um Vol. 2 já esteja sendo agendado e que essa pouca participação feminina seja corrigida, pois certamente só dará mais qualidade e expandirá os temas tratados!

O time presente na Rocksport Tape joga fino e consegue com suas singularidades construir um retrato verídico sobre as vivências coletivas de jovens negros em nossa cidade. Trampo sujo por excelência, os caras conseguem falar de diversas dimensões das violências que os corpos negros e periféricos sofrem, mas também possui espaço para o amor ou a quebra dele como na faixa “Carta Pra Ex”. O aspecto visual da obra é também impactante, pois traz um rosto negro estampado, com uma foto do grande Hick Duarte do modelo Ruan. A mixtape Rocksport Tape Vol. 1 é um lançamento do selo Smokingthegas. 

As construções poéticas que atravessam as 17 faixas apresentam-se coletivamente apesar dos seus autores. Poderíamos separar aqui algumas delas e mostrar suas qualidades poéticas, a força de suas expressões, mas pela própria natureza do texto, vamos abdicar desse procedimento. O fato inconteste é que as sonoridades do Trap, do Drill e mesmo do Plug aqui encontram MC’s que através do seu discurso recolocam em uma posição de enfrentamento contra o genocídio negro, de exaltação da vida negra e de resgate!

A indústria musical por sua própria essência trabalha sempre para romper com iniciativas coletivas, a aproximação de uma expressão contracultural e marginal, negra e periférica com as formas hegemônicas da branquitude sempre levam a dissolução do coletivo. Nossa própria percepção hoje é sempre direcionada para um consumo massivo que nos dá a impressão de escolha, quando na verdade é uma seletividade produzida antecipadamente. 

Há um desejo em escolher um, em consumir alguns, quando possuímos um cenário rico e amplo, com perspectivas diversas e divergentes, mas a separação é a regra. Não por acaso ligamos aqui essa mixtape a uma tradição coletiva de produção e pensamento que no limite nos leva aos começos do rap na Bahia e as famosas reuniões no passeio público. Pois são momentos criativos e de efervescência em nossa cidade que serviram para espalhar pela cidade diversas iniciativas que fortaleceram e ajudaram a construir a história. 

Fazemos fé que a Rocksport Tape seja para o leitor uma porta de entrada para os artistas presentes no trabalho, mas também para o cenário como um todo pois os links estão todos dados, só precisamos ter coragem de segui-los!   

-Rocksport Tape, Vol. 1 (2022) ou “O que o coletivo não fizer, nada mais faz”

Por Danilo Cruz 

 

 

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