Oganpazan
Destaque, Discos, Lançamentos, Música, Resenha

Roça Sound com o bonde pesado do Tabaréu Moderno (2019)

Roça Sound com o bonde pesado do Tabaréu Moderno (2019), formadão com Dionorina, Orquestra Reggae de Cachoeira, Quixabeira da Matinha e mais

Fruto direto do entrocamento geográfico, histórico, social e politico que devem na “Princesa do Sertão”, o Roça Sound é um dos grupos mais interessantes surgidos nas últimas décadas na Bahia. Dando continuidade em Feira de Santana à pioneira e fortíssima cultura reggae da qual a Bahia é berço nacional. De Gilberto Gil à Edson Gomes possuímos enquanto estado, a honra de ter melhor capitaneado a introdução desse elemento fundamental da cultura jamaicana, em nosso país.

Apresentando uma sonoridade que trabalha dentro de linhas que vão do Dub ao Bahia Bass, passando pelo Dancehall, a força do pensamento estético dos caras se encora tanto na cultura do Reggae quanto no Hip Hop. O lance é que Don Maths (MC), Nick Amaro (DJ e MC), Paulo Bala (MC) e Ed Murphy (B Boy) chegam com muita qualidade e abrindo novas perspectivas no seu terceiro trabalho: Tabaréu Moderno (2019). Com um EP gravado ao vivo e lançado no ano passado e o debut Você Guenta Quantos Rounds (2015) os caras vem construíndo uma sóluda caminhada, que já os coloca nos palcos de toda a Bahia e já os levaram a sacudir os esqueletos del pueblo chileno, em suas primeiras apresentações internacionais.

Essa caminhada toda trabalhada no groove, no balanço e em ideias conscientes, encontra agora um upgrade naquele modelo. Em seu terceiro trabalho, os caras escalaram um supertime de artistas do nosso “interior”, nomes que ajudam a abrilhantar com outros “brilhos” o entroncamento sonoro que eles vem polindo ao longo dos anos.

Sem limites, o som do Roça Sound consegue nessa third session, apresentar sonoridades que vão do Afrobeat a Chula, sem perder a linha, pois talvez seja essa uma das características fundamentais das experiências sonoras do grupo. Desenvolver um corpo sonoro cada vez mais rico, atravessado por diversas linhas fruto da diaspóra, como um rizoma preto sem inicio ou fim, se fazendo como bons feirenses fruto de um entroncamento urbano/campesino mundial. Aqui podemos dizer que o Tabaréu Moderno é esse corpo musical formado pela confluência de linhas musicais, sonoras, políticas etc… um corpo feito de retalhos como as calças famosas em tempos juninos.

Um patchwork da contemporaneidade, a abertura feita pelo “Tabaréu Moderno“, já chega numa pegada certeira, roots reggae, com o auxilio luxoso da Orquestra Reggae de Cachoeira, nascente mor. “Não se Envolve” fala justamente de um feminino indomável e criador, fonte de toda vida, polo através do qual deve passar toda a rebeldia, mas do que campo de pouso, local de projeção… A música e a força criadora, um corpo tabaréu e moderno, vejam o clipe com o malemolente B Boy Ed Murphy.

Também um Frankestein, mas um do tipo africano, “Sambador” apresenta mais uma linha exótica a forma o groove desse corpo, aqui com participação da Quixabeira de Matinha, que inclusive lançou disco esse ano. Samba de roda, como outro aspecto geometricamente ético, ubuntu… O corpo segue sendo composto e agora em “O Que É Que Ela Tem?” a sanfona de Rogerinho Ferrer e a percussão e vocal de Bel da Bonita chega num ragga se funde a diversas outras linhas da música nordestina de “for all”.

E toda essa diversidade musical, vai aos poucos dando nos a percepção de uma construção cuidadosa, fruto das experimentações feitas em estúdio e testadas aos vivos. “Tá Tudo Certo”, chega pesadão nas rimas e os Mcs do Roça, dão aulas e ao mesmo tempo abrem uma cartilha do modus operandi da curtição dos seus bailes: “Roça Sound na festa é meu grupo predileto”. A mesma pegada roots Sound System chega na sequência com “Tsunâmi”, mais um petardo para nos lembrar qual a principal valvula a bombardear sangue pelo corpo do Tabaréu: Bass!

A bonita voz da Nana Oliveira, o sax de Felipe Azevedo e a guitarra de Gilmar Araújo são convocados para a mudança de estação rumo a nigéria, no excelente e balançadissimo Afrobeat: “Ajuste o Beat”. O ajuste da batida aqui é exatamente  a forma do próprio disco que atravessa e é atravessado por uma miriade de beats sempre conforme o seu corpo, ou num corpo conformado às diversas batidas.

Elemento de ligação com Jah, a substância a ligar as pontas desse paredão é a marijuana, e em “Bote O Teu” é um chamamento com cara de hit, para nos colocarmos, e esse se botar é o famoso Bote a cara no sol, mas com a cabeça feita. O riddim é desfiado, destilado, desxavado pelos excelente tosters, que não deixo uma linha sem queimar!

Se você não conhece, precisa correr, Dionorina uma das vozes mais importantes do reggae nacional é o convidado em “Verde e Cinza”, e não precisamos dizer que a ânima da voz do grande reggaeman, é um sopro de vida fundamental. Aqui uma reflexão sobre aquele aspecto do urbano/campesino que compõe uma das características desse som da Roça!

Fechando a construção desse corpo sonoro que é o Tabaréu Moderno, vamos nos permitir a liberdade de dizer que a faixa “Ela Balança” é um arrocha ragga, hahahaha, a produção do grande Lerry, não faria feio no Brega de Carol. Contagiante, é daqueles sons que nos toma e quando vemos os ombros e os quadris já estão balançando.

O disco não se encerra, com toda certeza que não, pois a experiência de ouvir e sentir o Tabaréu Mordeno (2019) abre diversas perspectivas e links para os ouvintes mais atentos. Emanando daí esse personagem conceitual, esse corpo sonoro plenamente adequado ao século XXI, fruto das trocas nas encruzilhadas atemporais de um tempo sombrio, mas ainda cheio de uma substância fundamental para a nossa vida: Groove africano, música da diáspora, feita através da resistência.

A anarquia coroada do Sertão tá na casa! Fya Babylon     

 Produzido, gravado, mixado e masterizado por Lerry no CrossOver Studio. Jan/Ago de 2019.
ILustração de capa: Gilmar A.K.A Cartunista das Cavernas
Direção de arte: Roça Sound e Lerry

Matérias Relacionadas

Isaac de Salú – singles, angústias, lixos eletrônicos e o Filho do Diabo (2020)

Danilo
5 anos ago

Aminoácido e Muñoz – Jam session no covil dos azeiteiros

Guilherme Espir
4 anos ago

Sampha Lahai Sisay e a música como instrumento de cura

Guilherme Espir
2 anos ago
Sair da versão mobile