Oganpazan
Destaque, Lançamentos, Música, Notícias, Rádio Diáspora, Resenha, Sem categoria

Roça Sound com Elas, um EP pra dançar em casa

Roça Sound com Elas amplia as sonoridades do grupo feirense através da parceria com 4 cantoras de 4 estados diferentes. 

Roça
Capa do EP Roça Sound Com Elas

Aos olhos dos nativos da capital, nós interioranos somos “roceiros”. Na verdade o termo é usado para designar quem nasceu fora de um centro urbano. Melhor, uma localidade será uma roça em comparação com os demais locais que a cercam. Nesse sentido, Feira de Santana é uma roça em comparação com Salvador, mas não em relação a Serrinha, por exemplo. 

O termo é pejorativo, usado para menosprezar pessoas oriundas de uma determinada cidade considerada provinciana, ou mais provinciana do que a usada como referência. Porém, toda cultura, todo grupo social que enfrenta esse tipo de depreciação, adota o termo pejorativo e a ele dá outro sentido, um sentido positivo, que seja um elogio ou a celebração dessa mesma cultura. 

O Roça Sound usa desse expediente para mostrar que o som da roça está antenado com o que se passa com o mundo. A internet abriu as portas para uma realidade cheia de possibilidades, permitindo uma experiência cosmopolita a quem por ela busca. Claro, Feira de Santana está longe de ser uma área rural. Possui as benesses e mazelas dos grandes centros urbanos, por isso mesmo oferece uma experiência sociocultural ampla.

Dentro dessa realidade o Roça Sound construiu uma identidade cultural múltipla, trazendo para sua alquimia sonora influências de diversas vertentes musicais, principalmente as de origem periférica. Dentro de uma linguagem pop/ eletrônica, criam sua própria realidade musical e partem para a consolidação do seu nome no cenário nacional. Isso porque regionalmente os caras já se tornaram referência dentro do segmento pop/ eletrônico.

Claro, não podemos deixar de lembrar que o cerne da construção da identidade do grupo é a cultura sound system. Tenho pra mim que o nome da banda é uma busca de expor o nome de duas referências para os caras, a cidade, representada na cultura periférica do sound system e claro, da metáfora da roça como referencial geográfico de pertencimento. 

Uso o rótulo pop/ eletrônico para identificar o som da banda, por considerar que ajuda a dar uma noção resumida do que é o som da banda. Há referências claras do rap, reggae, ragga, dub, pagodão, sem contudo deixar-se definir exclusivamente por nenhum desses gêneros. Daqui de onde eu olho, essa impossibilidade de deixar-se definir, torna tão interessante e sedutora a sonoridade da Roça Sound. 

Além de conter todos esses atrativos estéticos, o som dos caras faz dançar, funciona como entretenimento e meio de diversão. Embora vivamos tempos difíceis, nos quais um governo genocida contribui ativamente para a morte de centenas de milhares de brasileiros, a última vez que conferir havíamos passado os 300 mil mortos, precisamos encontrar momentos de descontração. Precisamos da catarse que nos permita reativar as baterias para enfrentar por mais algum tempo a dureza da realidade na qual estamos imersos.

Infelizmente essa diversão não pode ser compartilhada, temos que balançar o corpo em casa, cumprindo o isolamento social. E é nesse contexto que sai o novo EP do Roça Sound, cujo título Roça Sound Com Elas (2021). O EP trás 4 faixas, cada qual coma  participação de uma convidada de um estado diferente. Na faixa 1, Na Roça Tá Chovendo, a pernambucana Jessica Caitano, na faixa 2, Queima Bem, a amazonense Keila Gentil, na faixa 3, SambaRaggaRegga, a paulista Miss Ivy e na faixa 4, Baratineiro, a baiana Paula Sanffer. O Ep foi desenvolvido em parceria com o selo feirense Banana Atômica.  

Na Roça Tá chovendo, abre o set list do EP nos levando a esperar músicas turbinadas por muito swing e muitas combinações rítmicas. Música feita em parceria com Jessica Caitano, busca no repente e no coco as matérias primas que vão ser a base para as estruturas suas estruturas rítmicas. A letra aborda o tema da legalização da maconha, apontando os potenciais econômicos que a legalização podem trazer para o Nordeste, conhecido por produzir as melhores ervas do país.

Queima Bem traz o swing do Norte, bem desenvolvido pelo brega funk e pelo tecnobrega. A contribuição de Keila Gentil de Keila Gentil, ex vocalista da Gang do Eletro, foi fundamental para que a música transmitisse em cores fortes a sonoridade característica daquela região do Brasil. A letra celebra o vínculo musical e cultural entre a Bahia e o Pará, estado no qual Keila vive atualmente.

Em SambaRaggaReggae, o nome é auto explicativo, o ragga é implementado ao nosso samba reggae, trazendo movimentos cadenciados, porém, bem marcados pela batida do ragga. Interessante a presença do samba reggae ao fundo contrastando com o ragga que se apresenta de forma marcante. Miss Ivy deixa seu recado de forma marcante nesta faixa que celebra o encontro da “terra do dendê” com a “terra da garoa”. 

Fecha o EP a faixa Baratineiro, com a conterrânea do Roça Sound, a feirense Paula Sanffer, atual vocalista da Timbalada, que traz de forma marcante a axé music para agregar mais sabor à mistura que tem como ingredientes o rap e o bahia bass. Baratino é um termo usado aqui na Bahia para identificar aquele individuo caozeiro, mentiroso, que conta suas lorotas a fim de se safar de uma situação difícil. Tipo o que o Bozo vem fazendo nos últimos tempos tentando convencer a população brasileira de que nunca chamou o covid 19 e “gripizinha”, e que sempre fez de tudo ao alcance do governo brasileiro para combater a pandemia. Maior exemplo de baratineiro que temos hoje em nosso país.

A formação atual conta com o MC Nick Amaro, membro fundador do grupo junto com o MC Paullo Bala, o DJ Bonami e o dançarino Ed Murphy.  O Roça Sound vem de uma estrada que começou em 2007 e que tem bons registros lançados como o EP Você Guenta Quantos Rounds? (2015) e o álbum Tabaréu Moderno (2018)

Vamos encerrar deixando vocês com o comentário de Nick Amaro sobre o EP:

A ideia desse EP é conexão. É o que acreditamos e sempre fizemos! Trazer essas mulheres pro nosso público, conhecer e ir até o público dessas pessoas, conectar periferias, costumes, gírias, vivências, ritmos… A construção desse EP também aconteceu de modo muito natural, foi fluindo.  Só nos atentamos que tínhamos praticamente um EP pronto, quando me vi com 3 músicas em mãos com as vozes delas. Foi daí que partiu a ideia da produção. Mas isso  é o resultado de conversas de camarim, de conexões entre um encontro e outro. Conhecemos elas em apresentações, ficamos fãs e o convite para uma parceria foi acontecendo – com elas o com mais alguns outros artistas que nos identificamos. Temos sempre a sensação de que um bate papo, uma conversa do passado, pode virar um trabalho no presente.”

Mais sobre Banana Atômica

Nascido em janeiro de 2019, o Banana Atômica é um selo e por vezes produtora sediada em Feira de Santana (BA) e encabeçada por Joilson Santos. Joilson já tem mais de dez anos de carreira e é um importante produtor na cidade, sendo o criador do festival Feira Noise, além de shows e eventos que movimentam a cena no local.

Mais sobre o Roça Sound no Oganpazan:

Roça Sound com o bonde pesado do Tabaréu Moderno (2019) 

Paula Holanda Entrevista: ROÇA SOUND

 

 

 

Matérias Relacionadas

Cidade Chumbo – Pílulas Diárias de Insurgência (2019)

Danilo
6 anos ago

Top 10 é o caralho – arte leva tempo

Danilo
5 anos ago

Bitches Brew (1969): o álbum que mudou o jazz!

Carlim
9 anos ago
Sair da versão mobile