Hoje é muito fácil chegar e falar que o Bob Dylan é um gênio, que o Led Zeppelin é visionário ou que o Frank Zappa quebrou todos os padrões sonoros para poder criar algo realmente novo. É um fato, sem querer tirar sarro dos verdadeiros entusiastas, mas falar isso hoje é dia é praticamente chover no molhado.
Quem entendia, entende e entenderá de música até o coração parar de bater já tinha esses caras como deuses na mesma época que os clássicos destes respectivos gênios começaram a sair. Falar da boca pra fora e andar com camisa depois de ouvir meia dúzia de sons é fácil, defender uma opinião na época dos caras que era complicadíssimo. Por isso que o Robert Shelton ganhou meu respeito, por que além de ter convivido, tomado um vinho e visto centenas de show do mestre Dylan, o jornalista ainda percebeu algo que poucas pessoas tiveram a sensibilidade de sentir quando o trovador começou: ele era diferente.
Foi exatamente nos primeiros shows que o poeta fez na vida, no começa de toda essa odisséia, passando pelo empoeirado e Cult Village, que Robert elogiou um disco de estréia que toda a cena malhou. Mais do que isso, Shelton mostrou opinião e combateu a visão quadrada de muitos que cansaram de ofender esse e mais vários outros nomes que antes eram menosprezados, mas que hoje (ainda bem), são mais cultuados que o próprio Jesus.
E o resultado não poderia ser melhor, apelidado de ”Bíblia Dylanesca”, ”No Direction Home: A Vida e a Música de Bob Dylan” é, sem dúvida alguma, um livro fantástico e que será o suficiente para saber tudo que você sempre almejou. O resto é uma tentativa frustrada de encher linguiça.
Dylan sempre me chamou atenção justamente por não tentar chamar a atenção das outras pessoas e por emanar o provérbio clássico do ”Foda-se” como se fosse poesia concreta. Eis aqui uma mente que sempre esteve pouco ligando para as críticas, que ajudou a firmar o Folk, cansou e anexou o Rock ao nome. Foi xingado por isso, perdeu a camaradagem do ”The Hawks” (The Band) como banda de apoio e voltou ainda mais Rock ‘N’ Roll para virar messias, após algumas temporadas como Judas, o traidor, é claro.
Shelton não só descreve a vida de Bob, essa parte é bastante importante e óbvia no processo, afinal de contas é uma biografia, mas ele não se limita aos detalhes, não fala só o nome dos vinhos que o cidadão apreciava, ele analisa o mito antes mesmo dele nascer. Acompanha seu surgimento e faz considerações absolutamente impressionantes. Não foi só ter as informações, a profundidade da análise é o que faz esse livro ser completamente indispensável e assim como o biografado: totalmente a frente de seu tempo.
Mas não só isso, o ex colunista do New York Times também mostra como é possível escrever com paixão, com vontade mesmo e deixa claro para os escritores que uma biografia não é só resumir as coisas, é como um tratado, a tarefa é eternizar e falar o máximo possível sobre determinado momento histórico.
Por isso que esse livro é praticamente perfeito, por que pega desde a infância, capta as mudanças na época da faculdade que o judeu nunca chegou a ir realmente e claro, aborda cada centímetro dos clássicos deste, hoje, revoltado aposentado.
São de fato várias facetas, acidentes de moto, manias e tudo que o escriba colocar nas linhas, Bob foi tudo isso e mais um pouco, pois infelizmente, esse livro precisava ser entregue. São 768 páginas que a Larousse fez questão de liberar em 2011 e que merecia prensagem infinita, por que o trabalho é de fato brilhante.
Primeiro por que o Dylan é fantástico e segundo que Shelton, um dos poucos amigos do mestre, não teve medo de falar mal e justifica sua tarefa de escritor: ele não apenas batuca as linhas, assina um tratado e faz análises que nem hoje em dia, mais de 40, 50 anos depois, nós, com tanta informação conseguiriamos soletrar no papel.
Excelente leitura, a Larousse só vacilou em não ter feito o livro com capa dura, o registro merecia e pelo preço que as publicações custam era o mínimo, mas enfim, vale a pena até na brochura. E o mais impressionante é que mesmo o conteúdo parando no final da década de setenta, você nem vai precisar ler algo mais atual, tudo que precisaria ser dito está aqui, acredite, se você não leu, realmente não captou a essência do mestre, magnitude e grandeza que essa tese de doutorado consegue começar e finalizar com maestria.