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Rise Up (2009) – Levante-se e ande

RiseupPressPosterQue a Jamaica tem no reggae seu maior patrimônio cultural, todos que estão atentos o sabem. Mas como a cena da música reggae esta naquele país hoje? A impressão que se tem ao assistir Rise Up (2009) é de que por lá as músicas nascem da relação do individuo com a comunidade e que sem o reconhecimento de seus iguais um artista não floresce. As produções nos são apresentadas como processos orgânicos que mesmo com todo marketing, ainda precisa passar pelo crivo rigoroso do povo jamaicano.

Hoje é comum vermos surgir em muitos países artistas fabricados por produtores inescrupulosos. Estes detentores de fórmulas e dos meios de divulgação nos empurram goela abaixo toda sorte de farsantes. Outras vezes vemos pessoas que possuem real talento serem tragados pela ilusão do sucesso imediato. Esquecem que os verdadeiros artistas tem um caminho a trilhar, a fim de aprofundar o uso do seu próprio talento, desenvolvendo sua própria voz, seu estilo. E é esse caminho que o diretor, pretende nos apresentar.

É interessante notar que o filme, não nos propõem uma visão idealizada do mercado jamaicano, pois quem acompanha os lançamentos provindos daquele país, não consegue se lembrar de artistas enlatados. O filme de Luciano Blotta é uma investigação sobre a música jamaicana contemporânea, ancorado na realidade nua e crua. Ao invés de buscar um cenário amplo do mercado e dos artistas emergentes naquele país, ele escolhe nos mostrar três exemplos de cantores/compositores que lutam para vencer no mercado através de mecanismos distintos. Abrindo mão de muitas entrevistas e contextualizações, somos levados a conhecer melhor as casas, os bairros, as famílias, enfim, uma proximidade maior que enriquece os personagens e consegue passar impressões mais realistas sobre as pessoas e suas intenções. São três os contextos sociais investigados pela câmera: gueto, bairro nobre e o campo.

Turbulence, Ice Anastacia e Kemoy são três jovens artistas encontrando a câmera em suas lutas para superar as situações sociais e econômicas que os distinguem. O jovem do gueto, Turbulence, demonstra seu talento e luta para encontrar seu rosto nas paredes de Kingstom, nos lindos painéis pintados onde já se encontram outros grandes heróis da comunidade: Gregory Isaacs, U-Roy, Bob Marley e etc. Ice Anastasia quer alcançar o sucesso, amparado por sua condição confortável. Kemoy não visualiza de imediato, muitas possibilidades, ela precisa ser descoberta. Cada qual de sua maneira própria luta para superar sua condição. E um dos méritos do filme é justamente acompanhar de perto essa luta.

Turbulence, o menino do gueto, luta pelo reconhecimento de seus pares e pela visibilidade junto ao mercado. Morador de um bairro pobre de Kingstom, o acompanhamos junto aos seus amigos e família, depois de alguns discos lançados em sua incipiente carreira. Ele sabe, tem internalizada a necessidade de projetar sua voz dentro do gueto e ser reconhecido pelos seus pares em todo país. Não existem garantias. Por estar na mesma condição que a maioria de seus conterrâneos, ele não pode simplesmente mimetizar outros artistas. Precisa superar através do seu talento essas dificuldades, que é a de todos, de forma singular e ao mesmo tempo contribuir para a comunidade com sua arte. Essa contribuição está justamente na mensagem e no poder da sua música.

Neste sentido o filme, propõe que na Jamaica (pelo menos no que se refere ao reggae) o cânone é duro e trabalha uma noção muito interessante de superação das adversidades econômicas e sociais por um lado, enquanto busca a iluminação religiosa de outro. Fica claro que o reggae é um modo de vida a inspirar toda nação, que não suporta mentiras, posturas falsas e não se deixa enganar, talvez o último terreno de poder do povo jamaicano. País ainda muito pobre e pouco desenvolvido em sua força de produção material, a Jamaica ainda se encontra na mesma posição social e econômica que se encontrava no meio dos anos 60, com um abismo econômico e social separando ricos e pobres. Essa situação faz dos sound systems o melhor ponto de divulgação. Mesmo contando com a televisão e o rádio, são nestas apresentações que os artistas fazem seus nomes. Não por acaso vemos o desespero de Turbulence – já aclamado nos sound systems – para fazer um vídeo clipe e ser visto pelo resto do país, ser conhecido como aquela voz que se ouve no rádio.

Rise Up (2009) – Levante-se e ande

Ice Anastasia é o típico filhinho de papai, cheio de marra e vestido com as roupas certas, em sua mansão fumando ganja e posando de reggaeman. A antipatia é instantânea e confesso que fiquei contente ao vê-lo cantar e mostrar que o talento não é algo que se compra. A câmera o acompanha dentro de seu carrão discursando sobre como ele é talentoso e como as coisas vão acontecer pra ele e blá, blá, blá. Fake até o último fio de cabelo. Num estúdio dentro de uma área central ele é insultado. Não fica claro ao certo pelo que, mas poderíamos presumir que a agressão verbal se dá pelo fato dum playboy colar no gueto querendo posar de reggaeman. Ou talvez tenha deixado falha com o agressor, o que no final das contas dá no mesmo, ele é um vacilão. Para nossa surpresa (pero no mucho) Anastasia é escalado para tocar numa das noites do concorrido Sumfest em Montego Bay, balneário jamaicano, que recebe os turistas e endinheirados daquele país. O que vemos no palco é risível e o público Jamaicano não perdoa, como tinha salientado antes o Turbulence: “Se você é ruim eles vão lhe dizer”. A apatia do público é visível e de repente vemos um homem dormindo na platéia.

Já Kemoy é uma verdadeira country girl, descoberta pela equipe enquanto visitavam um dos muitos sound systems na zona rural. Uma pérola bruta que cantando acapela emociona a equipe e o espectador. E a produção do filme, tendo preferido um approach mais próximo dos personagens, decide ajudá-la. Suzanne Couch, cantora e compositora, recebe a gravação feita de modo bruto, constatando rapidamente aquilo que nós já sabíamos: o talento da garota é óbvio. O diretor empreende então o projeto de ajudá-la a tornar-se uma cantora e faz com que ela receba chances junto a Sly, Robbie, Toots Thielemans, Lee “Scratch” Perry – todos ouvem a garota e não têm dúvidas quanto ao seu talento. Apesar de nunca ter subido em um palco, nunca ter gravado nada. Uma reflexão que o caso dela nos traz é justamente pensarmos a necessidade de construir uma trajetória, necessidade que todo artista tem. Como dissemos acima, não existe talento que resista muito tempo sem que aja conquistado seu próprio estilo. Uma boa cantora ainda precisa encontrar a sua voz.

O filme é uma excelente reflexão sobre os caminhos da música e o desenvolvimento dos artistas. Exibe um panorama sobre a atual música da Jamaica e coloca-nos em contato com realidades sociais distintas. Rise Up é construído como um road movie, circulando entre os espaços geográficos e sociais daquele país e entrevistando grandes nomes da cultura jamaicana. Ao mesmo tempo o filme opta por tratar pessoalmente os seus personagens principais, o que nos dá uma sensação de proximidade ou repulsa diante dos contextos que são abordados. Em momento nenhum a câmera de Blotta toma uma posição crítica, ela apenas se aproxima e acompanha os momentos, os locais, os corpos, a ânsia de Turbulence, os trejeitos de Anastasia, a pureza e a timidez de Kemoy.

O panorama apresentado é de que a rica história da música reggae continua sendo construída com os mesmos valores, originalidade, consciência social, politica e religiosa. Obviamente precisamos investigar mais a fundo e perceber quem são as figuras que emergem de lá para o mundo na atualidade. Conferir melhor se o que nos é apresentado corresponde a realidade em termos mercadológicos de produção na música jamaicana. Mas para os curiosos, a internet esta aí possibilitando – pelo menos quanto aos produtos finais – acesso direto. Cabe a cada um buscar essa compreensão e entendimento, pesquisar e refletir. De nossa parte, percebemos que os artistas que conhecemos da mais recente música jamaicana parecem seguir os pressupostos apresentados pelo filme, e isso lhes garante a aceitação e o sucesso, pois estão alicerçados nestes critérios. Não é atoa que, apesar dos nostálgicos, ainda se formam excelentes músicos por lá. Sizzla é um excelente exemplo e Turbulence é outro.

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