Rincon Sapiência lançou um dos discos mais esperados do ano, debatendo sobre temas-problemas da contemporaneidade com muita música brasileira
“Salve, salve
Vamos seguindo aqui nas nossas transmissões
Aqui no novembro manicongo
Com a música de Rincon Sapiência
Música que foi inspirada no conto fictício
Do escritor Danilo Albert Ambrósio
Que conta a história do escravo Galanga
Que gerou uma grande reviravolta no engenho
A partir do momento em que cometeu um crime bárbaro”
-Intro
O disco de estreia de Albert Ambrósio se trata um álbum conceitual, algo muito comum na cultura rocker, que consiste basicamente em apresentar músicas correlacionadas ao mesmo tema.
“Intro” apresenta o tema, uma metáfora que presumo que seja sobre a jornada do próprio autor, e o disco segue com histórias nada fictícias intrinsecamente ligadas ao passado escravocrata que infelizmente ainda não foi superado, descritas em músicas como “Ostentação À Pobreza”. Mas também fala de querer e poder ter muito mais do que o mínimo existencial, focando majoritariamente na autoestima dos pretos, na representatividade, na moda, e consegue chegar até em questões sensíveis ao feminismo, sem tentar tomar local de fala (finalmente, alguém!). Mesmo em histórica desvantagem, a sensação de toda a obra é de poder.
As referências feitas por Rincon Sapiência são positivas. O que quero dizer com isso é que elas têm como fim falar sobre negritude de uma maneira que faz com que seu público conheça as faces de uma história(s) que não nos é contada na escola – a que permite lembrar que pretas e pretos foram rainhas e reis.
O tempo rege o ato na obra do artista, e isso é a melhor coisa pra se acontecer em épocas como a que estamos vivendo – “Galanga livre” já representa um documento importante sobre o momento musical e social do nosso país hoje.
A mistura de gêneros musicais é bem marcante na carreira do autor, e o disco consolida esse “padrão-não-padrão”, que é, por sua vez, próprio da música popular brasileira. É uma obra de rap brasileiro do mais autêntico, tem trap, boombap, samba, funk carioca, rock e tudo mais que couber classificar, sob a influência primeira de sua ancestralidade africana e um forte apelo melódico com presença de refrãos atraentes e arranjos de bom gosto.
Consigo imaginar facilmente “Amores Às Escuras” tocada pelo Olodum e os primeiros acordes do disco (em “Crime Bárbaro“) são como gostamos: com sample brasuca de “Jimmy Renda-se” de Tom Zé (ou seria “Dor e Dor”, “sampleada” pelo próprio compositor? Rs!). “A Noite É Nossa” me parece uma releitura maravilhosa de “Lanterna dos afogados” dos Paralamas do Sucesso, clássico do pop-rock brasileiro.
“Vida Longa” conta com arranjos originais de rock (gênero que Rincon tem bastante intimidade) feitos pelo próprio; Já “Moça Namoradeira” resgata e aumenta a vida útil da ciranda de Lia de Itamaracá. “Meu Bloco” e “Ostentação À Pobreza” representam no trap e a faixa-título é um petardo! A capa do álbum é uma arte que vale a pena por si só. Espero que saia em vinil…
O disco conta com quatro singles: “Ostentação À Pobreza”, lançado dias antes do álbum; “Meu Bloco” (carnaval 2017); “Ponta De Lança” (dezembro/2016) e a mais antiga “A Coisa Tá Preta” (maio/2016).
As impressões tidas do disco são totalmente isentas de imparcialidade: “Galanga Livre” representa o tipo de obra que eu esperava alguém lançar. Não que elimine outras possibilidades de álbuns ideais, né? Mandem mais!
– Rincon Sapiência e as histórias de Galanga Livre
Por Simone Almeida
FICHA TÉCNICA
Produção Musical: Rincon Sapiência
Mixagem, Direção e Coprodução Musical: William Magalhães
Masterização: Arthur Joly (Reco-Master)
Produção Executiva: Mariana Bergel
Produção Fonográfica: Rincon Sapiência e Boia Fria Produções
Selo: Boia Fria Produções
Fotografia: Renato Stockler