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Retrofoguetes, Enigmascope Volume 1 (2016)

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Meses atrás os Retrofoguetes lançaram um novo álbum e traçaram novas coordenadas para sua sonoridade.

Quando a garrafa se esvazia, deve-se evitar enche-la apressadamente. O processo de fabricação de um líquido que valha a pena preenche-la é longo, requer a execução de cada etapa com excelência. Os Retrofoguetes respeitaram essa regra, produziram uma obra prima. Mantiveram-se dentro do processo de criação, sem repetir fórmulas ou procurar reproduzir o que já havia dado certo. Rejeitaram esse caminho mais fácil, que exigiria menos esforço, permanecendo na zona de conforto, produzindo um material caça níquel para assumirem a condição de banda baile de rock.

Isso não está de acordo com os interesses da banda, que preferiu aguardar o momento de inspiração e vontade de realizar algo novo surgir para então comporem as músicas e gravarem um novo álbum.  Enigmascope Volume 1, novo álbum dos Retrofoguetes, figurará daqui alguns anos entre as listas dos grandes álbuns da música brasileira. A banda se envolveu em um projeto ousado, agregando novas formas, configurações e interesses estéticos. Para essa empreitada buscaram outros registros sonoros, trazidos da OSBA (Orquestra Sinfônica da Bahia) de músicos instrumentais dedicados aos mais variados instrumentos. 

O núcleo rocker foi preservado. Como um reator nuclear energizou todo mecanismo sonoro de modo a canalizar todos os esforços em uma só direção. Esse empreendimento resultou num álbum permeado por músicas intensas, alternando suavidade e selvageria, escapando e retornando em fluxos sonoros constantes. Em termos de rock instrumental, podemos afirmar convictamente não haver nada feito nesses termos na Bahia.

Certamente Enigmascope Volume 1 enquanto álbum possui todas as condições para tornar-se  seminal dentro da música brasileira. Para alcançar essa condição outros fatores tem peso maior, pois sabemos que não basta apenas que a obra seja grandiosa por si mesma. Nesse sentido é fundamental que o álbum seja divulgado massivamente, que seja colocado sob os holofotes. Isso não para recompensar o esforço da banda, mas para mostrar às pessoas realmente interessadas em música que foi lançado um álbum importante, potencialmente marcante para a história da música no país. 

Passaram-se sete anos desde o lançamento do excelente ChaChaChá (2009) , sete anos entre idas e vindas, que passaram pelo término da banda, retorno em um novo formato agregando novos integrantes, um excelente projeto paralelo, a banda Les Royales, em que os caras fazem covers de suas principais influências musicais. A banda nunca terminou pra valer como muitos acreditavam, certamente a falta de um material novo contribuiu para sustentar essa falsa crença. Mas as atividades realizadas pela banda, por seus integrantes fora dela em outros projetos musicais, levaram à preparação do terreno para que novos interesses brotassem. Livres da pressão de sustentarem uma carreira comercial, sem a obrigatoriedade de lançar com alguma frequência novos materiais, a vontade de fazer algo novo surgiu naturalmente. A vontade genuína de fazer um novo álbum foi o que motivou os quatro integrantes a iniciarem o processo de composição das músicas.

Em entrevista ao site Move, Rex, baterista da banda, falou sobre o conceito por trás do álbum: ” No Enigmascope, resolvemos tematizar o repertório. Nos anos de 1960, no auge da Guerra Fria, tivemos um boom dos filmes de espionagem, principalmente na Europa. (…)  O Enigmascope é quase um tributo ao gênero e a esses compositores. Compusemos os temas pensando em passagens de um filme e, da mesma forma que esses compositores, passeamos por vários gêneros musicais.” Leia a entrevista na íntegra clicando aqui

Seria interessante algum cineasta filmar a película que se passou na cabeça dos Retrofoguetes e gerou a trilha sonora registrada no álbum. Confesso ter ficado curioso para vê-lo. A “trilha sonora” que compuseram revela uma história recheada de suspense, momentos de tensão, de romance, sensualidade e ação. Vou ousar traçar através das músicas qual estrutura eu particularmente montei para a história. 

Meu tema de abertura para o filme Enigmascope é a faixa que encerra o álbum, O Homem de Moscou. A dinâmica cadenciada alternando zonas de intensidade através dos ataques dos naipes de metal prendem a atenção, fixando nossa mente em algum ponto, esperando sempre pelo início de algo. Interessante notar a intensificação da música quando o final vai se aproximando. O naipe de metais começa a realizar ataques “corridos”, acelerando um pouco o ritmo anunciando a aproximação do ápice, que chega com o ataque final quando todos os instrumentos lançam sua nota prolongada e o fim chega. O filme começa. 

Hotel Cruzeiro seria a música para a sequencia de cenas que apresentam a trama ao espectador. Tema leve, timbres limpos de guitarra desenvolvendo a melodia, ritmo bossa nova, tudo nos remetendo ao desdobramento de alguma conversa num encontro informal, que não levantaria suspeitas, mas o que parece uma conversa trivial para quem está exterior ao diálogo é na verdade a revelação de uma crise de proporções mundiais. A rápida introdução de Martini Cianeto pode ser usada no clímax de um arco, quando algo inesperado está preste a acontecer. Segue melodia cadenciada perfeita para ser usada em ambientações informais, por exemplo, aquele momento em que o agente está no bar, observando, tentando captar algo que exponha algo suspeito. 

Agente Duplo, faixa que abre o álbum, é explosiva, carregada de ataques dos naipes de metal, andamento rápido e pesada. A percussão se encarrega de dar toda sensação de movimento. Sem dúvida seria usada nas cenas de ação, quando o agente for perseguido por alguém ou estivesse quebrando o pau com os capangas do vilão. Em Supersonica a formação básica é retomada. A marcação forte permanece unindo-se ao peso das guitarras e do baixo elevando o nível da tensão em torno da música, controlado pela resistência imposta pelo timbre do órgão. Essa faixa remete a cenas de ligação entre um momento e outro da história. Quando o agente recolheu as informações necessárias e está preparado para agir. Ele se dirige até o local onde a ação irá se desenrolar e a câmera o segue em close enquanto Supersônica é executada ao fundo.

El Víbora serve-se de andamento lento, destacando as notas graves, gerando fortes vibrações, sugerindo a chegada de algo terrível. Isso está implícito desde o título da faixa. El Víbora nada mais é que o super vilão prestes a colocar em prática seu plano de dominação global. Essa música cumpre bem o papel de dar ao vilão o estofo maligno necessário a transmitir o perigo que o caracteriza. 

Nessa trama Miss Cuba é a femme fatale, movimentando-se suavemente pelos contornos melódicos, sustentados pela cadência devidamente balanceada das percussões e harmônia. O calor sensual aumenta na mesma proporção de sua periculosidade. Cabe ao desfecho revelar a real intenção dessa personagem enigmática, sensual e perigosa. Hong Kong A-GO-GO alterna peso e suavidade criando a tensão necessária à uma sequencia de ação. O uso de pequenos riffs inspirados na estrutura melódica oriental ressalta o contexto geográfico onde tudo se passa. Filme de espionagem que se prese tem que rodar o mundo e a trilha sonora, claro, tem que acompanhar. 

Soturno é a faixa que acende o suspense e o intensifica ao longo de sua execução. Gera o clímax do filme, a preparação para a resolução da história. Trata-se de caminhar até a cena capital, em que todo mistério finalmente será revelado e os desdobramentos finais se iniciarão. Nem só de tensão, ação e suspense vivem os filmes de espionagem. Há espaço para descontração nessa trama dos Retrofoguetes, Tic-Tac Boom! faz essa ambientação sugerindo situações levemente divertidas.  Ultrasecreto retoma a tensão numa cadência faz pulsar a melodia principal nas paletadas insistentes que ressoam notas alternadas cuidadosamente. Ao final um acorde ressoa pondo fim à tensão, revelando algo importante. 

Já Il Segreto seria a música final, quando a última cena se encerra e os créditos começam a subir. O dedilhado da guitarra tendo o permanente som cheio e volumoso do teclado ao fundo leva o expectador/ouvinte a experimentar a sensação de um fim impactante, cheio de emoção! Conexão Istambul mostra outra missão a ser cumprida em uma outra parte do globo. Pelo andamento, riffs e ritmo percebemos que trata-se de mais um momento de ação se desdobrando em muitas cenas de perigo, superadas com maestria pelo personagem principal da trama.

Os Retrofoguetes já rodaram todo país apresentando seu novo álbum em grandes shows. Assim como o Agente Secreto de Enigmascope a banda percorreu uma extensa porção geográfica afim de cumprir sua missão. O plano foi colocado em prática, sua execução feita com maestria gera discussões e apreciações diversas, mas apoiadas no ponto em comum de que se trata de um trabalho grandioso!

Ficha Técnica:

Enigmascope volume 1

Todos os temas desse disco foram compostos e executados pelos Retrofoguetes:
Guitarra, sitar elétrico e violões: Julio Moreno
Guitarra: Morotó Slim
Baixo elétrico e violões: Fábio Rocha
Bateria: Rex/bateria
Produção: André T.
Gravação, mixagem e masterização: André T
Estúdio: Estúdio T
Cidade: Salvador/BA
Ano de Lançamento: 2016 Disco desenhado na Santo Design por Iansã Negrão e Rex, com fotos de Pico Garcez, em julho de 2016. As tipografias são Cooper Black, de 1926 e Surveyor, de 2014.

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