Reggae na Bahia, Rastafári não é rastaflower!

Reggae na Bahia é um artigo que visa pensar os caminhos históricos e a situação atual da raízes originais do reggae e da cultura rastafári!

Partindo de uma análise histórica aprofundada fica explícito que todo e qualquer ritmo musical carrega em sua essência o dna da cultura que a gerou. Entretanto, a propriedade de uma manifestação cultural não implica em exclusividade, e o contato entre os povos gera também assimilações e trocas interculturais. É nesse contexto que várias expressões tem sua origem esquecida ou apagada e “re-inventada” a partir de novas narrativas e bases culturais. 

A música sempre teve uma importância fundamental na história da humanidade, sendo essencial na formação psíquica e consequentemente cultural de grande parte das sociedades. Nesse sentido, a África, enquanto berço da Civilização é também o berço da música, a qual em princípio consistia em um veículo do comunicação com as divindades, por isso, considerada sagrada e exercida por grupos sociais específicos. 

O episódio histórico da Diaspóra Africana decorrente da escravidão, dispersou os povos africanos e com eles suas manifestações culturais, incluindo a música, por todos os continentes do Planeta. Submetidos a essa nova realidade sócio política criaram novas formas de expressão a partir dessas antigas tradições, utilizando o sofrimento e o desejo de liberdade como combustível e inspiração para recriar a sua propria realidade, uma onde o Preto possa ser quem ele quiser e seja visto não pelo que tem por fora mas sim pelo que emana das profundezas do seu coração. É desse contexto que surge a quase totalidade dos ritmos musicais mais populares do mundo moderno, desde o Samba no Brasil, o Blues, o Soul e posteriormente o Rock nos E.U.A, a Salsa cubana e finalmente o Reggae jamaicano, foco principal desse texto.

Com a possibilidade de registrar canções em discos, tem início na sociedade ocidental, um fenômeno de proporções mundiais, onde a música estava no centro e tinha o poder de criar ícones populares que, devido a sua capacidade de influenciar pessoas, alcançaram o status de celebridades. Esses ícones geraram em torno de si e de sua arte toda uma estrutura empresarial que, depois de pouco tempo, passou a controlar e criar artificialmente esses personagens.  O que isso tem haver com Reggae?? Tudo.

Assim como o Blues, o Rock, o Jazz, o Soul passaram anteriormente, o Reggae passa por um processo de tentativa de apagamento da sua origem e substituição dos seus protagonistas tradicionais por outros mais adequados às expectativas de uma audiência que “gosta do fruto mas não gosta da árvore”. Em sua origem o Reggae consiste em uma música rebelde, feroz opositora do colonialismo europeu e de afirmação da cultura africana, a partir da visão Rastafari. A ascenção artística daquele que viria a ser o seu principal representante, proporcionou a popularização dessa música e o aparecimento de outros personagens. 

A importância de Bob Marley, transcende a sua atuação enquanto músico, se constituíndo como uma referência espiritual e politica. A música para Marley constitui um veículo para suas mensagens revolucionárias, muito além do puro entretenimento. É nessa trilha desbravada por Bob Marley que outros como Peter Tosh, Bunny Wailer, Burning Spear, Israel Vibration, Steel Pulse e muitos outros e outras, seguiram, afirmando a luta pelo reestabelecimento dos Africanos ao seu lugar de direito na história da Civilização Humana.  

No Brasil, o Reggae em sua origem também representou a voz dos oprimidos, principalmente pelo protagonismo de um dos seus pioneiros, Edson Gomes. Entretanto, a partir dos anos 90, uma convergência de fatores sociais levou a uma explosão de bandas alternativas, entre elas, novas bandas de Reggae, mas desta vez com membros oriundos da classe média, e em sua maioria, fenotipicamente brancos. É nesse contexto que surgem bandas como Nativus, atualmente Natiruts, Skank, Maskavo, Tihuana, Planta e Raiz. Cidade Negra e O Rappa também fazem parte dessa geração mas apesar da sonoridade Pop, considero como bandas com letras mais combativas do que as bandas anteriormente citadas, cujo argumento central passa a ser a exaltação da natureza e do bem estar individual. Na Bahia também surgem representantes locais desse Reggae Pop nascente em nível nacional.

Ainda que inicialmente seja necessário uma identificação estética ao menos superficial com a matriz original para produzir uma sensação de autenticidade ao público, após os primeiros “sucessos”, esta matriz estética já não é mais necessária e pode ser livremente substituída por outra mais adequada ao perfil do público alvo. E como em um “passe de mágica” temos o desaparecimento dos autênticos e a substituição por “Cosplayers”, que não trazem a essência original em sua arte. 

Para estes artistas é mais importante falar da “paz” e do “amor”, palavras muito citadas em suas canções. O que significa, ou como se materializam na sociedade esses conceitos abstratos, na maioria das vezes não fica claro ao ouvinte, servindo assim como meras palavras de efeitos, vazias e repetidas pelo seu carater genérico. De repente, não é mais interessante falar sobre a cultura da África, nem sobre os problemas gerados pelo racismo que estrutura toda a sociedade ocidental. De repente, os Dreadlocks, não são mais necessários, nem representam mais a luta contra o racismo e sua imposição estética, podendo ser substituidos por um visual menos agressivo e mais “clean”. De repente, usuários da erva sagrada não são mais bem vindos em eventos de Reggae e o consumo do álcool passa a ser a regra. E por fim, lentamente o natural vai sendo substituido pelo artificial e sua origem rebelde termina sendo diluída no oceano do politicamente correto.

 

Por outro lado, existe também a vertente pentecostal que, apesar de alguns aspectos semelhantes com a visão Rastafari, baseiam suas interpretações em uma visão mais próxima das outras vertentes petencostais ocidentais, cujo foco é Israel e não a Etiópia. Gerando um fenômeno no mínimo curioso, que é a negação do principal referencial do Movimento Rastafári, o Imperador Tafari Makonnen, e sua substituição pelo Jesus bíblico, criado pelos Concílios Católicos e reciclado pelas vertentes protestantes. Um personagem tão abstrato e artificial quanto o amor cantado a beira mar pela classe média. Tal associação entre Tafari e Yoshua/Jesus se dá pelo parentesco comum com o Rei Davi, o que levou a interpretações sobre uma possivel reencarnação, hipótese descartada pelo próprio Tafari Makonnen. Em geral os “Reggaeiros de Jesus” evitam em falar sobre questões raciais, opressões de gênero e de classe, se resumindo a pregar “o amor de Jesus” e transformando seus shows em cultos evangélicos. Logo, as canções se tornam um repetição de clichês jamaicanos intercalados com gritos de “Em nome de Jesus Cristo”. 

Não é objetivo desse texto ditar regras, nem padrões morais e estéticos para quem quer que seja. Acredito que existem gostos de todos os tipos e espaço para todos que desejam se expressar através da arte, mas acredito também que a essência de cada cultura deve ser respeitada, e preservada, porque sem raiz a árvore não sobrevive. O Reggae ficou mundialmente conhecido por causa da cultura Rastafári, esse fato histórico deve ser sempre lembrado e respeitado, para a sua própria sobrevivência. Cabe ao público que gosta da musica Rastafári incentivar as bandas autênticas e fortalece-las não somente com likes mas também financeiramente indo aos eventos e consumindo sua arte nos streamings.

-Reggae na Bahia, Rastafari não é rastaflower!

Por Bobo Tafari

 

 

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