Refugiadas, banda punk paulistana lança seu primeiro álbum, um grito furioso contra as diferentes formas de opressão infligidas aos condenados e condenadas desta terra.
Refugiadas e combativas
Refugiadas! A banda punk paulistana expressa em suas letras e no modo de executarem suas músicas, o sentido presente em seu nome. Originalmente, refugiadas define aquelas pessoas obrigadas a deixarem seus lares, sua terra natal devido à guerra, perseguições de toda ordem, seja por questões religiosas, políticas, pela fome, devido a desastres naturais, dentre outras causas.
Num sentido mais amplo, refugiadas são quaisquer pessoas rejeitadas pela família, pelos amigos, pela sociedade de um modo geral por se recusarem a se enquadrar nas personas que refletem a imagem construída pela moralidade do cidadão e cidadã de bem. Sabemos bem serem na verdade construções erigidas por ferramentas machistas, heteronormativas e racistas.
As refugiadas são todas as pessoas que fogem desse enquadramento forçado, as pessoas que estão em busca de lutar pelo seu lugar no mundo, no qual possam ser elas mesmas e ter sua dignidade humana garantida, quando não, respeitada!
Nesse sentido, as Refugiadas fazem música para dar voz às questões que afligem os refugiados e refugiadas desta terra controlada por senhores cruéis e desumanos.
Som pra ressoar a luta contra a opressão
As Refugiadas formaram a banda em um momento crítico para o país. Não bastasse a catástrofe que foram os quatro anos de governo militar e fascista de Jair Bolsonaro, ainda houve a pandemia, cujos mórbidos resultados foram potencializados pela postura inepta e genocida da nossa versão tropical de Mussolini.
E foi bem nesse momento distópico, cujo ápice, talvez tenha sido 2021, que a banda nasceu. As composições que formam o álbum de estreia da banda, trazem consigo um sentimento que foi experimentado pela parcela da população brasileira consciente do que estávamos passando.
O álbum Refugiadas é um álbum de revolta contra os mecanismos de opressão que são postos em funcionamento em nossa sociedade por uma classe dominante que busca de todas as formas nos fazer de combustível para sua máquina produtora de lucro.
Esse sentimento, que muitas pessoas experimentaram pela primeira vez durante o governo Bolsonaro, em especial durante 2020-2021, quando a pandemia, com apoio desse mesmo governo, ceifou centenas de milhares de vidas, é um sentimento que pessoas invisibilizadas pela mídia corporativa, experimentam desde que vieram ao mundo. Por serem negras, por serem periféricas, por serem mulheres, por serem homossexuais, por serem refugiadas.
Antes de analisar as letras e tentar compartilhar com vocês minha interpretação sobre essa pegada política da banda, quero falar sobre a sonoridade.
Eu já conhecia o estilo de cantar da Angelita, vocalista, porque acompanhei o trampo dela junto às Ratas Rabiosas. Inclusive escrevi algumas matérias sobre a banda aqui no Oganpazan. Então já fui ouvir o álbum esperando um vocal agressivo e cheio de fúria. Não me decepcionei!
Somou-se a isso a segurança das demais integrantes ao executarem seus instrumentos, armando a cama sonora sob a qual o vocal vai lançar as ideias da banda. A guitarra firme e frenética da Tatiana Bellare, a batera segura e versátil da Débora Gonçalves e o baixo volumoso e intenso da Riot Keu, são as partes que compõem esse todo explosivo e vibrante que é a sonoridade impressa no álbum Refugiadas.
Letras intempestivas, que atacam direto na jugular
Sendo uma banda formada no fatídico 2021, quando os índices de morte pela covid 19 atingiram níveis assustadores, graças a contribuição do governo genocida de Bolsonaro e sua trupe de milicos e terrraplanistas de toda espécie, nunca é demais ressaltar essa informação, a presença de músicas abordando temas ligados a essa fase mórbida da nossa história é mais que esperada.
Entre elas, Plano de Morte, faixa 3, mostra os elementos que articulam um mecanismo de morte . O fanatismo religioso, o olavismo e seu negacionismo, a exaltação ao militarismo, a sede por lucro e poder, partes usadas para formar essa máquina da morte que vitimou centenas de milhares de pessoas.
Sistema de Fome expõe a reprodução de uma lógica cuja consequência é lançar milhões de pessoa ao sofrimento dilacerante da fome.
E a música começa com a famigerada declaração do ex ministro da economia, o pusilânime Paulo Guedes, negando as estatísticas que contabilizavam cerca de 33 milhões de pessoas passando fome no país. Sobre essa declaração do Guedes você pode se informar melhor através desta matéria.
Estou certo que a escolha dessa fala abjeta dessa escória neoliberal como introdução da música teve a intenção de inflamar o ódio no ouvinte para entrar em sintonia com a banda. A música vai com boas variações entre riff e base da guitarra, baixão com os graves estalando e vocal agressivo, que após a primeira parte dá lugar a um solo intenso e curto de guitarra, que retorna na segunda parte em momentos chaves para dar intensidade a alguns pontos da letra e encerrar a música.
Povos Originários, faixa que encerra o álbum, começa com baixo e bateria fazendo uma espécie de duo, emitindo um som tribal, preparando para a guitarra entrar com “subidas” e “descidas” em seu braço, para a entrada do vocal que acompanha esse movimento da guitarra com a melodia.
A letra rasga os ouvidos com uma questão que permeia nossa história, desenrolada através de um processo de colonização cruel, que dizimou populações originárias inteiras. Infelizmente esse processo de aniquilamento das populações originárias não acabou, porque a ganancia por poder e lucro conduz ao contínuo massacre destes povos.
A letra exalta a postura de luta destes povos, que mesmo diante de um inimigo muito mais poderoso, mantém-se de pé e na luta. Embora, esse processo de saque e extermínio dos povos indígenas jamais tenha sido impedido por nenhum governo, claro, o governo genocida de Bolsonaro conseguiu agravar ainda mais a situação.
Enfraquecendo a FUNAI e as operações da policia federal em áreas indígenas, para beneficiar garimpeiros, grileiros e madeireiros. Vimos o resultado disso nas fotos que mostraram a condição sub-humana na qual os Yanomamis foram postos pelo governo genocida.
A primeira música do álbum aborda o que foi nosso Chernobyl, o caso do césio 137 ocorrido em Goiânia em 1987. A contaminação pela radiação foi proveniente de uma máquina de radioterapia abandonada em um hospital desativado.
Essa música tem andamento mais rápido, começa com aquele barulhinho da máquina que registra a quantidade de radiação no ambiente pra em seguida entrar um solo de baixo nervoso e cheio de volume. Rapidamente a banda toda entra em seu furor para mostrar as consequências desse descaso que recebeu o acobertamento do governo local.
Padrões de Beleza ataca o paradigma de beleza imposto pela indústria da beleza que se mostra em diferentes estratos da sociedade, desde o entretenimento, passando pela cultura e chegando à moral. Tudo isso erigido sobre uma fundação machista que luta para manter as mulheres submissas à vontade de nós homens.
Desta forma, a faixa sete, O Mulherão, dialoga com Padrões de Beleza, uma vez que expõe uma persona feminina que parte pras vias de fato como forma de lutar contra esses dispositivos de controle machistas, praticados por nós homens. Nesse sentido, a violência imposta contra as mulheres é respondida à altura, com violência, única maneira de fazer com que esse tipo de prática encontre alguma resistência.
E essa música tem um arranjo que nos coloca dentro de uma briga de bar. Fica fácil materializar a imagem de uma mulher botando pra quebrar em cima dos machistas que fizeram a péssima escolha de incomodá-la.
Eu queria que O Mulherão topasse de cara com o Mamãe Falei. No dia 05 de maio o ex deputado cassado invadiu a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive, em Campinas (SP), que acolhe mulheres em situação de violência.
Na verdade ele encontrou várias O Mulherão por lá. Entre elas estava a vereadora do PSOL, Mariana Conti, que enfrentou o ex deputado cassado. Contudo, não antes dele praticar sua atividade preferida: ameaçar mulheres. Ele ameaçou as mulheres presentes na ocupação, mostrando o estilo truculento do MBL de fazer o que consideram ser política. Você pode se informar melhor sobre mais essa ação de violência contra as mulheres praticada por Mamãe Falei clicando aqui.
O vídeo abaixo é do perfil da Soberana no Instagram (@soberana.tv). Nele podemos ver os depoimentos de várias mulheres que fazem parte da Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive que relatam as ações abusivas e ameaças feitas pelo ex deputado cassado Mamãe Falei às mulheres presentes na Ocupação naquela data.
Mamãe Falei que, nunca é demais lembrar, é ex deputado por ter seu mandato cassado devido às declarações ofensivas sobre a condição das mulheres refugiadas da guerra na Ucrânia, que segundo ele “são fáceis porque são pobres”. Caso você não conheça este caso, clique aqui para se informar melhor.
E completa essa tríade anti-machista a faixa que leva o nome da banda, Refugiadas. Essa música tem muitas partes cantadas a duas vozes. O que enfatiza a ideia de união e transmite uma força maior para a letra, que trata da sensação de perseguição constante que aflige as mulheres.
Novamente não consigo deixar de fazer uma correlação com mais esse caso de Mamãe Falei. O posicionamento combativo das mulheres presentes na ocupação, que se uniram para gerar força suficiente para rechaçar os ataques de Mamãe Falei, encaixam-se perfeitamente na ideia transmitida na letra de que a luta se fortalece através da união, da construção coletiva. Justamente o que vimos acontecer neste episódio em que mulheres reunidas coletivamente rechaçaram o ex deputado cassado.
Nesse sentido, ao cantarem que estão “cansadas de se esconder“, de terem sua “existência violentada, silenciar não deixar escolher” , mostram que a postura é de combate, tal qual ocorre com as refugiadas palestinas, citadas na letra como fonte de inspiração, que lutam para continuar existindo e se livrar do controle repressivo que lhes é imposto por um sistema patriarcal e xenofóbico.
Postura que encontra ressonância nas integrantes da Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive, em Campinas (SP), que desempenham o papel de acolher mulheres em situação de violência. A metáfora das refugiadas, ganha assim, uma dimensão concreta, um modelo de inspiração de luta contra uma opressão cruel e que não poupa suas vítimas. E que mostra a necessidade de erigir uma rede de acolhimento e de luta contra os Mamãe Falei da vida, que infelizmente não são poucos.