Rashid em “Estereótipo”, um diálogo demolidor com o Racismo Científico, em análise potente do nosso colaborador Alan Felix
Vocês conhecem Michel Dias Costa? Possivelmente, não. O nome artístico desse rapper, produtor e empresário é mais conhecido que seu nome de batismo. Afinal, são 14 anos de carreira construindo um legado na cultura hip-hop. Sim, eu estou falando de Rashid.
O rapper paulista possui uma vasta discografia que varia entre mixtapes e álbuns. Não pretendo aqui me debruçar sobre nenhum álbum em específico, mas analisar uma música em especial do álbum intitulado “Crise”. O álbum “Crise” foi lançado no dia 19 de janeiro de 2018, com 10 faixas musicais, entre essas faixas, destaco a música “Estereótipo”.
A canção “Estereótipo” ambienta a narrativa do álbum, o qual discute as crises pessoais e políticas que o personagem Michel passa ao chegar no trono (ou topo) do rap game. A track citada promove um debate sobre a questão racial da estereotipagem, fenômeno interligado ao racismo.
A palavra “estereótipo” é polissêmica, ou seja, possui vários significados. Segundo o dicionário online priberam (https://dicionario.priberam.org), ela pode significar: 1. [Artes gráficas] Chapa obtida pela fusão de chumbo numa matriz ou numa impressão. = CLICHÉ; 2. Trabalho feito com essa chapa; 3. Ideia, conceito ou modelo que se estabelece como padrão.; 4. Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial. = PRECONCEITO; 5. Coisa que não é original e se limita a seguir modelos conhecidos. = LUGAR-COMUM.
A partir do quarto conceito apresentado pelo dicionário, o rapper Rashid busca debater o estereótipo como demarcador de preconceito, mas especificamente de preconceito racial. Tal evidência aparece logo nas primeiras rimas da música quando ele diz “querem mandar no que eu visto, querem julgar quem eu sou/querem anular o que eu conquisto e que eu fique só com o que sobrou/pode procurar nos registro, meu, o que fazem com a nossa cor/e se você é mais um tipo eu, resista onde quer que for/porque/somos todos alvos, somos todos alvos aqui!”
Rashid direciona a questão do estereótipo para uma perspectiva racializada dos corpos negros. A construção do estereótipo sobre corpos negros advém da noção de raça que é formulada no século XVI e consolida-se no pensamento científico-político do século XIX. Sim, eu estou falando do racismo científico, e precisamente da escola positivista de criminologia que teve como um dos principais fundadores o médico italiano Cesare Lombroso.
Lombroso desenvolve a teoria da criminalidade nata, ou seja, que existiam indivíduos com características em comum (físicas e psicológicas), que os tornavam predispostos a atos criminosos. O pensamento fundou uma prática de identificação criminal biológica. A base desse pensamento perpetua-se até hoje na lógica do sistema de segurança pública, sobretudo da polícia.
O rapper quando escreve na canção “um dos 5 moleques no carro no Rio, podia ser eu/ou o Douglas que se foi no Jardim Brasil, podia ser eu/outro inocente morto a noite e ninguém viu, podia ser eu/e em nenhum desses casos cê nada sentiu, só se fosse eu!”. Ele apresenta não apenas casos do genocídio da juventude negra, mais sim como esse discurso lombrosiano constitui as noções deturpadas de estereótipos sobre o corpo da população negra. Deste modo, o rapper cria um caminho de análise sobre o racismo estrutural ao pontuar o estereótipo como gênese do preconceito racial que produz a discriminação racial. Todo esse processo resulta na segregação racial, nos diversos níveis da concepção do racismo (individual, institucional e estrutural), no encarceramento em massa e na interdição da identidade negra.
O diálogo que Rashid propõe na letra da canção é a desigualdade racial como “engrenagem social de dor e morte”, por causa do racismo que estrutura as múltiplas relações da sociedade brasileira, principalmente por ter “a definição de suspeito vem com uma tabela de cores”, ou seja, o racismo relaciona-se com a concepção de direito que legitima direta ou indiretamente este lugar, por isso ele canta “sua justiça morreu quando embrião, sua lei já falhou no protótipo/e o azar é daquele que assim como eu se encaixa no estereótipo, ótimo!”.
Aos irmãos e irmãs, “se você é mais um tipo eu, resista onde quer que for”. Resista e exista!
Asante Sana!
-Rashid em “Estereótipo”, um diálogo demolidor com o Racismo Científico
Por Alan Felix