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Rap nacional, mídia, público e passividade

Rap nacional, mídia e público ou Tudo que é genuíno será congelado pela passividade, enquanto o quinto elemento do hip hop não for a regra!!

 “Porcaria na Cultura, Tanto Bate Até Que Fura”  Itamar Assumpção

A internet e as redes sociais hoje são parcela fundamental e importante da vida humana, causadora de facilidades e local de adoecimento, disseminação de cultura, informação e fakenews. Facilitadora de amizades e amores, da mesma forma que palco privilegiado para as mais esdrúxulas manifestações  de ódio e ignorância. Houve um momento, onde a internet prometia ser um paraíso virtual onde somente a parte boa era usufruida na mesma proporção em que a conectividade era difícil para grande parte da população brasileira e impossível para a maioria.

Hoje vivemos o período da conectividade total, dada a experiência que possuíamos dez anos atrás. É crescente o número de pessoas que adoecem ou que não conseguem lidar com essa enxurada de informações e contatos, imediatos e nos mais diversos graus. Tudo hoje é vivenciado em tempo real, desastres, fofocas, almoços, férias, e muita gente se sente alheio a tudo isso.

Mais ainda, permanecem muitas vezes engajados de modo passivo a tudo que lhes chega, respondendo de modo reativo e ou apenas seguindo o rebanho. É ponto pacífico que hoje em dia, o tempo e o espaço para a reflexão estão escassos, por diversos fatores, mas sobretudo por uma ausência de intencionalidade para tal. 

A música independente viu e ainda encontra um local de escoamento de sua produção bastante interessante dentro da internet de modo geral e nas redes sociais de modo particular. Em muitos casos, algo que deveria ser complementar ao trabalho fora das redes, se torna exclusivo daquele lugar, voltaremos a isso depois.

O fato é que a internet quebrou de algum modo o trabalho de mediação que jornais e revistas faziam entre o produto artístico e o público. Existia um poder de atravessamento, entre a produção artística e a legitimação por parte dos críticos e da mídia que executava as músicas, que hoje é distante e longínquo, pero no mucho. Se antes o jabá era fundamental para que sua música estivesse em rádio e tv – o que certamente não morreu – hoje as plataformas e seus algoritmos suprem esse papel.

Os impulsionamentos pagos, cumprem um papel de jabá impessoal, dando a impressão para muitos de que a onipresença de certos artistas é orgânica. Do mesmo modo, críticas coerentes que buscavam comunicar ao público a importância de determinadas obras, hoje se permanecem, são invisibilizadas pelas noticias rasas, pelos releases onipresentes em diversos sites e por uma busca fácil de cliques em site de fofocas.

A todo uma parcela do público que é incapaz de ler, fato estrutural, mas que também age como crianças mimadas que não são capazes de ler de modo sensato uma critica aprofundada, e ou avaliar a coerência de uma crítica elogiosa. Da mesma forma, artistas que não participam do debate público e preferem os louros faceis da hiper exposição, em alguns casos bolando estratégias escrotas de marketing. 

A preguiça do público e o Império da desonestidade ou não joga pérola aos porcos, joga lavagem!

A música rap é hoje um fenômeno crescente no mercado da música brasileira, tendo “ganhado” alcance dentro do mainstream e ao mesmo tempo, há já alguns anos “ganha” capilaridade cada vez maior dentro da classe média. Junte-se a isso, números cada vez mais astronômicos no youtube, uma série de canais que se dedicam a análises e seria de pensar que vivemos o melhor dos mundo possíveis.

Não é bem assim, pois se novamente prestarmos um pouco mais de atenção, perceberemos que apenas alguns poucos foram ungidos como dignos de fazer parte do seleto quadro da MPB. E no entanto, isso não se reflete em fortalecimento real ao todo da cena, pois o funil legitimador, da classe média branca é estratégico. Dentro desse processo, instaurou-se um abismo entre os que usufruem do alto da pirâmide, um pequeníssimo grupo se segue, e a grande maioria carrega a pirâmide. Até aí nada de novo, não é verdade?

Afinal, a vida real é essa não? Sim, é assim que funciona o capitalismo e é assim que funciona o mainstream, no entanto, é risível ver o rap que se afirma hip hop comprar essa ideia com a mesma naturalidade com que paga pautas em grandes jornais, em pequenos veículos especializados e reacts. Como música de resistência, como arte de trincheira que sempre foi no Brasil, negra e periférica, é importante pensar estratégias que oxigenem o cenário como um todo. Não é salutar, fazer da meritocracia e do capital, o casal divino a ser adorado, isso é esquecer o que de fato é o hip hop como cultura, e a música rap no Brasil.

Parte da culpa de tudo isso é também do público, que sendo público de rap sempre se julgou e muitas vezes se autodenomina culto, crítico e atento às armadilhas do sistema. Da minha experiência empírica, existem dois tipos de público no rap hoje: aquele que utiliza a viseira que os burros usam e só olham pra uma direção. E existe um pequena parcela que pesquisa, vai nos shows da sua cidade com artistas locais, e conseguem curtir bons artistas de diferentes vertentes do rap.

Uma divisão simplista é bem verdade, mas de modo geral, é o mesmo na vida onde existem pessoas que buscam conhecimento e pessoas que aceitam a ignorância. A que não nos interessa o público que não ouve rap, e se deparam diante de um fenomeno mídiatico e já se sentem capazes de elaborar e divulgar sem o minimo de desfaçatez o que é o RAP, o que é o Hip Hop, os aventureiros são divertidos em sua arrogância.   

Pensando no primeiro caso de público, obviamente ele não está muito atento, não parece ter percebido os algoritmos do youtube atuando. Certamente, ele é preguiçoso pois consome apenas aquilo que é violentamente esfregado em sua cara. E de fato, está lhes faltando conhecimento pra perceber que no Brasil inteiro, em toda extensão do território nacional, mas sobretudo, ao seu lado, em sua cidade existem excelentes artistas que precisam de público. A irracionalidade e a preguiça intelectual é hoje uma das normas desse país, quiça de boa parte do mundo e certamente essa parcela do público a que estamos nos referindo não poderia fugir a esse padrão.

É nesse cenário virtual sem controle, onde os fungos, as bactérias e toda sorte de desvario e desonestidade em termos de mídia – comédia – encontram terreno fértil. Terra sem lei, velho oeste, onde verdadeiros pistoleiros fazem grana (grana é bom), com site de fofocas, traduções de matéria gringa – mal feitas – replique em massa de releases, assessores que fazem matérias para clientes. E também sites que cobram divulgação de novos artistas, e depois fazem lista de melhores de ano, o que gera no mínimo um conflito de interesses.  Associações loucas entre temas (quase surrealistas), e uma infinidade de canais de youtube que são profundos como uma poça turva.

Já falei de react pago em outro texto, mas ao que parece pra uma parcela bem grande, é uma prática legítima, justa e totalmente aceitável, para alguns é um verdadeiro modelo ético. Grande parte do problema hoje pode ser entendido pela confusão entre o binômio Publicidade/Marketinhg x Jornalismo/Crítica pode não parecer mais essa diferença existe. E é claro, se alguns veículos de mídia, querem fazer média se tornando comédia servindo os pratos mais requentados, o público preguiçoso agradece, e muitas vezes se alimenta com uma dieta que não instiga o seu pensar.

Ora, se uma parcela da mídia especializada se entrega a esse jogo fácil em troca de likes e views, porque todos sabem o quanto é difícil se manter nesse país, como seria possível condenar estratégias escrotas de marketing. É o mimimi da corrupção, argumento indefensável que quer se justificar como muleta de auxilio aos pobres artistas que precisam de visibilidade. Ora, se não possuímos um mercado editorial onde quem trabalha com produção de conteúdo dentro do rap não é remunerado, não há nada demais em fazer uma grana em troca de visibilizar quem tem dinheiro pra pagar. É risível, é o senso comum querendo através da ausência de capacidade ética de argumentação, se justificar. 

Ora, se é o marketing e a publicidade quem decide o jogo, e o dinheiro é o principal pra se conseguir chegar no topo, se manter passa a não ser mais um necessidade tão grande, viveremos todos nesse mundo das aparências. O release parece uma resenha, a reação parece autêntica, o flow copiado parece original, o tiro em direção ao palco parece verdadeiro, o ouvinte de rap parece inteligente, o digital influencer parece um crítico, mas diz que é só um ouvinte.

O preto parece um personagem de Atlanta, o indignado parece ter lançado uma diss, mais o frio é absoluto e congelou a autenticidade. Parece rap acústico mas é música de elevador muito ruim, um crítico de fora da cultura quer ditar quais os melhores discos de rap dos últimos dez anos. Não existe nada garantido, sabemos, mas poderíamos nos esforçar um pouquinho mais. 

A cultura hip hop não é e não deveria ser inimiga do sucesso e do dinheiro, isso é bom, o que não é salutar é a forma como isso tem se dado, às custas e alheio de talentos genuínos e da honestidade de muitos atores importantes da cultura. O mercado do rap, esse tem se tornado predatório em grande medida, minando qualquer iniciativa que se pretenda real, que não entre nesse jogo de cena, onde os caminhos da cena musical (hoje, carro chefe da cultura hip hop) são decididos em movimentos escusos. Pois, além de muita coisa ser decidida dessa forma acima mencionada, há também decisões tomadas antes mesmo do lançamento, através de um “network” que deixa as peças todas ajustadas para um sucesso avasalador, tipo o Renan: Com o judiciário, com tudo. 

Porque Riqueza de Verdade é Compartilhar ou Estamos Apostando o Dinheiro do Pão

Obviamente que é importante que os artistas possuam dinheiro para investir em suas produções, afinal gasta-se para comprar um beat, para gravar mix/master, e é ideal que se tenha grana para patrocinar seus links. Mas, até onde me lembro é através das pessoas que trabalham na mídia que os trabalhos deveriam chegar, prioritariamente, nas pessoas. Mídia = medium = meio, é esse o sentido original da palavra, que obviamente estou aqui simplificando. O público precisa buscar locais onde as informações vem acompanhadas de reflexão, e sobretudo, onde a pauta não foi paga, assim como ambientes virtuais de pensamento sobre a cena de modo geral, livros, filmes, discos.

Houve um tempo onde a internet era um lugar de pesquisa, onde os hiperlinks nos levavam ao desconhecido, onde os algoritmos não nos aprisionavam num buraco negro onde o mais do mesmo é o dogma inconteste. E o mais curioso é que isso tudo está aí, fora das redes sociais, que por incrível que pareçam não são a internet, são apenas os condominios fechados onde favelados e não favelados estão de algum modo aprisionados. É só procurar direitinho que você pode encontrar outras coisas, a cena brasileira de rap é rica de verdade, muitas produções vem à tona e são congeladas por um frio que é a expressão da imbecilidade e da desonestidade. E muitas vezes, ficamos aprisionados nas bobagens que essa rede nos oferece como prato fino. 

Há muitos artistas genuínos no seu bairro, na sua cidade, existem muitos sites com excelente produção de conteúdo, muitos canais de youtube de excenlente qualidade, mas pra isso você tem que procurar e afiar seu senso crítico: política, ética e esteticamente. Sempre foi essa a luta né non, nada de novo sob o sol?

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