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Rap Nacional, cultura hip hop, mercado e sucesso! Uma reflexão

Rap Nacional

Rap Nacional, cultura hip hop, mercado e sucesso! Uma reflexão a partir das relações do passado e do presente da cena!!

“O Segredo do Sucesso é Superar-se a Si Mesmo”

Pra início de conversa, são quatro S’s que poderíamos utilizar para conceituar o que significa sucesso. Contudo, sabemos que a visão do que se costuma chamar sucesso tem relação com um olhar de fora que sobre determina artistas. Reconhecimento amplo, muito dinheiro na conta, números que estouram os milhões de visualizações e seguidores nas redes sociais. Assim se define sucesso hoje. Pois é o mercado quem dita as regras de como vemos a arte, os artistas e sobretudo a cultura.

Recentemente, em uma participação histórica no programa Roda Viva, o rapper paulista Emicida deu-nos uma deixa muito importante para repensarmos a nossa cultura e suas relações com o mercado. Durante a entrevista, Alexandre De Maio o perguntou sobre a organização do movimento hip hop durante a eleição do Lula e como o rapper via hoje a questão entre esquerda x movimento hip hop. Emicida chamou atenção para o histórico de lutas e organização de resistência do hip hop nacional que transcendia os aspectos político partidários e ao situar as relações do rap nacional/hip hop com o mercado, disse:

O Mainstream quando absorve o rap, esvazia o movimento e foca na individualização do personagem absorvido, produzindo um efeito estranho e reacionário.” 

A indústria cultural em nosso país, ancorada numa estrutura extremamente racista dominada por brancos, geralmente se comporta diante de culturas populares de modo extrativista. Com o hip-hop não é diferente e nos parece que é esse o ponto em que a fala do Emicida toca de modo mais veemente. A individualização e o consequente reacionarismo (esquecimento de pautas coletivas), são hoje muito preocupantes. Esses dois efeitos da absorção do rap nacional pelo mercado, tem gerado muitas vezes produções que são cópias esvaziadas da força criativa dessa cultura. E ao colocar isso sob os holofotes, ao mesmo tempo tem produzido diversos processos adoecedores para quem não é alçado a esse posto. 

“A eletricidade passa pelas nossas veias, choque de adrenalina/ E eu no meio de tudo vivendo essa rotina de brilho e nicotina.” Matéria Prima

Aliás, é chegada a hora de entender que o game não existe. O que há é um grupelho formado por produtores brancos, por empresas brancas, por alguns negros inseridos, que decidem quem vai ganhar os louros. Assim como quem vai aparecer e ganhar dinheiro e quem não vai ser nem visto. Não é teoria da conspiração. Estamos diante de um dado da realidade que infelizmente deve ferir o ego de quem conseguiu furar o muro e foi escolhido para figurar nessa escala. Para que aja de fato um jogo, as regras devem valer para todos igualmente, e por óbvio a indústria cultural produz as suas próprias regras, caso a caso. 

Os mecanismos de operação do mainstream no rap brasileiro trabalham de modo a excluir e adoecer, gerando uma base enorme de artistas que lutam pela sobrevivência, sob o julgo de um topo ilusório. Um público muito ávido por lançamentos de singles dos mesmos artistas e muito pouco interessado em conhecer trabalhos novos, sejam de “velhos” ou recém chegados atores da cultura. 

Um outro dado é da ordem do própio mercado do rap nacional. Quantos artistas fazem turnê nacional de fato? Nas principais capitais do país, quantos artistas vivem de shows em suas cidades e estados? O que há de fato é uma luta no underground e uns 3, talvez 5 artistas que fazem turnê que podemos chamar nacional.

Em termos de produção de shows possuímos alguns aventureiros/extrativistas aqui e ali, investindo em shows nos diversos estados. Alguns poucos circuitos subvencionados pelos Estados e só. Temos também produtoras sérias trabalhando em alguns estados. Entretanto, por abraçarem artistas que realmente são o humus da cultura, não possuem nem de longe o mesmo alcance e retorno.

Como Emicida bem resaltou na entrevista na TV Cultura, é a cultura hip hop quem está nesse momento buscando viabilizar ações para as periferias. São artistas e produtores culturais, ativistas que estão nessas trincheiras. Mas essas ações não alcançam de fato o black money e muito menos a visibilidade necessária. Inclusive por não possuir essa intenção. E em tempos de pandemia, como estão sobrevivendo 90% dos movimentadores/produtores da cultura hip hop nacional, os streamings tão bem cantados em verso e prosa, estão dando conta?

“Like é moeda pra mendigo virtual/Estendendo a mão na esquina digital”

“Quem não produz é moído, engolido
Culpa dele mesmo não ter conseguido
Já que, agora, a gente é nossa própria empresa
Tem que cozinhar, atender e ser firmeza
‘Cê que se foda se é um só
Corda no pescoço, o mundo vem e dá um nó sem dó”

Uma curiosidade colhida de modo empírico é ver o quanto tantos artistas quanto produtores de conteúdo do rap nacional passam pelos mesmos perrengues que são frutos da estrutura racista do mercado e do racismo mesmo. São nos dois casos, excelentes profissionais que terminam muitas vezes adoecendo psicologicamente por conta da pouquíssima visibilidade, de nenhum reconhecimento apesar dos excelentes trabalhos.

Uma galera que muitas vezes canta ou escreve de modo muito crítico sobre as doenças do sistema mas não se dão conta que estão sob o julgo desse mesmo sistema doentio. Uma das formas de dominação no capitalismo é exatamente adoecer as pessoas! Entendemos que esses adoecimentos tem muito haver com a luta pela sobrevivência dentro de um sistema feito para tirar-nos todo o vigor da criação. Ansiedade e depressão são algumas das patologias mais comuns hoje no cenário do rap nacional “underground”, muitas vezes gerados por uma falsa impressão de que em algum momento, você vai virar o jogo. Que se você for “realmente foda” seu caminho vai se abrir e choverão milhões de likes e o dinheiro, finalmente vai brotar!

Nem todo mundo será patrão, essa é a regra do sistema capitalista e da indústria cultural que é o seu correlato no campo da arte. Num cenário que não possui sequer um circuito underground no rap nacional consolidado, beira ao desvario o pensamento de que muitos adentrarão o mainstream.

Associe-se a esse cenário tenebroso o fato de que artistas hoje precisam saber estratégias de comunicação e marketing, estarem presentes fazendo dancinhas nas redes sociais ou puxando tretas fakes. Alguns muitas vezes falando alguma bobagem em busca de engajamento. Individualização e circo virtual no rap nacional. Não fazemos aqui nenhum tipo de apologia do amadorismo, mas acreditar que essa forma de produção é algo saúdavel é doentio, o corre é louco e precisamos todos nos organizar, mas calma lá!

https://www.youtube.com/watch?v=mz7RgjWxDsk

Os grandes mestres da correria do under, De Leve e Tigrão meteram umas rimas que por si só já nos oferece elementos suficientes para entedermos de que forma podemos aos poucos e de modo sólido, fortalecer o hip-hop e o rap nacional! A faixa “Levante o Underground” é  bem “simples”, não tem nenhum traço inovador, é apenas flow, batida e rimas verdadeiras. Enquanto Tigrão rima sobre a valorização de quem faz a cultura acontecer, o caústico De Leve mete linhas sulfúricas para rirmos das bobagens do tipo: Hungria e 1Kilo. 

Mas dessa junção entre dois MCs já “velhos” você provavelmente não ouviu falar, no entanto está aqui um dos singles mais importantes do ano, para além do que o hype prega. Necessário, por apontar de que modo é possível e desejável lidarmos com aquilo que amamos: a cultura hip-hop e o rap nacional. Não se deixar levar pelo efeito manada de amar e ou odiar quem está sob os holofotes apenas por estarem sob as luzes da atenção já é um bom caminho. Pesquisar e valorizar diversos artistas de gêneros distintos, também é uma boa saída! Sim, eu sei é o óbvio ululante, mas ao que parece não é o que tem acontecido.

Recentemente, o Thaide entrevistou o Mano Brown – será que preciso apresentar? – e aqui temos uma peça digna de emoldurar na parede para nunca esquecer. Brown e Thaide falaram sobre o começo de suas trajetórias na música, e Mano Brown nos contou o quanto a falta de um tênis lhe retirou de um concurso musical em um baile. Porém, o que veio depois se tornou pra nós a liga daquilo que quisemos abordar aqui nesse texto. 

https://www.youtube.com/watch?v=1C2k5ctbbG8&t=1040s

“A gente fazia música falando do outro, mas falando de si mesmo”

Nesse momento da entrevista, Mano Brown faz uma analise que somente quem vive de verdade o game, o tabuleiro de xadrez da vida – jogo imperial e do colonizador – entende. A mentira do game no rap nacional é fazer uma abstração entre a vida e a arte, a cultura e os produtos extraídos da mesma. Esse procedimento nos dá a falsa impressão de que quem “venceu” esse jogo realmente o fez por mérito. O sonho de viver de música, as formúlas propostas por coachs do sucesso, as falsas ideias de que existe um sistema que premia quem é melhor no rap nacional é um cancêr, que tem corroído a mente e a vida de muitos. 

Tanto Mano Brown quanto Thaide sabem disso e escurecem muito bem o papo, dando-nos a perspectiva de quem tá dentro do game, mas que sabem que não é uma questão meritocrática.

“Uma rima boa, um beat bacana e uma pacoteira de maconha”

Em certa altura da entrevista Mano Brown toca numa questão profunda que é referente ao estudo e as promessas que são feitas a muita gente que está no corre de conseguir viver de música. Lutar na música não é algo fácil, muito pelo contrário poderíamos citar aqui milhares de nomes qye foram esquecidos ao longo do tempo. Da mesma sorte que poderíamos falar sobre o tanto de artistas com mais de 15 anos de carreira que seguem lutando, estudando e produzindo obras grandiosas, sem o devido “reconheimento”.

“O negócio é a luta”, diz o Brown a certa altura, e complementa: “Muitos de nós não conseguem alcançar o objetivo do ínicio e sofrem por isso”. Ora, sabe-se que não é dedicação que fará o retorno, e isso é bem importante de ser ressaltado. Contraponto importante é do Thaide que chama a atenção para o fato fundamental: “se confundiu o fato de fazer música porque se tem a necessidade de produzir música no dia a dia pra se sentir bem e fazer música porque se precisa ganhar grana”.

Dessa forma, o mínimo de senso crítico sobre Rap Nacional deveria nos guiar a ouvir artistas e pesquisar música, que não tem no sucesso entendido como dinheiro e visibilidade, aquilo que nos baliza. Pelo contrário, o apoio às mídias que visibilizam artistas que não possuem grandes números, e o apoio aos e as artistas do seu bairro, da sua cidade, são fundamentais nessa equação que minimamente propõem uma espécie de redução de danos. 

A admiração real pela arte e a cultura do hip hop, por mais que hoje esteja controlada pelos algoritmos, precisa ser reativada. Quem gosta do rap nacional precisa pesquisar os/as artistas, precisa indicar aos amigos e perder menos tempo criticando o que não gostam. Quem faz música necessita entender que o baixo consumo de sua arte possui diversos fatores influíndo, não é necessariamente culpa da sua falta de talento. Como bem ressaltou o Brown, estudar é fundamental, pois somente assim conseguimos nos centrar e expandir no que queremos.

Trouxemos aqui alguns exemplos de artistas mais antigos do rap nacional/hip-hop nacional visando mostrar a forma como o rap nacional tem se relacionado com o mercado. Se é bem verdade que há um crescimento no consumo da música, é também verdade que a cultura hiphop tem se deixado sobre determinar por olhares externos, estratégias. Essa sobre determinação é algo que tem gerado mentiras, exclusões, ilusões e adoecimentos. Cuidemos melhor de nós mesmos e daquilo que amamos, a cultura hip hop e nesse caso que aqui recortamos: os artivistas do Rap Nacional! 

-Rap Nacional, cultura hip hop, mercado e sucesso! Uma reflexão

Por Danilo Cruz 

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