O RAP NACIONAL não pode continuar a desconhecer a riqueza do cenário rap do Norte do país, a região reúne talentos diversos
Em nosso país e dentro do cenário do que se chama Rap Nacional, no máximo – hoje em dia – o eixo puxa um ou dois nomes de uma região e o transforma em Token para dizer: olha não invisibilizamos ninguém! O fato é que historicamente em nosso país os cenários de outras regiões que não o eixo Rio-SP padecem com a invisibilidade midiática e ao mesmo tempo com um público idiotizado e cruel. Uma crueldade por deixar de valorizar e prestigiar os artistas de suas quebradas, de sua cidade por estar teleguiado pelo que “estourou” ou simplesmente tem visibilidade no eixo.
Certamente, o trabalho de pesquisa feito pelas mídias independentes é falho pois em geral quando se tem um trabalho sério, faltam braços para dar conta de tudo que nos chega. E obviamente, quem está nessa prioritariamente por like e grana, não vai perder seu tempo e abrir espaço para artistas que não darão retorno certo de cliques. E assim, seguimos acumulando trabalhos que merecem visibilidade e artistas que mesmo sem glamour e grana, produzem com muita qualidade, e em muitos casos muito “mehor” que os estourados! É gente, os números mentem…
Nos últimos anos, na medida do possível temos tomado contato com o cenário do norte do país, e aos poucos temos conseguido abordar artistas como Victor Xamã, Westboros, Nic Dias, Bruna BG, MC Deeh e muitos outros que aqui tiveram acolhida. Exatamente por conta da qualidade daquilo que nos chegou e porque entendemos que não existem fronteiras na arte e muito menos na cultura hip hop. Curiosamente, o pensamento excludente do rap nacional não copia o modelo do lugar para onde eles mais olham.
As pessoas que adoram de paixão a história do rap norte americano, nunca consomem apenas o rap da costa leste, ou oeste, ou do sul dos EUA. E talvez não se deem conta que por lá, a coisa funciona tão bem exatamente porque eles, público e industria não partem da exclusão para construir uma cena, mas da adição.
Esse ano, o norte como sempre tem produzido muito e cada vez melhor, separamos aqui alguns artistas de estados diversos que acreditamos precisam ser mais conhecidos, confiram:
Ian Lecter (AM)
No ano passado Ian Lecter lançou o seu disco de estréia Cor da Alma (2020) e infelizmente por conta da escuta viciada ele não participou das premiações como a excelente Revelação que foi. O MC manauara já começou o ano de 2021 lançando um videoclipe single, muito bom com a faixa Desde de Cedo (prod. RVLS) e direção da dupla pesada Lucas Negrelli e Joaquim Macruz, com uma estética diferenciada em termos sonoros e visuais
Assim como Victor Xamã e outros artistas do norte, Ian Lecter migrou para o eixo em busca de uma maior visibilidade para o seu trabalho. E, “Desde Cedo” o MC reflete sobre essa mudança, sobre o contexto em que está se inserindo, as saudades, as dores do afastamento da terra nata, com muita singularidade. Tá aqui uma das excelentes figuras que vem do norte e traz consigo muita qualidade
Bodhisattva (RO)
Aqui um disco coletivo lançado no começo do ano e que vale muito a pena conhecer, pois além do disco em si mesmo, temos aqui vários artistas da cena da música e do rap da cidade de Boa Vista, capital de Roraíma. Primeiro lançamento da Bodhisattva e concebido em parceria com o Oroboroduo (Emer Costa e JFJão), o disco traz os MC’s Cakiioo, Rafah Black, Ama-gi, Clouds, Golb, CAE e Elisa. Projeto que foi contemplado pela lei Aldir Blanc, temos um disco que poderíamos facilmente chamar de didático, sem que com isso estejamos apontando para algum demérito do trabalho.
Ao contrário de trabalhos que falam de problemas de saúde mental apenas através da vivência do artista, esse disco coletivo traz as linhas que reúnem a qualidade da arte dos MC’s a consultoria de um especialista. E é nesse sentido em que a criação artística se associa ao conhecimento científico para produzir um disco que possui também um carater pedagógico. O disco possui momentos muito bons como nas faixas “Movimento” e “Bençãos e Maldições”, composto por 8 faixas, merece a audição na intégra!
Vário$ (AM)
Um dos baluartes do excelente Qua$imorto, Fernando Vário$ soltou um clipe recentemente e abriu alas para seus trampos solos em 2021. No ano passado Vário$ soltou junto com Luiz Caqui uma colab, o EP Arara (2020) que vale muito a pena você que tá lendo sacae, assim como o disco da gang: OITOOITO (2019). Só trabalho de muita qualidade e se você não conhece, poderá após a audição ter noção do que tem perdido, ao não olhar pro norte.
Abordando em cores fortes, o quanto o norte é “Tão Real” o video clipe da faixa, chega em um pique de curta metragem e com uma super produção. Em tempos de drill com armas de air soft, Vário$ apresenta uma visão digamos mais realista, rimano com um flow muito diferenciado neste estilo, numa produção do RVLS; Clipão é o que podemos dizer. Com este single, o artista já abre em grande estilo o ano em que já tem disco sendo cozinhado. Fiquem espertos!
Thais Badu (PA)
A cantora, compositora e MC paraense Thais Badu lançou o disco Mama System (2021) misturando influências e expressando sua arte através de uma variedade de produções que apontam para possibilidades diferentes. Ela vai do R&B ao funk passando pelo Ragga/Dancehall e o techno funk, com a mesma qualidade e abordando temáticas distintas como a auto superação e a independência feminina. Badu vem de uma longa caminhada pela cena de Belém do Pará, se desenvolvendo artisticamente em cenas distintas, mas parentes como a do Ragga e do Rap por exemplo.
Trabalho que se segue ao EP Sou Preta (2020) que foi lançado no ano passado, Mama System (2021) traz um frescor legal e dançante, um disco de estreia que ao contrário do trabalho anterior vem cheio de participações. O disco traz participações de MC Tchelinho, Lil David CF, Bruna BG, Bruno BO, Antonio de Oliveira e Luísa e os Alquimistas, o que aponta para um disco que toque nos sistemas de som tão famosos do Pará, mas não apenas. O disco tem um apelo pop capaz de agradar a diversos públicos, e é como o título explana Mama System Thais Badu quer a galera metendo dança!
Mayer & João Alquímico (AM)
Não sei se Reginaldo Rossi ficaria orgulhoso porém o trampo de Mayer e João Alquímico trazem uma tape de amor em pegada underground boombap style. Já faz um tempo que Mayer Herrera é um nome que faz um tempo que percorre o nosso radar, apesar de ter passado sempre ao largo. Já o João Alquímico (Qua$imorto) já estamos acompanhando há algum tempo. Dois nomes importantes da cena manauara que, como é comum por lá, se unem e apresentam a Reginaldo Rossi Love Tape, Vol. 1; Todos os corações apaixonados pelo rap nacional, que não perdem a razão e são capazes de admirar a qualidade estética de um trabalho, certamente ficaram xonados nisso aqui.
Com 5 músicas, a tape traz uma parceria fina dos MC’s, beats introspectivos e todas as letras abordando questões de relacionamento amoroso, com uma elegância típica desses seres que fazem poesia de tudo, não apenas de dor de cotovelo. E isso se prova facilmente, pela capacidade que os caras têm de variar sobre o tema e não parecer esses chatonildos que rimam amor e dor, tipo o BIN. Enfim, fica aqui uma excelente dica para os caorações apaixonados!
Erick Di (PA)
A quantidade de produtores e beatmakers no Brasil hoje é algo atordoante, e só na cabecinha oca de quem só quer olhar para o próprio umbigo, eles estariam no que se refere ao rap concentrados no eixo. Erick Di é um jovem adulto de 21 anos, e que com 5 anos de produção já vem chamando a atenção da gringa, algo que acontece com alguns outros produtores do norte-nordeste. O beatmaker paraense acaba de soltar o EP Departures (2021), fruto da lei Aldir Blanc e com lançamento pelo selo MangoLab, o trabalho traz a produção executiva da Psica Produções.
Nesse novo trabalho, Erick Di investe na sonoridade do drill, hoje muito em voga no Brasi. Reunindo 5 faixas, Departures (2021) traz o blend sombrio do drill porém com pitadas do R&B em algumas faixas, e mesclas muito acertadas com o funk carioca. É um trabalho maduro e que mesmo para aqueles como eu, que só agora começam a tomar contato com o trabalho do Erick Di, já é possível identificar uma assinatura própria! Aqui vemos mais um exemplo da riqueza que a cena de Belém do Pará tem oferecido ao norte do país, com um produtor de ponta!
Aposse92 (AM)
Recentemente, tivemos o prazer de noticiar e resenhar aqui o audiovisual lançado pelo Kurt Sutil e chamávamos atenção para o fato de que o mano paticipa de um grupo, tão certo assim. Aposse92 acaba de soltar um clipe pesado apresentando suas vivências e ideias em forma de arte. Composto por Kurt Sutil, Ligeirinho AM, Greeg Slim e Sartori, além do beatmaker Custic, o grupo vem galgando seu espaço no cenário nacional e aqui apresentando um trabalho consistente.
Colocar a ZL de Manaus no mapa não é trabalho fácil, mas pelas letras e flows que Aposse92 apresenta aqui, os caras tem munição suficiente para as batalhas. O audiovisual é uma realização Weslen Simplicio e Aposse92, que construíram um clipe captando os MC’s e os comparsas nas areas cuspindo rimas com imponência. Um grupo pra ficar de olho e de nossa parte esperamos que os caras soltem logo um EP e ou um álbum.
-RAP NACIONAL – A força do rap que vem do norte em 2021!
Por Danilo Cruz