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Rap LGBTQ – O começo de 2019 nas trincheiras

Rap LGBTQ – O começo de 2019 nas trincheiras da invisibilização, no primeiro ano do governo homofóbico, com exílio de Jean Wyllys, com tudo!

Estamos vivendo um reality show macabro, onde as trapalhadas e as intrigas palacianas, dignas de novelas mexicanas, têm custado direitos conquistados, fundamentais. O ano começou entre outros tristes acontecimentos, com o auto-exílio do ex-deputado federal eleito Jean Wyllys (PSOL).

O deputado eleito pelo Rio de Janeiro, é uma das lideranças mais significativas em âmbito nacional e até então era a única liderança parlamentar que representava a causa LGBTQ+. Com sua desistência em assumir o cargo, seu suplente David Miranda, “negro, gay e favelado”, assumirá em seu lugar. Ao mesmo tempo, o senador eleito pelo Espírito Santo, Fabiano Contarato (REDE), foi o primeiro LGBTQ+ a assumir o cargo na história do país.   

As relações perigosas entre a famiglia eleita e a milícia no Rio, assim como a “suspeita” da participação da mesma no assassinato da vereadora Marielle Franco, levou o deputado a buscar a preservação de sua vida, em outro país. No entanto, 160 parlamentares LGBTQ+ assumiram em 2019, em todo o país. Uma marca para lá de histórica.

Na série norteamericana Pose (2018), assim como no clássico documentário Paris is Burning (1990), podemos rapidamente aprender, como a mesma Nova Iorque que gerou o hip hop, têm no fenômeno dos balls ou bailes, uma apropriação potente de determinados aspectos do hip hop para o fortalecimento estético e politico da população LGBTQ. O mais evidentes deles o Vogue, dança que tomou a cultura pop, tendo Madona utilizado sua estética corporal para estruturar as apresentações de sua Blonde Ambition World Tour (1990). O fato é que o Vogue é uma dança utilizada nas competições nos balls novaiorquinos que tem no break uma forte e decisiva inspiração.

Em meio ao caos em que nós vivemos, estranhamente ou não, num momento de extrema reação dos conservadores a população LGBTQ+, não param de pipocar iniciativas dentro do hip hop, através de atores que se identificam como gays, transexuais, lésbicas, travestis e não binários.

Ainda no ano passado alertávamos para o aumento exponencial de produções de altíssima qualidade, que muitas vezes passaram batidas. É algo a se comemorar e reconhecer, que em um dos momentos mais frágeis da história política recente de nosso país a reação mais impactante, esteja vindo das mulheres e do povo LGBTQ+. São existências que somente em sua presença são completas e absolutas oposições a tudo isso que emergiu em nosso país, e que com  todo o retrocesso em voga, seguem resistindo.

Talvez porque os mais ameaçados pela nova república evangélica do Brasil, talvez porque tenham crescido e se desenvolvido debaixo das mais diferentes e não localizáveis, quantidade de bordoadas. O fato é que o ano começa muito bem nessa cena, e obviamente se você curte rap precisa parar de ser um(a) babaca, que só escuta os “macho hop” e abrir sua sensibilidade para entender melhor o que está em jogo. Selecionamos algumas pedradas que saíram esse ano, pra lhe dar uma chance de perceber melhor e consequentemente aprender.

Diante de um instrumental de uma das maiores revelações do rap nacional no ano passado, Rodrigo Zin, Raphael Warlock que só não esteve também nas listas de revelações porque a mídia oficiosa não presta muita atenção, simplesmente atropela. Além disso, é o responsável pela mix, master e pelo vídeo.

Dono de uma expressão lírica que combina sarcasmo, violência e muita sujeira nas linhas, esse jovem vem diretamente de Florianópolis, pra bagunçar com um flow muito bom sua mente, se essa estiver acostumada as mesmices do hype, e para lhe excitar o mesmo ódio que ele carrega se não for esse o seu caso. 

A resistência aqui é um grito de socorro, é o reconhecimento do peso da solidão, da ausência de escuta, de amigos, amantes, monas, minas e manos. No entanto, não se engane, não existe aqui qualquer resquício de algo que lembre alguma xurumela emo. É apenas um grito de onde o rapper parte para desenvolver suas rimas. 

Com um dos discos mais bonitos e poéticos que ouvimos no ano passado, JuPat chega com um single nesse 2019, Flash, onde ela desenvolve uma crítica levemente pesada aos que buscam o hype a todo custo. Na produção, mix e master do Nikolas Chacon, a rapper faz contrastar um beat com influências leves de reggae, a uma visão da rapidez com que muitos buscam o sucesso, nessas eras code rapidez e fast food subjetivo.

Contra efetuando esse estado de coisas, JuPat oferece um corpo e uma poesia que busca a verdade do amor, que aqui não se identifica com qualquer ideal romântico xunbrega, Mas antes, entende os encontros, a lubricidade, a intensidade de sua poesia como tantas possibilidades de fazer hypar o amor, um amor. Se é verdade, que Toda Mulher Nasce Chovendo (2018), e poeticamente é o mais verdadeiro, Jupat tem uma cisterna cheia de poesia, e tem distribuído ela por aí, quem tiver ouvidos que escute.

https://www.youtube.com/watch?v=DhBCFBWj6MA

Esse single é um molotov aceso em direção aos seus ouvidos e consequentemente ao seu pensamento, numa reunião de três mc’s muitx boas/bom. Exercitando toda a indignação possível contra o estado e seus tentáculos opressores e no caso do nosso país genocida. Explodindo o bom senso e o senso comum, , Anarka e Issa Paz (Rap Plus Size), não demonstram nenhum pingo de piedade ao citar nossos inimigos.

Desde dos aparelhos de reprodução das lógicas do estado, até os personagens que mantém e impulsionam a repressão, passando pelas instituições parlamentares a muito falidas em nosso país. A produção pesada é do próprio Sé (Antifa Lab), e é em cima dela que esse bonde pesado, mandam suas rimas com muita técnica e com o espírito preenchido da mais pura revolta.

Música de mil e um graus, quentíssima essa parceria entre Guigo (Quebrada Queer) e Kaya Conky, numa bela auto afirmação de si mesmxs, de seus desejos e individualidades. Num beat hipnótico que se prolonga nos flows firmes e swingados dessa dupla.

Ao mesmo tempo, definindo e expressando quais as suas prioridades diante da vida e da arte. Single de estreia do Guigo, é mais uma afirmação da potência que o Quebrada Queer reuniu em suas fileiras como grupo. Ao mesmo tempo, essa música é nossa porta de entrada para o trampo da maravilhosa Kaya Conky, faça o mesmo! 

Humanizar é mais do que reconhecer uma vida humana, é sim oferecer as mais amplas possibilidades dessa vida se desenvolver. Em seu clipe, Resistência Trans, Zaiiah nos dá um soco no estômago ao nos mostrar o quanto nossa sociedade é desumana com as trans que possuem uma expectativa de vida de apenas 32 anos. Isso como dado de base para pensarmos o quanto essas pessoas são excluídas do nosso convívio muitas vezes restando-lhes a prostituição como única forma de sobreviver.

Retirada do disco Transição  à Transcendência (2018), o clipe de Resistência Trans é desde já um clipe fundamental para o rap nacional, primeiro por nos apresentar Zaiiah e depois pela força de sua pauta, mas por último e não menos importante pela qualidade estética e política dessa obra. O clipe muito bem produzido é fruto da edição de Fernando Ribeiro, com filmagens por Adolfo Lima, Bibia Costa e Camila Ronu, com o roteiro das duas últimas e da própria Zaiiah. Num beat do Laudz a rapper desfila uma série ininterrupta de questionamentos e de força poética capaz de levantar monas e as minas trans que podem e devem lutar por sua inserção em todos os espaços possíveis.  

Há muito pelo que lutar em diversas trincheiras do rap LGBTQ+. Desde a necessidade de encaixa-lxs dentro dessa sigla, e entender que é rap, apenas isso. Passando pelas pautas começarem a ser incorporadas por outros atores da cultura hip hop até a maior visibilização dessa gama de artistas super talentosxs e que possuem muito o que contribuir a amplidão das lutas da cultura periférica.

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