Rap Gaúcho Volume 3: Suas pontes e conexões é um resgate da história do rap produzido no Rio Grande do Sul e as conexões com outros estados!
O Hip Hop brasileiro tem como marco inicial a cidade de São Paulo, por tudo que a grande metrópole representou na sua chegada ao país naqueles anos 80. Mas paralelamente à chegada do hip hop na maior cidade da América Latina, o Rio Grande do Sul também fervia ao som daquele ritmo oriundo dos guetos norte-americanos. Não só o ritmo, mas a dança, o graffiti e tudo o que envolvia aquela cultura que ainda era novidade em terras brasileiras, foi chamando atenção de uma rapaziada que ainda não sabia, mas estava fazendo parte de uma história, de uma biografia que mudaria vidas mundo afora.
Essa iniciação à cultura hip hop foi de vital importância para que o Rio Grande do Sul se destacasse rapidamente como um dos estados que serviria de referência na cena do Rap nacional. Grupos que lançavam discos obrigatoriamente enxergavam no Rio Grande do Sul a oportunidade de divulgar fora de São Paulo seus trabalhos. As casas de shows, equipes de baile e programas de rádio começaram a fazer parte do circuito do Rap nacional. Todas as novidades ganhavam destaques e conquistavam terrenos nesses espaços. Isso fez com que a cena criasse não somente um público consumidor dessa arte, mas também artistas locais que começavam assim a fortalecer um segmento de música black no sul do país.
Essas conexões, onde artistas de São Paulo vinham ao Rio Grande do Sul, fez com que parcerias fossem firmadas na hora não somente dos artistas locais abrirem shows de artistas de maior renome, mas que surgisse uma relação que fez com que muitos rapper´s gaúchos começassem a gravar com rapper´s de São Paulo. Lógico que por São Paulo ser a capital do rap no Brasil, muitas dessas participações não tiveram grande repercussão à nível nacional, e acabaram ficando muitas vezes dentro do circuito local, pelo fato desses grupos gaúchos não terem tamanha visibilidade além das fronteiras do Rio Grande do Sul. Por sinal, essa busca por espaço fora do âmbito regional sempre foi uma dificuldade na cena do hip hop no país, pela questão geográfica, mas também pelas questões financeiras que sempre acometeram uma cultura que se origina dos bairros mais periféricos, onde muitas vezes a música é somente mais um hobby do que propriamente uma profissão.
Tive um imenso trabalho em reunir nesse texto essas participações envolvendo Rapper’s gaúchos com músicos de outros estados brasileiros. Não foi somente o estado de São Paulo que nos presenteou com belas participações, mas outros estados também tiveram papel fundamental na busca por essa divulgação maior dos trabalhos executados pelos MC’s gaúchos. Lógico que devido à demanda que se tem hoje em tempos de Internet, muitas dessas participações podem não estar sendo computadas nessa lista, mas que essa seja uma pequena amostra dessa extensa lista que envolve artistas locais ao longo dessas mais de três décadas.
Spawn: fez som com Pregador Luo, Mr. Catra, Silveira e Rincon Sapiência.
Sobre o som com Pregador Luo e Silveira, Spawn nos conta como foi.
“Foi um convite do DJ Kri e do Luca. Eles eram sócios do selo A Firma, da época do Athalyba e A Firma e o selo estava parado. Daí reativaram e esse som foi o primeiro do disco, lá no ano 2000. O DJ Kri mandou o beat pelo Luca, numa dessas viagens do Luca para São Paulo, daí me passaram o beat, fiz o primeiro verso e em seguida fui informado que o Pregador Luo ia participar do som. O nome do som era Caos 2000, que foi na função da virada do século. Muita gente fez Rap com esse tema naquela época. E daí acabou que o Mark B também acabou participando do som e o Silveira cantou o refrão. Minha parte gravei em um estúdio em Alvorada e mandei para o Luca que enviou para o Kri, que depois captou as outras vozes em São Paulo.”
Bira Mattos: participou do disco de Helião e Negra Li.
Nego Prego: fez som com Max B.O.
Zhampp!: gravaram com Black Alien, Speed e E-Beilli.
White Jay: gravou com Sagaz Bicho Solto, Oráculo e P.drão.
DND MC’s: Grupo infantil de rap da cidade de Pelotas, tiveram o apoio da grandiosa Dina Di em sua breve estadia na cidade. Infelizmente o disco da criançada não se encontra disponível na internet.
Garcez DL: participou do disco de Marcello Gugu e gravou com Jimmy Luv, MV Hemp (Comando Selva), Ajayo e Nando Viana.
Khaffu: gravou com Dom Negrone, BNegão e Thulla Mello.
Guido CNR: participou do CD do Negro Rudhy (Arma-Zen), junto com Komay MC e gravou com Terra Preta.
https://www.youtube.com/watch?v=60a34BkZI10
Manos do Rap: gravou com Pregador Luo e KL Jay.
O Rapper Du nos fala como surgiu essa aproximação com o Pregador Luo.
“O Luo veio lançar o disco dele no Bar Opinião e o DJ Anderson já tinha mostrado algumas músicas para ele. Ele gostou demais. O Curumim tinha feito uma produção muito louca da música Devassa e o Anderson mostrou pro Luo, e ele disse que queria participar. Tempos depois disseram que o Apocalipse 16 ia tocar no Opinião e eu não acreditei, porque apesar da música Muita Treta estar estourada no Brasil todo, eles eram um grupo de Rap cristão. Então paguei para ver, falei que essa parada não ia acontecer e que não teria ninguém no show. Não era um tipo de música que lotaria o Opinião. Daí nós tínhamos ganhado o convite e fomos, e é de praxe quando tem show grande lá ficar uma galera na rua, e naquele dia não tinha muita gente na rua. Daí falei: -Não tem ninguém nisso aí. Nem vamos entrar nesse negócio.
Resolvemos entrar, quando chegamos lá dentro, estava muito cheio. E quando anunciaram eles a casa caiu! Fiquei muito surpreso. E o que mais me impressionou foi que no outro dia de manhã, bem cedo mesmo, ele foi para o estúdio. Fez a participação e foi direto para o aeroporto. Era no antigo estúdio do Edinho Dekebrada. Ele escreveu a parte dele na hora, tirou onda. Muito humilde. E dali trocamos telefones e viramos amigos. Até hoje temos uma amizade bacana. Há pouco tempo ele teve aqui em Porto Alegre tocando no evento Promessas, estivemos juntos, trocamos ideias.”
Agradecemos a quem acompanhou essa serie que visava resgatar a grandeza do rap gaúcho através da perspectiva das colaborações locais com outros estados. Esperamos que você que realmente chegou até aqui, ou você que já apareceu diretamente aqui, tenha percebido ou venha a perceber a necessidade de abrirmos os nossos ouvidos.
É fato consumado que de norte a sul do país as produções musicais sempre tiveram níveis parecidos, carecendo isso sim, de visibilidade e muitas vezes de oportunidade para melhores condições de gravação. Acompanhe o nosso trabalho, se estiver a fim de descobrir novos sons e artistas e assim faça parte e ajude-nos na missão de alcançar a verdadeira democratização dos meios e das condições.