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Ramiro Mart lança “Pulso”, rimas e batidas com doses firmes de Soul, Funk e Jazz – Resenha

Ramiro Mart

Em um EP composto com  8 faixas, Ramiro Mart rima sobre diversas temáticas sempre na chave da black music, beats do Goribeatzz e grandes participações.

Foto por Fabiano Vieira

Atualmente, Ramiro Mart segue a trilha da cultura hip-hop com uma bagagem de mais de 20 anos na cena do rap nacional como MC, produtor musical e engenheiro de áudio. São diversas produções de um trabalhador da cultura que transformou a sua vida em um processo de dedicação exclusiva à música. Aliando a vivência ao estudo – Ramiro estudou Produção Fonográfica – o artista é um dos nomes fundamentais para se entender o rap nacional no século XXI. 

Em seu novo trabalho, essa caminhada encontra um ponto de repouso firme para as suas convicções e ideias, dos conceitos que construiu para sua estética musical e sobretudo da qualidade e domínio de lírica e flow, que o tornam inconfundível. Além de uma carreira repleta de discos, EP’s e projetos marcantes, Ramiro Mart é parte de um dos grupos mais interessantes do rap underground nacional: Tetriz (junto ao Matéria Prima e ao Goribeatzz).

Após lançar um projeto de envergadura com Doses, uma série de 12 singles com audiovisuais durante o ano de 2021, onde abordou a crise da pandemia em nosso país, produzindo comentários lírico-poéticos sobre o fascismo presidencial em voga naquele ano e os efeitos do isolamento social, do genocídio e pela crise que atravessamos. Ramiro Mart chega agora com “Pulso”, um disco no formato EP mas que guarda em seus 22 minutos e uns quebrados a solidez de um disco conceitual.  

Muitas vezes, não estamos preparados para acontecimentos trágicos e desse processo que nos assalta desavisados podem instaurar transformações. Após um biênio difícil para todo o país como foram os anos de 2020 e 2021, Ramiro projetava um disco que nunca saberemos o que poderia ter sido. Feliz ou infelizmente, a obra se perdeu numa atrapalhada formatação de hd’s, por conta do pesar do artista pela perda de um de seus cachorros. No entanto, essas perdas em série, abriram um vazio agora preenchido por uma guinada na carreira com o projeto que agora se apresenta.  

Trabalho diferente de tudo que já lançou – e não foi pouca coisa – Ramiro Mart se uniu a Goribeatzz mesclando duas de suas heranças mais caras em Pulso. Os lutos atravessados pelo artista deram luz à união de toda a sua experiência com suas raízes familiares. Fruto de uma família evangélica, Ramiro teve o auxílio do seu irmão Ronan Castro – músico Gospel – para juntos, reunirem um verdadeiro super grupo de músicos. Colocando suas rimas sob a chave de bases firmemente ancoradas na tradição do Soul, do Funk e do Jazz. 

 

Essa ligação entre o Sagrado e o Profano feita com “Pulso” firme consegue ligar o ouvinte com uma sequência de canções que não abrem mão do rigor lírico e de flow, toda a sua herança no underground, à uma organicidade que parte inicialmente do seio familiar e evangélico. Um evangelismo amplo que traz junto noções conceituais provindas de outras culturas como a meditação de anapana e a busca real por uma egrégora que termina sendo o resultado final desta pulsação. 

O time reunido de músicos, MC’s e cantoras é um show, a “banda” formada parte por Ronan Castro (piano, rhodes e orgão) com músicos e vozes da igreja e parte através da caminhada de Ramiro Mart pelo mundo da música “profana” conta com: Maressa Carneiro (violino), LV (baixo), Clayton Perreira (guitarra), Pedro Bernardes e Goribeatzz (synths) DJ Novset (Scratch), produzem a organicidade groovada nas raízes do soul, funk e jazz. 

Todos os beats ficaram a cargo do grande mestre Goribeatzz, que também é um dos país “espirituais” da obra. E fechando esse time pesado temos as vozes e rimas de Alessandro Dornelos, Thales Dias, Thiago El Niño, Igor Lira, Ashira, Lorena Arruda. E essa mistura pode ser amplamente apreciada ao longo das faixas!

A “intro” do EP Pulso – cortesia do poeta e MC Alessandro Dornelos – já nos dá uma breve noção do que teremos pela frente. Entre o violino da Maressa Carneiro e o synth de Goribeatzz, Dornelos nos recita uma poesia que reflete de modo condensado uma conjuntura onde a tecnologia alimenta a ausência de empatia, aqui buscada no horizonte das rimas e beats presentes. 

Projetando assim uma verdadeira “Egrégora” que vem na sequência em um beat pesado – quase um G-Funk do século XXI – onde Ramiro Mart e Thiago El Niño desenvolvem os temas presentes na intro. As políticas de controle e manipulação, os adoecimentos gerados pelas redes sociais e a produção desenfreada de uma comunicação que gera mais ruído do que compreensão, são de certo modo os temas centrais da faixa. O vozeirão do Thales Dias fica a cargo do refrão que nos convoca a repensar nossas práticas diante dos smartphones. 

Foto por Fabiano Vieira

Hoje aos 35 anos, com mais da metade da vida dedicada à cultura hip-hop, Ramiro Mart produz uma bonita e por que não, religiosa, reflexão sobre sua infância e seu momento atual – aquilo que queria ser e o que tem se tornado – através do levantamento das suas “conquistas reais”. Família, amigos, cachorros, um corsa sedan 2003, ducha no quintal, a companheira, um castelo real. A banda brilha durante a faixa com o groove pesado do baixo de LV, a guitarra do Clayton solando bonito, a cama do orgão do Ronan Castro, junto ao beat do Gori. “Redução de Danos” é um dos pontos altos do disco. 

A parceria com Ashira – um dos nomes mais interessantes do rap, R&B nacionais – dão um tom de respiração mais calma, sob uma base mais relax, onde o beat encontra o synth elegantérrimo do Pedro Bernardes. “Anapana” entrega o que o título explana, uma meditação feita através da atenção à respiração, o ensinamento do Gautama Buda é transmutado aqui em flows e cantos onde Ramiro Mart e Ashira, refletem sobre a necessidade de estarmos focados nos movimentos essenciais de nossas vidas. 

O disco flui temática e musicalmente, a faixa “Aurora Boreal” segue o tema da anterior e o expande através de uma imagem poética muito bonita: “De dentro pra fora, nossa luz vigora, linda aurora boreal”. A necessidade de atenção à nossa respiração consequente se une a importância de vivermos o “agora” em um tempo onde o excesso de futuro se torna uma patologia. A voz da sambista Lorena Arruda é um espetáculo na faixa, a cantora desfila com desenvoltura pelo R&B. 

O bom humor não poderia faltar nesse exercício de pensamento que é “Pulso”, a única faixa mais crua presente no EP, “Mesa do Jantar” apresenta uma refeição ácida e picante. Aqui apenas a dupla Ramiro Mart  e Goribeatzz, beat cadenciado e rimas sujas, linhas de ataque e reconhecimento dos aliados. Única música presente no play que remete diretamente aos trabalhos anteriores do artista!

Em um cenário onde a artificialidade, trabalhos repetitivos e mediocridade muitas vezes são elevados, Ramiro Mart mantém-se rimando no “Modo Difícil”. Faixa onde o rapjazz é colocado em evidência, os samples do Goribeatzz junto ao baixo do LV, fazem a cama swingada, onde o MC mostra rimas frutos de vivências, transformadas em conceitos e expressadas em compassos tortos, como um herdeiro do Bebop. 

É inevitável não recordarmos o mestre Rakim ouvindo “Nonsense”, onde Ramiro Mart elenca homenageando grandes nomes do jazz e da música. Novamente a sequência se mantém com o rapjazz, brincando com o tempo musical e existencialmente, a faixa mostra-nos um final de disco que arremata com muita consciência todo o desenvolvimento proposto em Pulso. A capa do trabalho e o título é representado aqui no verso: “fazendo música ambiente para a sala de espera da morte”. 

A passagem do tempo e nossa condição de finitude é assumida em sua totalidade e expressa de diversas formas ao longo de “Pulso”. Ramiro Mart produz um EP que provém de um período de morte coletiva e de perdas daquilo que lhe é mais próximo. No entanto, há aqui uma serenidade e uma força alegre de pensamento, expresso musical e poeticamente como uma guinada em sua carreira, onde a crueza dos raps mais underground que sempre produziu encontram na organicidade desta produção um ponto onde não há mais retorno. 

Não seria exagero classificar este como o melhor trabalho do artista, dada a força musical aliada a qualidade lírica, no entanto seria melhor vê-lo como aquilo que ele é: um passo à frente em uma carreira extremamente rica e importante para a história do rap nacional!

-Ramiro Mart lança “Pulso” rimas e batidas com doses firmes de Soul, Funk e Jazz

Por Danilo Cruz 

 

 

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