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Discos, Resenha

Rádio Ugangue Vol. 2 (2015) – Vários Artistas

UGangue 2Bandini esperou a primavera chegar para largar o doce e Rádio UGangue Vol. 2 (2105) não decepciona para quem, como nós, estava no aguardo.

O disco repete no formato mixtape com uma coleção impressionante de músicas que com toda certeza vão fazer a cabeça da rapaziada até a próxima primavera. UGangue, união do gueto de verdade, um movimento, produção, máquina abstrata que seleciona e impulsiona diversas cabeças caras das ruas de Salvador.

Os mascotes de Midas, gangueiros experientes das ruas de Salvador, furando todas e quaisquer blitz que apareçam pela frente. Corre a lenda que não há “volante” que alcance o bando, hora atuando todos juntos, outras fortalecendo o trabalho do irmãos. União de gerações, produção coletiva, a família recentemente tem feito muitos shows em São Paulo, num intercâmbio com vários artistas importantes daquela e de outras praças. Munidos de beats e rimas que brocam colete com uma força e originalidade pouco vistas.

Neste volume da mixtape a proposta foi juntar alguns hits que já estão algum tempo na boca do povo com outras inéditas que certamente logo menos também estarão. São 16 faixas que compõem a seleção e não tem uma que seja descartável ou que deixe o nível cair. Coisa rara num disco com tantas músicas, seja em qual estilo for, conseguirmos ouvir o disco inteiro sem que a seleção feita não se perca ou encontre alguma música mais fraquinha.

Uma das qualidades da Rádio Ugangue é juntar alguns rappers em composições que se tornam quase conceituais dentro da pegada UG. Reunião dos manos que sempre trabalham juntos, mas muitas vezes dentro da proposta da mixtape formam e desfazem formações muito bacanas, como é o exemplo das três primeiras faixas de abertura: Mascote de Midas, Blitz e Hey Joe. Sim, em tudo que o time tem colocado a mão tem se transmutado em ouro, haja vista os últimos lançamentos individuais e de grupo dos mascotes: DaGanja, Galf AC, Kiko Mc, Ravi (Nova Era), Vandal. Sejam nos singles lançados, nos videoclipes ou nas mixtapes, a qualidade do jogo vai evoluindo e um puxa o nível do outro, ou juntos elevam as apresentações que vão ficando cada vez mais insanas e transgressoras.

Em Blitz, a dupla Galf Ac e Kiko Mc, deixam claro o movimento diante do espaço estriado da urbes, seja evitando o encontro triste com as instituições de poder, do braço armado do estado, ou mesmo como heróis de um imaginário empobrecido. Atenção, velocidade, rimas e beats, adrenalina, atitude, linha de fuga. Prudência sem flagrante, irreverência como aviso. Pois como é dito logo a frente, não é fácil ser gangueiro de verdade. Hey Joe com a partipação de Leo Soulza, reafirma o compromisso e a correria que tem rompido as barragens do sistema de distribuição e levado o game dos caras para outras quebradas, de bonde.

As faixas quatro e cinco (Salvador já tá escaldado e Na trama/Hino da familia) já dispensam apresentação, pois no primeiro caso é um dos hinos presentes nas bocas de todos os bondes que colam na cena hip-hop em Salvador e recentemente recebeu um clipe muito responsa. E a outra esteve inclusa no vol. 1 da Rádio Ugangue e mesmo sem tocar no rádio, tomou a cidade de assalto.

O grupo de Cajazeiras Saca Só é o responsável por Sujo, sexta faixa da mixtape que é uma daquelas músicas que depois da primeira audição entra automaticamente no repeat. Com um flow torto, melodia alucinada e underground até o osso, vibrando um beat pesadão, samplers tão pesados quanto, é pra quem tem estomago para ouvir o que de melhor se tá fazendo no Brasil. Trilha sonora dos pixos, do grafiti ou das naves no rolê. Depois da estreia com Se eles não faz… noz faz! (2013) essa track nova com certeza começa a marcar definitivamente o nome dos caras na cena brasileira. Uma das melhores músicas que ouvimos esse ano no rap nacional.

Peço licença aos poetas para citar um outro aí que também refletiu sobre o tema do Coringa do Baralho, a sétima faixa, é foda ser:

“Eu sou o coringa, a carta vazia do baralho. Eu sou todas as cartas sem ser nenhuma. Sou a parte de você que lhe faltava. Sou seu lado oculto. Eu sou a carta sem naipe e sem número. A carta que aparece em qualquer lugar de seu jogo, mas que você não saberá qual é. Eu sou a carta sem face que aparece em seus sonhos. Eu sou seu segredo íntimo. O rosto que você procura sem saber.” Giorgio Ferreira

Ravi, Nocivo Shomon, Galf AC, formam o time dessa faixa que está presente no disco Brutality (2015) do Nova Era. E que de modo geral reflete sobre a luta do dia a dia, e como alguns querem se criar sobre os outros, se transformando na maior carta do naipe. Mas o coringa é o da substituição e da transmutação dos valores, podendo ocupar qualquer lugar, pois está sempre pronto.  É ou não é?

Dialogo com a faixa seguinte: Zum zum zum, com a dupla Ravi & DaGanja explanando positividade e buscando se afastar do efeito discórdia ao qual o título nos remete. Falatório, disse me disse, matou carambola. Não ser mais um e sim buscar ser um a mais, plantando a paz, desenvolvendo seus talentos e trabalhando com os tambores digitais na selva de pedra, com seriedade para a construção de uma nova era, instruindo a nova raça que está por vir.

Intro é uma apresentação da persona Vandal num trap cabuloso, sem papas na língua, na pegada que todos que frequentam a cena já conhecem. E que agora com o lançamento da mixtape Tipo Laz Veghaz promete tomar o resto do pais, com originalidade, violência no flow e nas ideias e ânsia de conquistas. É melhor sair da frente!

Na relação e na posição política que o Nois por Nois prega a força se configura na analogia que remonta a um verbo como arma, rima bélica dos manos em A Peça. Os caras largam o doce e demonstra toda a relevância da sua poesia que se nega a calar diante de todas as injustiças, das violências sofridas nas nossas periferias. E nessa faixa contém a participação de Span e Diego 157 que os ajudam a esquentar o cano, que não para de cuspir as verdades que o sistema quer calar.

O Nova Era aparece mais uma vez forte com Cowboy Cocaine, transpondo o cenário do velho oeste para a city, pegada gangstar com Morango NE, Moreno, Ravi (a trinca de ouro do Nova Era) e Galf. Música nervosa, nos beats e nos flow, deixando mais uma vez claro que o bagulho não é Disneylandia e não dar espaço para cowboy modinha. A cavalgada do bando não tem lugar pra quem é de mentira.

Se você leu até aqui, pedimos bastante atenção para a décima segunda faixa, pois Chuva de Bala é um dos mais pesados raps da mixtape. O bando convocou Kino e a força de seu relato. Transparece a vivência de um rapper que tá na cena há muito tempo. O mano chacoalha suas rimas de forma muito violenta, mas não menos verdadeira, descortinando as laranjadas e a crueldade do crime em nossa city. O movimento e a banda podre não recebem massagem nas palavras e conceitos do rapper, numa pegada quase gore em alguns momentos. E com essa força faz com que o fim da mixtape não diminua em qualidade. O rap tem essa força impressionante de desnaturalizar aquilo que o cotidiano, a mídia e a alienação tenta tornar normal. E Kino Mc faz esse tipo de crônica direto do front, com a força de sua linguagem esclarecendo os que estão na ilusão, como um verdadeiro jornalista-poeta das quebradas.

Segue um dos rappers a mais tempo no corre em ação ininterrupta e um dos mais respeitados no jogo, Kiko Mc aparece novamente (solo dessa vez) com Rap Nordestino, territorializando o disco. Como lá na primeira faixa que já abria dando a ideia: “É na garruncha e no facão, foco na missão”. Aqui ele utiliza os elementos que nos são mais próprios para problematizar o todo da nação, mesmo partindo do seu cangaço, na caminhada desterritorializa-se arrastando todo o nosso socius, rumo ao congresso e os verdadeiros bandidos.

Bala e Fogo, Ruas Frias, já são músicas bem conhecidas da rapa. A primeira da lavra de Vandal foi o segundo single lançado pela Ugangue e já é cantanda em uníssono nos shows. Ruas Frias parceria forte de DaGanja e Galf UC recebeu um clipe alguns meses atrás (noticiado e resenhado aqui), dirigido pelo premiado diretor Max Gaggino. Imagine aí um final de mixtape contando com 16 faixas que tem suas antepenúltima e penúltima músicas duas pedradas dessas? Imaginou?

Pois pra fechar vem o mestre Dimak, uma das figuras mais respeitadas no nosso cenário. Rapper, grafiteiro, tatuador, chega finalizando os trabalhos com a engajada Pés no Chão. Vagabundo insurgente, plantando seus trampos para conseguir seguir sendo maloqueiro digno de respeito e buscando a dignidade que seu trabalho merece. Homem negro, rasta, rimador e trabalhando sério para levar sua oralidade à frente e a quem precisa – discurso fortalecedor que foge dos clichês. Sim, cheio de valor, não de valore$. Dimak que lançou Paciência e Disciplina (2013) está atualmente preparando um lançamento que vai chapar o coco da rapaziada e de quebra vai inovar nas formas… Fique aí de keke que o mano tá correndo na frente!

Rádio UGangue Vol. 2 É sem sombra de dúvidas um baita lançamento que precisa alcançar os ouvidos no Brasil inteiro. A city já foi tomada. Não por mera prepotência de querer ser o melhor, mas pelo contrário, por ser um movimento aberto, pista perdida, ganha na conjunção que fortalece as mais diversas iniciativas dentro do rap, recrutando os mais diferentes coringas do baralho aqui na mixtape. Mas também nos shows, onde abre espaço para novas gerações e mostra qual é a real postura de quem quer fortalecer a cena.

Sem sazonalidade Arturo Bandini passa o ano no corre para que a primavera seja todo dia pros manos. Caminhada intensa pela pista. É o gangue Man, é o Ugangue homi!!!!

Baixe sua cópia virtual aqui.

Nota: 

https://soundcloud.com/ugangue

 

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