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Quatro Mulheres Que Não Estreiam, Se Empoderam!

As quatro mulheres que aqui reunimos, lançaram seus primeiros discos numa força tão grande, que é impossível chama-los meramente de estreias

“Saudações a todas as bucetas”!

É com o verso da música “Ressalva”, da rapper Lay, que começamos este pequeno resumo sobre quatro discos femininos de rap lançados nos últimos dois meses aqui no Brasil. Quebrando todos os paradigmas – políticos, morais ou meramente machistas – existentes, chegando com irreverência e talento. Quatro estreias de peso que eu, mulher e admiradora do bom rap não podia deixar passar em branco.

O rap surgiu como música de cunho social, fazendo parte da cultura de rua iniciada nos guetos jamaicanos e desenvolvida nos guetos novaiorquinos. E com tal sempre se caracterizou como discurso de protesto social e político, constituído por rimas poéticas e batidas pesadas. Mas, por anos, o rap sempre direcionou seus maiores holofotes aos homens. Com o crescimento do movimento feminista, fora inevitável a presença das mulheres como personagens principais do meio, mulheres fora dos “backing vocals“, roubando a cena principal.

“Muitos me ignoram porque eu sou mulher, mas sabe como é: guerreira se mantém de pé […] Tem que chegar, manter respeito pra colar com a gente. É papo reto, respeita o meu sexo, aqui o certo é certo. Machismo: dedo no reto!”   Arielly Oliveira.

E se a poesia é de resistência, de luta e grito em defesa dos direitos dos negros e menos favorecidos, por que os versos poéticos não denunciavam as diversas formas de violências, oriundas do sistema patriarcal, sofridas por muitas mulheres? E é isso que esses quatro discos trazem: representatividade. Somos a maior parte da população brasileira, mulheres negras e periféricas. Agora ocupando os lugares principais, cantando os nossos direitos e a nossa liberdade.

Estamos apresentando aqui quatro rappers que viram na música marginal a propagação de suas revoluções. Mas o rap não só representa essas mulheres, ele também as liberta. O rap dá liberdade a esses novos talentos, e a liberdade das mulheres em qualquer espaço traz empoderamento. “Empoderamento, eu ocupo lugares / Eu sou liberdade, meu povo é Palmares”, versos da música “Vem e Vê” de Tamara Franklin.

“Turbante, coroa / Felina leoa / Tambores de Gana / Dona da savana / Sou África mama / No corpo, na alma / Quilombo, sou Congo”

Tamara Franklin, “Mais uma preta marrenta, vinda das ruas barrentas / Dos versos sujo e puro, melhor que as letra limpa e nojenta”, versa desde criança e já participa da cena no seu estado há um tempo. Mineira de Ribeirão das Neves, a rapper já participou do grupo H2S2 e começou sua carreira solo em 2011, com fortes influências cristãs em sua letra. Seu disco “Anônima” é o mais antigo (lançado no começo do ano) dos quatro expostos aqui e traz consigo uma mistura de rap com samba, reggae, baião, entre outros ritmos, constituído por rimas aceleradas, bem encaixadas em beats diferenciados. Além da forte presença da música africana de raíz, evidenciada nas participações oriundas de Moçambique e Angola, na faixa “A Alma Nos Une”.

Projetos sociais, como oficinas de construção de ritmo e poesia, trabalhos de prevenção ao uso de drogas e à criminalidade, só engrandeceu a produção artística da estudante de psicologia, que nos presenteou com esse fantástico disco, afinal “Rima é pra firmar na alma e não pra derreter na boca”.

Mãe Preta” é uma das faixas mais fortes, na qual narra a história de escravas que tinham que cuidar dos filhos brancos em detrimento dos seus, os quais sofriam em meio a escravidão. “Mãe, Preta, enquanto a chibata batia em seu amor / Mãe Preta embalava um filho branco do senhor”.

A “anônima” que decidiu fazer diferente e revolucionar o modo de pensar, com “apetite de medusa” e “possuindo a dádiva do som”, dando nome, voz e vez as mulheres negras dessa conexão Brasil-África. Tamara não veio para crescer, mas para firmar raiz, afinal, sua riqueza são seus versos, “Tipicamente brasileiros”.

Dentre os quatro discos aqui em questão, representando o Nordeste, temos a Arielly Oliveira, com o “Negra Soul” ou, traduzindo, “Alma Negra”, vinda diretamente de Maceió-AL. Seu disco também traz questões mais pessoais de superação, como alguns conflitos psicológicos narrados nas músicas “Monalisa” e “Um Pouco de Paz”; “Eu só quis viver, tentei apagar da memória tudo aquilo que me fez sofrer. Um pouco de paz, vai! Desatei o nó, descansei o pó, fiz algo melhor: escrevi sem dó. Virei personagem dessa minha arte. Agora entendi, sofrer faz parte”.

A faixa “Tanto te Falei” conta a história de um homem que acaba morto, mostrando o lado da mulher que alerta seu companheiro sobre os infortúnios da vida do crime, mas que acaba sofrendo com os resultados negativos sofridos por ele. Além disso, o disco também traz os temas que ligam Arielly às outras artistas: a questão da mulher negra, sua luta e reafirmação na sociedade, principalmente através do rap. Trazendo-lhes um novo sentido à vida dessas mulheres guerreiras, que agora são “livres para sonhar e serem felizes”, vivendo a vida e “pisando o preconceito”.

“Não desista, nega! […] Mesmo que Joana d’Arc volte a queimar, mesmo que o sangue da favela volte a derramar”, música “Negra Soul”. Contudo, as letras de Arielly são antes de tudo, encorajamento. O fato de ter dado a volta por cima através do rap e incentivar mais mulheres a lutarem e não desistirem. “Seja você, seja livre. Não deixe que te humilhe, silêncio é um crime”, versos encontrados na faixa “Sem Silêncio”.

Ju Dorotea reside em Volta Redonda-RJ e faz parte da cena do hip hop desde 2010, quando participou da dupla Quitéria RAP, ainda em São José dos Campos-SP, sua cidade natal. A artista é envolvida em dois projetos culturais: o Rima Q Age e o Rima Sistah, oficinas de rima para garotas iniciantes. Ambos os projetos estimulam a participação de mulheres na cultura hip hop, lapidando talentos e fazendo com que elas soltem suas vozes e gritos de luta através do rap.

Seu EP fala sobre a destruição do meio em que vivemos ao longo dos tempos, a “teoria do caos”, na qual o homem degradou, dizimou e hoje malmente sabe viver de forma digna neste ambiente degradado. “Homem cheio de capricho, luxo, casaco de pele de bicho / Espalhou o lixo, e o verde sumiu entre os edifícios” conceitos presentes na faixa “Éden”, que possui um instrumental mais direcionado ao reggae.

Esse mundo atual cheio de “cidadãos de bem com maldade em potencial”, nos força a buscar uma “sincronia” para saber viver em tempos difíceis, preservando nossas raízes, que não são apenas africanas, são também indígenas, são os nossos povos latinos primevos. “Se deixa levar no gingado de la chica […] Senhores de colonos se fizeram donos / De tudo o que temos, mas não do que somos”, Faixa “Latinize”.

Seus versos também discutem outras problemáticas importantes, como a dos abusos sexuais e de poder, mostrando como o rap pode agir MAIS UMA VEZ como um grande aliado na propagação das letras de protesto. “Minha teoria é que rap não toca na rádio / Porque rap toca em assuntos indevidamente / Deixa eu te dar um toque, talvez choque / Mas mulheres são tocadas indevidamente / Crianças são tocadas indevidamente / Dinheiro público é tocado indevidamente… / Eu toco a campainha a cada verso e / Só alguns que abrem a porta pra refletir, infelizmente”, trecho da música “Teoria do Caos”.

https://www.youtube.com/watch?v=jGp1o6LBYF0&list=PLq33qcqs9TtO8TWbILRD7178oPDN_uDee

Natural de Osasco-SP, Lay traz toda sua irreverência neste disco que tem por título sua data de nascimento ao contrário. “Mais peitos, menos tretas / Já perseguem nossos rabos como animais famintos”. “129129” é um EP de uma artista que foi inserida recentemente no mundo do rap, mas que tem atitude e vivência de rua suficientes para fazer parte dele. Sem medo de inventar, sem “boas maneiras” no linguajar, Lay encarna o conceito de mulher livre e passa isso a todos em seu disco. “Mas o meu número é sete, queimaram as Joanas porque pagamos boquete / Falei que pau era igual chiclete, depois que perde o gosto, esquece”, faixa “Ressalva”.

A rapper sempre escreveu poesias feministas e agora faz rap, que além de feminista, é gangsta, “Vamos executar um massacre, já que MC no Brasil vem com lacre / Tu tem que morrer no gueto, sem pisar no Projac / Só pode fumar crack, não pode degustar conhaque / Um dia de Cinderela, no outro sou pique FARC”.

A capa do EP: duas sandálias posicionadas na forma de um útero é um signo de uma mulher que já trabalhou com moda e fez parte do “Guetto Woman”, é, como a mesma diz: “o glamour da moda e a sujeira da rua em contraste toda hora”. Original, punk, feminista e pesado; o “129129” é mais uma pancada do rap nacional. Suas influências vêm do ragga, trap e até funk carioca, como na música “Fal$os”.

Suas letras também destacam a corrida e a conquista do cash, poder e satisfação, “onças e peixes verdes como gramas”, aquilo que vai além da ostentação, trata-se de realização. “Estou agindo como uma criminosa, não troco balas por rosas e quero os dólar / E a vida chora, mas não implora, cartelas vendem como os doces nas escolas […] Foda-se os padrões, muitos sem peitos ganhando milhões”.

Na música “Onças e Peixes” ela destaca o proceder de uma mulher independente que usufrui do seu próprio dinheiro e cita garotas de programa, “Não importa como tu ganha, respeito praquelas que ganha na cama […] Ela tem o dela pra gastar, daquelas que abre o leque pra contar / E vai tá lá quando tu precisar, cuidado, com essa não dá pra brincar / Nem no dia a dia, nem na hora H, gangsta, gangsta”.

A última faixado disco, “Mar Vermelho”, trata de um feminismo mais trabalhado em dados históricos, envolvendo religiões e crenças, buscando a igualdade total na relação homem-mulher. “A meta é não ter donos ou senhores […] Do latim, “pecatus”, transgressores / Não passarão, não passarão, não passarão, nem / Dentro do nosso mar vermelho não”.

“Por que me mostra esse canino, menino? / Embevecidos com o poder do feminino […] Filhas de Isis, gritando alto / Resgatando as suas raízes”.

Por Mylena Bressy

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