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Quarto Ácido – Paisagens e Delírios (2017)

Quarto Ácido é um trio gaúcho de rock instrumental de inspiração no rock 70’s, mas também no Stoner e acabam de lançar seu excelente debut!!

 

Enquanto um Brasil meio zumbi, comentava com uma ferocidade e conhecimento de causa impressionantes, os “grandes shows” do último RIR (Rock in Rio), dois acontecimentos nos chamaram atenção. O primeiro deles foi a participação do baterista do The Who, Zak Starckey filho do grande Ringo Starr, tocando no calçadão da praia de Ipanema com os super desconhecidos Beach Combers. Banda carioca que toca aos finais de semana de graça no mesmo local. O outro acontecimento foi o titio Steven Tyler (Aerosmith) mandando Imagine ao lado de um artista de rua na mesma cidade maravilhosa. 

Para além dos grandes shows que aconteceram no festival aqui em questão, é de chamar atenção que grandes estrelas internacionais em rolê pela cidade tenham feito o que muitos dos que estavam comentando entusiasticamente os shows não fazem. Não procuram conhecer e quando conhecem não valorizam, o rock feito em seu próprio país. E muitas vezes, algo em torno de 9 entre 10 dessas pessoas, reclamam com uma dor no coração que nos comove, que o rock brasileiro morreu, ou pior, que ele encaretou. Obviamente tudo isso é fruto da mais pura e completa ignorância. O desconhecimento em nosso país vai das características históricas que nos trouxeram a esse limbo politico, mas também se acentuam quando se refere ao que o presente nos apresenta em todas as esferas. E com certeza a música não poderia ficar de fora.

A esta altura você deve estar pensando, o que o Quarto Ácido tem haver com isso? Tudo, tem obviamente tudo haver, pois os caras que vem lá de Panambi no noroeste do Rio Grande do Sul, e soltaram seu debut de estreia. E são uma das boas bandas de rock que pipocam de norte a sul do nosso país. E para piorar a situação deste power trio, ainda escolheram o caminho da música instrumental. Ou seja, triplamente underground, fazem rock, no Brasil e no formato instrumental, é quase um signo para o insucesso. 

Certamente Pedro Paulo Rodrigues (guitarra), Alex Przyczynski (bateria) e Vinícius Brum (baixo) poderiam ter escolhido um caminho mais fácil, mas o encontro que deu origem a banda foi daqueles que imprimem na alma a certeza para expressão da arte. Em recente entrevista ao site BDG, os caras contaram que a banda se formou em 2008 no encontro entre o Alex, Pedro e o antigo baixista Flávio Mecking, falecido em 2015. E foi com essa primeira formação, através de longas jams, que aos poucos eles foram encontrando a certeza de que não precisavam trazer palavras para o seu som. 

Após dois Ep’s, os muito bons Quarto Ácido Volume I (2013) e Volume II (2014), eles lançam agora essa deliciosa e pesada viagem sonora chamada Paisagens e Delírios (2017) fruto de um projeto via crowdfunding e que conta com a distribuição do selo Abraxas Records . E o disco é realmente uma excelente estreia, composto de 9 temas, inspirandos no rock 70’s e no stoner rock com um leve flerte com post-rock, alia perfeitamente criatividade, peso e excelência na execução. 

Pode não parecer, mas o rock  instrumental é muito rico em nosso país, mas como agente não conhece porra nenhuma mesmo, é melhor reclamar. O trio gaúcho se filia com muita altivez nessa rica tradição escondida em nossas terras, de bandas conterrâneas como a deliciosa Pata de Elefante, até o mais ou menos conhecido Macaco Bong, pra ficar em dois nomes atuais.

Paisagens e Delírios(2017), título do disco inspirado no blog onde o falecido baixista Flávio Mecking escrevia, nos traz certamente o correspondente musical, transformando esses conceitos em ideias musicais, com uma desenvoltura arrasadora. Os títulos das canções nos remete a essas ideias como que de outro modo, storyboardings poderiam nos dar um guia para um filme. Só que em termos de música a imaginação corre solta aliada as sensações e as percepções, as timbragens, riffs, encadeamentos, ritmos, harmonias e melodias usadas aqui e ali. 

O acordar nesse Quarto Ácido que a capa do disco já nos informa belamente com uma arte linda, é com uma “Manhã Sépia”, primeira faixa, cheia de uma lisergia que vai  se construindo cuidadosamente. Como aquele despertar preguiçoso, os riffs e a bateria vão desenhando lentamente a percepção do alvorecer, com o baixo pulsando nos nossos ouvidos, até a guitarra de Pedro Paulo começar a solar. Aí já estamos plenamente despertos e ainda não totalmente informados da epopeia que o disco nos apresentará. Os sons dos pássaros fazem a ligação entre o começo da manhã e o “Delírio” seguinte.  

Com o apoio de Adriano Zulli (teclado e sintetizador) e Rodrigo Fetter (teclados), a segunda faixa que começa tranquila, explode logo após a introdução como o peso dessa realidade caótica que nos cerca. É talvez se se quiser o momento em que “algo” bate e você se dá conta dos “Delírios” individuais ou coletivos em que estamos. As trocas de andamento, o sintetizador, a guitarra solando em distorção, demonstram a tranquilidade da execução, sem lançar mão de clichês para alcançar os efeitos desejados. Levamos em consideração que esses efeitos possam ser denotados dos títulos, do nome da banda e da arte do disco. Sendo assim, o sintetizador de Zulli nos leva do “Delírio” à “Serena Inquietude” e aí vamos aos poucos nos dando cada vez mais conta do que essa entrada no Quarto Ácido nos propõem. 

Alex Przyczynski passeia pelo seu quite de bateria com uma suavidade e força dignos do título da música, a cozinha num entrosamento delicioso com o baixo de Vinicius Brum segura a composição toda trabalha na quebra dos andamentos. O que nos remete a toda inquietude serena que a nomeia.

“Pinot Noir” a faixa seguinte, a rainha das uvas, um vinho delicioso transformado em música, é mais uma prova redundante da qualidade técnica e da criatividade e inventividade com que o trio gaúcho cria deliciosos espaços sonoros. Com bastante originalidade os caras realmente conseguem lhe prender a atenção no equilíbrio entre virtuosidade e música. Sem nenhum tipo de punheta virtuosística, tocam para a música, criando empatia por suas paisagens musicais e seus delírios instrumentais. Talvez seja assim que se faz e se degusta bons vinhos, no equilíbrio mais pleno entre o erudito e a força da intuição.

A faixa seguinte “Obscura” nos faz lembrar do caráter imagético do disco, nossa trilha sonora nos últimos dias. Com um inicio meio inicio, porrada, a inclusão do sax do Mauricio Oliveira nos dando um clima meio cinema noir, e mais porrada. Passamos para a “Marcha das Raposas” com a guitarra de Pedro Paulo introduzindo-nos nessa cadência esperta que de algum modo é de todo o disco. Confesso que em alguns momentos buscamos as referências supracitadas, onde está a referência direta ao rock dos anos 70? Cadê os clichês do stoner rock? E se aqui eles estão, é apenas como inspirações, o derivativo sendo levado quase que ao abstrato. Ao beber de diversas fontes mas não se prender em nenhuma, os caras do Quarto Ácido conseguem derreter as referências e nos propor uma viagem própria.

Beirando em alguns momentos o experimentalismo como em “A Última Peça”, e a inclusão de bonitos e doces teclados de fundo, com a percussão Edimilson Dias, é uma música cândida e que se parecer fora do lugar é porque você não entendeu nada. Momento reflexivo e menos denso do disco, a faixa que não é a última, marca a mudança dentro dessa jornada. Emendando com a “Feeling Dead”, cheia de sentimento e uma porrada mais pra frente e um pouco mais reta que as demais faixas do álbum. 

A importância da eletrificação do baixo, e sua inserção no jazz rock, assim como a importância do Flávio Mecking para a banda é homenageada no fim dessa jornada com outra porrada introduzida pelo baixão de Vinicius. Não sabemos se os caras são católicos, mas o “33” é um bonito Salmo que em nossa interpretação ateísta pode servir muito bem a Música.

Assim começa o nosso Salmo:

Regozijai-vos na MÚSICA, vós justos, pois aos retos convém o louvor.
Louvai a MÚSICA com harpa, cantai a ela com o saltério e um instrumento de dez cordas.
Cantai-lhe um cântico novo; tocai bem e com júbilo.

O Quarto Ácido é um dos cômodos do nosso rock, da nossa música brasileira, onde a MÚSICA é louvada com toda a retidão e capacidade inventiva que os proselitismos, modas e clichês de gêneros não permitem. Sendo assim, se permita conhecer e deixe de falar besteiras por aí, o rock está mais do que vivo, está criando, se reproduzindo e atacando em todas as frentes. Esse trio do Rio Grande do Sul, da pequena Panambi, chegam com um excelente disco de estreia, mas parece que não serão chamados pro próximo RIR.

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