Moonspell revela a magnificência e a calmaria de sua arte em seu mais recente trabalho. Confira nossas impressões sobre o momento em que os lobos encontram o silêncio.
Hermitage é um daqueles discos que você não acha que precisa dele até ele aparecer. Os dois álbuns que mais ouvi na segunda metade de 2020 foram disparados o Napalm Death – Throes of Joy In The Jaws of Defeatism e o Anaal Nathrakh – Endarkenment(com pausa para o Springsteen – Letters to You e o McCartney III no período natalino), e não esperava começar o ano de 2021 com algo assim.
Talvez a questão converse exatamente com o que temos em seu conteúdo. Enquanto o Napalm e o Anaal representam o impacto brutal e apocalíptico que 2020 nos mostrou, e se pegarmos o gancho no título do segundo, e assumirmos que, apesar de tudo, aquilo era “só” a chegada da nuvem cinza, aqui, já temos uma visão das trevas. E quem melhor para mostrar alguma chama nessa falta de luz?
Seria uma certa sedação que o presente ano nos traz? Tem algo muito belo no silêncio daqui, não que as duas outras bandas não encontrem flores no caos, pois encontram muitas em seus últimos esforços, mas neste, são como lírios no campo, ainda que algo muito denso esteja encobrindo o Sol que os banharia.
Hermitage, álbum mais recente do Moonspell, produzido e mixado por Jairo Gomez Arellano, conhecido pelo seu trabalho com o Paradise Lost, é uma surpresa até para os grandes fãs como eu, fruto de uma maturidade que faz com que a banda não queira mais ter controle sobre sua arte, mas saiba muito bem em que momento deva entrar em ação para domá-la. Maturidade essa, aliás, que vem de uma formação bastante sólida, composta por Fernando Ribeiro(vocais), Pedro Paixão(teclados), Ricardo Amorim(guitarra), Aires Pereira(baixo), e apresentando o Hugo Ribeiro(bateria), em seu primeiro trabalho de estúdio com o grupo, que já mostra muito entrosamento e real espirito de entendimento da tamanha versatilidade e do senso de time que essas canções precisam para ganhar vida.
Wolfheart, seu debut, causou um assombro muito grande na cena Black Metal mundial, mas logo em seguida, os portugueses já mostraram sua afeição e domínio por uma atmosfera gótica, que nem por isso, deixaria seu nome longe do som extremo, como podemos comprovar no furioso e épico 1755. Então o que esperar da nova era?
Ocorre que o novo trabalho leva o termo “gótico” para um lado menos metálico, e aproxima o Moonspell muito de um Depeche Mode, coisa que já havia acontecido em alguns momentos de sua carreira, começando com a perturbadora reviravolta sonora em Sin/Pecado, de 1998. Dessa vez, a aproximação acontece de uma forma mais orgânica e minimalista, com timbres escolhidos a dedo, e até nos vocais, em alguns momentos. Por falar em vocais, aqui temos interpretações sublimes e hipnotizantes, e não temos como usar esses termos sem identificar outra influência fortíssima presente por todos os cantos: o Pink Floyd e seu icônico The Dark Side of The Moon.
Muitas linhas revisitam com maestria o petardo do gigante britânico e mostram que o Moonspell está afiadíssimo em criar climas e promover viagens, como em “All or Nothing” e nas belíssimas faixas instrumentais, e isso soa tão natural que consegue acontecer sem a pompa de outrora, como já tivemos em Night Eternal, Memorial, ou no já citado 1755. Tudo nasce do respiro, da quietude.
Mas e o metal? A maturidade também afeta as guitarras, e temos muitas delas sim, quase como feixes de luz cortando a penumbra, mas em uma leitura bem mais classic rock, de timbres robustos, porém aveludados, bem como os baixos e camas de teclados, remetendo mesmo à tons mais sóbrios e a uma sonoridade mais setentista. “Common Prayers” e ”The Hermit Saints” mostram todos esses detalhes em suas melhores formas.
Parece delicado? Sim, mas com um poeta tocante como o Fernando Ribeiro no comando das letras, o disco toma proporções lancinantes e devastadoras, tendo “The Greater Good” como melhor exemplo disso. O peso e a agressividade estão a serviço do texto, quase como o estopim para derramar as lágrimas que parecem lutar para não escorrerem, em vários momentos, e o trabalho de declamação desse texto, por parte de toda a banda é quase operístico, quase como se estivéssemos assistindo à tragédia dos dias atuais da plateia de um imponente e escuro teatro do século passado. Tudo é alto, é grandioso, mas ainda assim, nos deixa o gosto de solitude. Lembra 2021?
Em clima de celebração dos seus 30 anos que se aproximam, o grupo português já trouxe até para o Brasil, em parceria com a Estética Torta, sua bela biografia Lobos Que Foram Homens, que é um ótimo artigo para entender sua caminhada para um som tão diferente de seus primórdios nesse momento de carreira. Em uma fase em que seus pares, como o Paradise Lost, que também lançou um grande álbum no ano passado, acabam dividindo tanto os fâs em suas aventuras sonoras, o Moonspell parece ter conseguido entregar, às vésperas de um aniversário tão importante, e em momento de tanto reconhecimento por seus serviços à música extrema, na forma de Hermitage, o seu disco definitivo e um dos mais belos e intensos trabalhos do ano.