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QUA$IMORTO são tão profundos como os recifes amazônicos!

QUA$IMORTO são tão profundos como os recifes amazônicos! Seu disco de estréia OITOOITO (2019) mostra que a cena não está preparada para eles

O grupo de rap manauara QUA$IMORTO, lançou seu disco de estréia e apresenta um trabalho que musical e poeticamente chegam a cena de modo irrepreensível. A audição do disco, em suas oito faixas nos remetem a um mosaico de linhas e batidas que são sempre um impulso para a perdição, aja à vista a complexidade que cada faixa carrega.

Uma perdição que é também contemplação de uma reunião de artistas que produzem um duplo artístico perfeito do seu local de origem, se tivermos a necessária disposição de os colocar em nosso recolhimento, no colher de cada um dos autores. Suas linhas, produções, declamação de singulares percepções do real. O dizer aqui está embrenhado numa floresta que é a maior do nosso planeta, certo que emitidos por citadinos, mas sempre atentos ao seu derredor. Atenção que produz ao fim da audição de que estamos diante de um trabalho muito rico, de um ecossistema novo, de certo modo representando uma virgindade que não existe mais em seu duplo natural/artificial.

Ao redor da floresta amazônica gira o mundo e talvez pra quem viva tão ao norte, o horizonte seja tão importante quanto o mais próximo, no sentido de se estar tão perto de uma riqueza necessária para o globo, que é necessário o apoio externo para a defesa do que é próprio. Há de fato um pathos da distância atravessando todas as linhas, de algo pra alcançar, e sobretudo de algo a se ir buscar, curiosamente dentro de si mesmo.

Geograficamente, a Amazônia é longe de tudo que sabemos e vivemos, é o norte do país que nunca valeu nada, para além do exostismo para inglês ver, ou das riquezas naturais a se explorar. Aqui nesse país de dimensões continentais e com uma visão cultural das mais provincianas que se tem noticias, com uma politica atual que representa bem a fossa que é a nossa elite branca, o pulmão do mundo é mera bandeira política, entre a direita e a esquerda, a Amazônia queima.

Posição singular no mundo, riqueza global almejada pela exploração das grandes corporações, a região norte é a nossa ilustre desconhecida. Aquela que amamos lembrar em momentos de crise extrema, como agora, ou que serviria como uma pauta bastante adequada ao “calor” do momento, seja no extermínio de populações indígenas, ou de aquecimento global. O elefante branco, ou o boto rosa nadando no meio da sala é que desconhecemos quase tudo que de lá vem.

Lembro do relato da  querida professora Nancy Mangabeira Unger, feito durante uma aula certa feita, que a floresta era escura e um tanto claustrofóbica, fechada óbvio, e que ao mesmo tempo quando queimada, o cenário era da mais completa destruição, como se se estivesse em meio a uma devastação feita por uma guerra. Penso que é nessa fronteira que o QUA$IMORTO vive, é daí que eles emanam o seu dizer, o seu brincar com a palavra, com a linguaguem: aquele VECG (2017), que ja tinha sido enunciado musicalmente por Victor Xamã.

Não se confundam, não queremos dizer que aqui exista qualquer prosaico ou bucólico naturalismo, nada disso cabe aqui, é música urbana, porém com um sabor diferente. É rap, totalmente embebido na cultura hip hop, com uma força de quem sabe-se ter um norte, mas que por isso mesmo cartografa um mapa complexo, uma trajetória que sempre foge do óbvio. Nos beats e nas rimas, esse disco de estréia do grupo de Manaus é um dos melhores lançamentos do rap nacional feitos até aqui.

A trupe formada por Victor Xamã, João Alquímico, Luiz Caqui & Fernando Vário$, os mcs – que realmente merecem esse título – se juntam ao Dj MAQ  formam essa entidade do underground chamado QUA$IMORTO. Eles apresentam diversos temas e uma musicalidade ímpar. Não se encontrará nada parecido no rap nacional, é essa a singularidade dessa galera e a “cena” infelizmente não está pronta para esse disco. Como de resto, nossa sociedade não está preparada para absorver propostas diferentes…

Quando amadurecemos entendemos que não se admira arte por rótulos, mas sim pela força dos afetos que essa suscita. Quanto mais ouvimos realmente o rap nacional, mais percebemos a artificialidade que guia as réguas e as amostragens que são produzidas aí, fica-se com a forte impressão de que é a mentira aquilo que mais impressiona, assim como é o mais ególatra aquilo que guia a maioria.

O disco OITOOITO (2019) rompe com essas divisões em sua música, começando pela divisão entre mainstream x underground, a produção de Victor Xamã é-estar no mesmo nível das melhores do mainstream em termos de qualidade, mesmo utilizando timbres e batidas que fogem ao padrão. As linhas dos quatro mc’s rompem com divisões sobre rappers que falam de amor, politica, subjetividade, sentimentos e intenções. As participações de Matheus Coringa e do Sergio Estranho, duas das melhores vozes do under, mostram como eles podem soar mainstream (na qualidade da produção).

Entendemos que o under é mais uma intenção política/estética do que propriamente  uma posição no mercado, pois só faz sentido dessa forma, Van Gogh foi underground, The Stooges, Belchior foram undergrounds. Mas sabemos que não se tratava da qualidade de sua arte né? Eram posições estéticas e políticas que naquele momento os colocavam nessa posição diante da industria e consequentemente do público.

Ao longo de 28 minutos e 20 segundos e oito faixas vocês terão – se se permitirem acolher – a certeza de que tudo isso é tão artificial como a distinção Homem x Natureza. Aqui seres humanos criam imagens atraves das copas das arvores, tiram leite de pedra e demonstram com uma clareza absurda como existem mentes que reunidas conseguem ser tão profundas quanto os recifes amazônicos, tão caudalosos quanto o Rio Negro e o Solimões.

Profetas irônicos, fazendo queimar sua mente e não é São Paulo, não é cult!  

 

 

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