O punk rock californiano chegou com muita força “pop” nos anos noventa no Brasil, com uma enxurrada de boas bandas e um boa variedade sonora
O estado da Califórnia nos E.U.A. é certamente um dos berços do rock mundial, por lá nasceram diversos movimentos contraculturais ao longo do século XX. Não é exagero algum situa-la como um dos maiores celeiros de bandas fundamentais para praticamente todos os subgêneros que o rock viu nascer ao longo de sua história. E certamente o punk rock e o hardcore, gêneros nascidos na virada das décadas de 70/80 do século passado não poderiam ficar de fora.
Após o nascimento de uma primeira e importantíssima geração com nomes como Germs, Circle Jerks, X, Bad Religion, The Dickies, Descendents, T.S.O.L., Dead Kennedys, Black Flag entre outros. Os anos 90 viram o ápice pop da geração seguinte, que domesticou e de certa forma amansou a sonoridade mais explosiva da vanguarda anterior. As guitarras estridentes, os gritos mais guturais, a caótica construção deu lugar a cantos mais melódicos e guitarras não menos baixas. Uma maior mistura trazendo influências do Ska, do rock alternativo, do reggae criaram aos poucos uma sonoridade que aos poucos foi se diferenciando da geração anterior.
O que não impediu que excelentes bandas surgissem e influenciassem as novas gerações que então eram bombardeadas com essa explosão Punk rock hardcore de acento mais pop. Elemento importante também é que essa nova geração encontrou na série de coletâneas Punk-O-Rama um excelente veículo de divulgação. Assim como em nosso país, as coletâneas das revistas Fluir e Hardcore, foram as responsáveis para que milhares de adolescentes praticantes de esportes radicais como o surf, bodyboarding e skate, tomassem conhecimento desses sons.
Selecionamos 5 bons exemplos de grandes bandas que surgiram nesse bojo do punk rock hardcore californiano dos anos 90. Todas foram muito importantes para a divulgação do estilo e deram certamente contribuições grandiosas, arrebatando novos fãs. O que inclusive levou muitos a buscarem as origens delas e puderam descobrir além das bandas acima citadas, a história do punk rock hardcore. Então vamos deixar de muito papinho e direto e reto nas bandas e discos como tem que ser.
Banda fundada em 1988 pelos colegas de uma escola em Hermosa Beach: Jim Lindberg(vocalista), Fletcher Dragge(guitarra), Byron McMackin(bateria) e Jason Thirsk(baixo), a Pennywise é certamente uma das bandas mais relevantes dessa geração. About Time (1995) é seu terceiro e aclamado disco, após o debut pela Epitah e o enorme sucesso de Unknow Road (1993). Sendo assediados por várias gravadoras grandes, a banda preferiu continuar no selo que lhe deu a primeira oportunidade e gravaram essa porrada. Assim como os álbuns de sucesso anteriores, About Time (1995) teve em Killing Time seu carro chefe, sendo trilha de abertura do clássico Warped, filme que formou gerações de Bodyboarders no mundo todo.
O disco é certamente um dos pontos mais altos de uma carreira que possui muitos discos maravilhoso, com a produção de ninguém menos que Brett Gurewitz. O mago do Bad Religion conseguiu e muito plasmar a potência sonora e as mensagens, equilibrando perfeitamente forma e conteúdo. Com uma sonoridade muito urgente e direta, calcada e sem muita firula essa é a característica principal dessa banda. Um disco que traz letras muio fortes como “Peaceful Day“, “Perfect People“, “Same Old“, “Not Far Away” e a já citada “Killing Time“, com uma critica social muito forte. Abordado temas de formas mais elaboradas que os esporros caóticos da geração anterior, de certo modo numa outra chave para vincular discursos sociais e políticos. O Pennywise é certamente uma das bandas mais consistentes dessa geração.
Uma banda onde o grande responsável tanto pela sua força, quanto pela sua continuidade foi o Dave Smalley. O disco com o qual eu tomei contato com essa que hoje é uma das minhas preferidas do período foi o All Scrached Up de 1996. Lembro como já na primeira audição o som que as caixas emitiam se diferenciava muito do que até então eu escutava. Os andamentos e os riffs sempre me fizeram lembrar de bandas mais voltadas pro alternative rock, apesar da presença hardcore/punk esta no centro de tudo. Mas chegada pras guitar bands do que pras bandas de hardcore. Até que eu conheci a perola aqui em questão, e não mudei minha opinião, o Down By Law se caracteriza por fazer seu som numa pegada que muitas vezes lembra bandas do rock alternativo, sem perder com isso a proposta do som e nem a carga punk. Durante vários discos a banda mudou de formação e Punkrockacademyfightsong (1994) seu terceiro álbum conta com Hunter Oswald (bateria e vocais), “Angry” John Di Mambro (baixo) e Sam Williams III (guitarra solo) além do “chefe” Dave Smalley. A produção ficou por conta da dupla Michael Douglas e Alex Reed.
Com composições de Hunter, Sam Williams e Dave Smalley temos uma diversidade de temas abordados. O disco combina músicas cantando amor como “Flower Tattoo” ou “500 Miles”, com criticas ácidas a certa intolerância da cena punk com novidades em “Drummin’ Dave Hunter Up”. Há ainda espaço pra gritos de rebelião como em “Punk as Fuck” e anti-fascismo como em “1944”.
Ao longo dos anos, o Down By Law foi se tornando uma daquelas bandas que só fazem crescer em nossa estima, muito por conta dessa diversidade. Com temática e sonoridade que faz com que o som da banda envelheça muito bem. Escute “Heroes and Holligans” e entenda como é possível construir uma música punk sem ser repetitivo, o apuro técnico não é sinônimo de bunda molice!
3. Rancid – …And Out Come The Wolves (1995)
Saindo dos escombros da excelente Operation Ivy, o Matt pretende arrumar uma ocupação para o seu amigo Tim, que estava pegando pesado com as drogas. E assim surge o Rancid, banda que trouxe para a cena de então, com o mais puro Ska-Punk. E aqui senhoras e senhores, os caras produziram uma verdadeira fábrica de hinos, hits, sucessos, como queiram chamar. O fato é que a banda de Tim Armstrong (vocal e guitarra), Matt Freeman (baixo), Lars Frederiksen (guitarra), Brett Reed (bateria) produziram um petardo em seu terceiro disco. O título do disco remete-nos ao assedio então sofrido pela banda por parte das grandes gravadoras que na época já lucravam muito com o Offspring. Mas assim como o Pennywise, os caras decidiram pela permanência na Epitah.
A forte influência de clássicos como The Specials e The Clash, podem ser sentidas ao longo de toda a bolacha que traz nada menos que 19 canções, das quais pouquíssimas podem ser esquecidas após algumas audições. Em um ritmo muito forte, na mescla já citada de punk e ska, as músicas que And Out Come The Wolves apresentam parecem todas provindas de algum paraíso pop. Grudam como chiclete apesar de tratar de temáticas como a vida e morte de jovens delinquentes “Time Bomb“, “Maxwell Murder“, a vida de um viciado em heroína, “Junkie Man“. Mas também a espaço pra celebração como na ensolarada “Roots Radicals“, onde Tim fala de sua aproximação com o reggae. Ironicamente, tal como o título do disco é a canção “Disorder and Disarray” uma critica às grandes majors da música.
Uma banda coesa, boas composições, um vocalista com um timbre sujo e um baixista muito acima da média, que preenche a bolachinha com excelente solos. O Rancid continua na ativa e lançou seu último álbum em 2014, o mediano … Honor Is All We Know, mas certamente esse permanece sendo o ponto máximo da banda!
4. Green Day – Dookie (1994)
Amigos de infância, Billy Joe Armstrong (guitarras e vocal) e Mike Dirnt (baixo) passaram a morar juntos aos 15 anos e a trabalhar juntos também pra se manter. Juntos ao batera Tré Cool, gravaram Dookie para sua nova gravadora Reprise, que então os tinha contratado após a excelente repercussão do disco anterior Kerplunk (1992). Esse top five se estrutura na ideia de que o punk rock hardcore desta geração possui um apelo mais pop em suas sonoridades e composições. No entanto, das citadas até aqui nenhuma perdeu uma gota da autenticidade de sua força musical.
Neste sentido é preciso dizer, que o Green Day é uma das bandas que utilizou esse procedimento de modo a tornar a sonoridade de sua música algo completamente pasteurizado. Pouco importa se conscientemente ou inconscientemente, o fato que é este multi-platinado disco diluiu até não poder mais quaisquer resquícios de agressividade e rebeldia. E com isso talvez tenhamos o primeiro ou pelo menos um dos primeiros discos de punk pop, seja lá que diabos isso queira dizer. Porém é fato que o Dookie arregimentou milhões de fãs pro gênero com o seu sucesso mundial, as imagens de Billy Joe enlameado durante a guerrinha no Woodstock percorrem o mundo. Assim como os clipes dos singles escolhidos, não paravam de passar na MTV.
Para nós foi de certa forma, um esforço hercúleo conseguir chegar ao fim desse disco, com breves exceções como “Longview“, “Basket Case” e “She“. Exatamente os hits explorados a exaustão na época do lançamento e que pra nós funcionou como ouvir uma curiosidade com a qual não trombávamos a algum tempo. A única exceção a essa regra mas que serve pra confirma-la é a última música “N.O.D.“, música com algum peso após um longo lamento no violão. Enfim, esta aqui um exemplo de uma merda que continuará a ser uma merda. No entanto, é importante lembrar que a carreira do Green Day dura até os dias de hoje e muita água, digo, discos foram lançados. Com melhore ou piores resultados, porém isso é papo pra outro texto.
5. NOFX – Punk In Drublic (1994)
Talvez seja o caso de dizer que essa banda e sobretudo esse disco é um espécie de síntese de tudo que abordamos até aqui. O Nofx é musicalmente diversa como todas as bandas acima e Punk in Drublic é um dos álbuns dessa geração que mais venderam. Mas isso é dizer muito pouco de um disco tão rico e que marca definitivamente um momento de virada da banda. Formada em 1983, por Fat Mike (vocal e baixo), Erik Sandin (bateria) e Eric Melvin (guitarra), é apenas em 1991 que eles encontram a sonoridade que os deixaram famosos. A entrada de El Hefe (trompete, guitarra) traz e fixa o ska como mais uma vertente musical a ser explorada.
Punk in Drublic faz isso com maestria ao longo de 17 faixas a banda consegue unir o peso do hardcore ao balanço do ska e a seriedade punk, numa mistura genial de humor e forte critica politica, social, de gênero e racial. Sim, o disco já abre em clima hardcore com “Lineleum” e uma forte critica ao consumismo. Pule pra “Dig” e ouça a porrada punk onde Fat Mike canta, numa quebra de ritmo pro ska, sua ode anti- capitalista:
“underneath the city lies the ruins of mankind
the excavation was a financial success
with artifacts of gold
the arrowheads went straight to the Smithsonian”
Poderíamos caçar diversos outros momentos de inspiração dentro das músicas que preenchem esse clássico. “Don’t Call Me White“, é um outro petardo anti-racista, onde a consciência da dívida histórica dos brancos é entendida. “The Brews” começa com uma guitarra barulhenta criando o clima agradável e adequado para mais uma noite de caça anti-nazista pelas ruas de L.A. “Lorri Meyers” traz a participação pesada e elegante de Desi Mizhari cantando a independência moral e financeira de uma prostituta. E apesar dos temas cascudos, interessante notar que em momento algum estamos na audição de um disco sisudo, o humor e a leveza são parte intrínseca e inseparável das composições e do clima desse clássico.
O NOFX continua na ativa com a mesma formação, equilibrando-se em discos que vão do mediano ao bom, mas ao que nos consta nunca mais alcançou a excelência deste Punk In Drublic.
Ficamos por aqui, na certeza de que outros discos poderiam ser escolhidos, mas esses em questão o foram, porque além de serem bastante relevantes de momentos das bandas e do cenário, também constituíram nossa educação sentimental. Como bem dizia um amigo, velho punk sergipano por adoção: ajudaram a formar o nosso caráter. Ouçam, discordem, compartilhem, que logo menos continuaremos nessa saga com o punk rock hardcore de modo decrescente, até suas raízes. Porque sinceramente não haverá um top 5 pop punk e muito menos um top 5 emo, isso não!