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Prog Jazz do Absurdo: o som que se rebela frente as convenções musicais

Prog Jazz do Absurdo: o som que se rebela frente as convenções musicais. Projetos onde a iconoclastia é a veia criativa em constante devir !

Fazer música é contestar as convenções. É um desafio criativo frente às capacidades de promover um diálogo entre cozinhas completamente diferentes. Conectar influências e fazer com que elas coexistam sobre o mesmo contexto, ainda que de forma pouco ortodoxa…

Interligar linhas improváveis exige estudo, repertório, um conceito criativo coeso e um time de músicos comprometidos em corromper o revisionismo. Foi com esse ímpeto que o Prog Jazz do Absurdo voltou para estúdio – depois de gravar 6 discos em take único em 2018 – dessa vez com um projeto ainda mais ousado.

Foi com todo o suporte subversivo da Tiro no Pé Produções Artísticas que o grupo liberou 5 discos e 5 clipes, bem na virada do dia 24 para o dia 25 de dezembro de 2019. O som, no entanto, caminha a léguas submarinas de distância, frente a proposta de improvisação que deu o tom nas sessões realizadas no BTG estúdio, sob a batuta de Zeca Leme. O resultado é um lançamento natalino tão refrescante quanto um shot de ácido sulfúrico.

Em 2019 o groove teve outros rumos. Dessa vez, foi com ao lado de Othon Ribeiro na engenharia de som – no Estúdio e Gravadora Galeão – que o P.J.A trouxe o Jazz para o Renascimento, tocando ao lado de um quarteto de cordas e um trio de metais, tudo sob a regência do arranjador Carlos Eduardo Samuel.

Com todos os discos registrados em apenas 1 dia, o projeto foi arquitetado com base em 5 conteúdos curados pela banda. Cada disco trouxe uma proposta de interação diferente frente ao combo de Jazz, o quarteto de cordas e o naipe de metais, explorando desde as possibilidades de afinação até as diferentes dinâmicas de banda com o auxílio da música clássica.

O Oganpazan acompanhou as gravações e faz agora um dossiê completo sobre todos os registros. A única coisa que se manteve se comparado aos trabalhos anteriores foi a fixação dos meliantes perante as gravações em take único.

“5 anos em 50”

O primeiro registro da sessão, “5 anos em 50” é uma alegoria frente ao slogan do presidente Juscelino Kubitscheck e sua utopia progressista de slogan publicitário: “50 anos em 5”. Produzido para explorar a interação do quarteto de cordas com a banda, além de contar com elementos de sobreposição em camadas heterogêneas, o grupo confronta a afinação tradicional enquanto subverte composições do próprio regente, Carlos Eduardo Samuel, além de excertos de temas de outros compositores.

Line Up Prog Jazz do Absurdo:

Wagner Wasconcelos (bateria), Victor TED Prado (trompa), Conrado Vieira (teclados), Rob Ashtoffen (baixo fretless)

Line Up quarteto de cordas:

Lucas Raulino (violino), Felipe Galhardi (viola), Amanda Ferraresi (violoncelo), Giovanni Sartori (violoncelo), Carlos Eduardo Samuel (condução)

Um exemplo é a peça “Concert Etude nº4 Reminiscence”, composição do pianista ucraniano Nikolai Kapustin. Já a temática do disco, faz clara alusão ao processo de retrocesso que lidera o Brasil rumo ao apogeu da precariedade, algo cotidiano na realidade da América Latina.

Musicalmente, no entanto, o quarteto de cordas trabalha com preenchimento harmônico, hora textural e melódico, enquanto o quarteto do Prog Jazz toca com a tranquilidade de quem pensa que está tudo bem com o ProTools.

Foi interessante como apenas o regente (Carlos Eduardo Samuel) escutou os 2 quartetos ao mesmo tempo. A comunicação dos músicos de cordas com o quarteto do Prog Jazz foi única e exclusivamente através do reflexo do vidro que dividia as duas salas. A interação deu o tom dos discos e influenciou cada uma das propostas de maneiras diferentes entre si.

Para o trabalho audiovisual do clipe que conta com direção fotográfica de Welder Rodrigues, além da participação de Ca Lucena, Eder Martins, Henrique de Paula e Thais Grootveld, o vídeo que representa essa primeira sessão evidencia o que o arranjador Carlos Eduardo Samuel gosta de chamar de “circunstância da precariedade”.

Ressaltando a derrocada de um país que definitivamente não deixa o fracasso subir à cabeça, o vídeo é uma ode ao grande loop sadomasoquista que as nossas liberdades individuais já precisaram superar.

“As Bachianas do Progjazz (O Escravo mal-temperado)”

Para a segunda sessão, pensando no repertório do disco “As Bachianas do Progjazz (O Escravo mal-temperado)”, o foco se dividiu em 2 pilares. No primeiro deles, os cânones de Sebatian Bach “Canonis Diversi”, e “Durch Adams Fall 1st Ganz Verderbt” (“Através da queda de Adão está consolidado”).

Com essas referências, o grupo trabalha o mito de Adão e Eva, com atenção especial para o momento em que os 2 meliantes descenderam do paraíso para a terra, explorando a música com uma dinâmica diferente em prol do declínio da humanidade.

Line Up Prog Jazz do Absurdo:

Wagner Wasconcelos (bateria), Victor TED Prado (trompa), Conrado Vieira (teclados), Rob Ashtoffen (baixo fretless), Eder Martins (voz – narração)

Line Up quarteto de cordas:

Lucas Raulino (violino), Felipe Galhardi (viola), Amanda Ferraresi (violoncelo), Giovanni Sartori (violoncelo), Carlos Eduardo Samuel (condução)

As cordas tocavam de maneira independente do quarteto do P.J.A, executando os temas (cânones) uma vez, intercalado com as entradas do quarteto elétrico. O silêncio foi um elemento importante desse take em especial, pois ele foi influenciado pelos volumes das cordas que aumentavam ou abaixavam conforme um elemento entrava ou saia de cena.

Com um disco que tenta emular uma transmissão de rádio, a “Rádio Culta” apresenta o programa “Tarde Extremamente Culta”. Com narração de Eder Martins, a metalinguagem é utilizada como um recurso muito interessante dentro do contexto experimental. Aê, garçom, lança aquela pimentinha.

Para o clipe que conta com Eder Martins, dessa vez na atuação, o vídeo mescla referências estéticas do Dadaísmo e Surrealismo, além do Cinema Novo, sempre com base em estudos conduzidos pelo núcleo criativo do Prog Jazz, principalmente em termos de proposta visual, com montagem e edição de Welder Rodrigues, o sky dog da Zona Sul.

“Carlo Gesualdo contra os Hermetistas”

Esse disco foi um dos mais desafiadores da sessão como um todo. O quarteto de cordas foi levado ao limite, principalmente dentro do que foi estabelecido como conceito para os experimentos com afinação. Ao conseguir colocar os madrigais de Carlo Gesualdo sob o mesmo teto que a música de Hermeto Paschoal, o PJA questiona a dificuldade que os instrumentistas brasileiros possuem – principalmente pensando na música instrumental – de se reinventar, repetindo a formula que o Hermeto já faz há algumas boas décadas.

Line Up Prog Jazz do Absurdo:

Wagner Wasconcelos (bateria), Victor TED Prado (trompa), Conrado Vieira (teclados), Rob Ashtoffen (baixo fretless), Eder Martins (voz – narração)

Line Up quarteto de cordas:

Lucas Raulino (violino), Felipe Galhardi (viola), Amanda Ferraresi (violoncelo), Giovanni Sartori (violoncelo), Carlos Eduardo Samuel (condução)

A ideia está longe de criticar o trabalho do mestre albino, é uma clara crítica ao puro revisionismo, mesclando o conteúdo dos madrigais – composições vocais para coral – com os hinos da discografia Hermética, como “Slave Mass”, por exemplo.

Foi parecido com a leitura de um livro do Olavo de Carvalho, porém as interações com cordas ao menos fazem sentido.

Pra o clipe que apresenta Thaissa Santos como personagem principal, as imagens de drone captam a essência do nascimento, o ritual e a dança. Feito em preto e branco como um simbolismo direto ao diretor, escritor e produtor sueco Ingmar Bergman – além de influências advindas da produtora checa, Vera Chytilová e do chile Alejandro Jodorowsky – o conceito do audiovisual flerta com seitas religiosas e a panaceia universal da alquimia, sempre com essa abordagem de estudos ocultos. Prog Jazz não é bagunça, não, papai, deixa o Welder na direção fotográfica que talvez dê pra salvar as filmagens.

“Lassata est Culus in Ecclesia Manducare” – “Cansei de Comer Cu em Igreja”

Um disco com foco em motetos do belga Orlando di Lassus – outro compositor renascentista – as peças são voltadas para voz novamente e ressaltam um contexto sonoro mais lento e monofônico. Esse foi o último disco gravado com cordas e em função das circunstâncias pouco ortodoxas, o quarteto de cordas, formado por Lucas Raulino (violino), Felipe Galhardi (viola), Amanda Ferraresi (violoncelo) e Giovanni Sartori (violoncelo) foi levado ao limite.

Como resultado, os músicos abandonaram o estúdio. Tão logo a sessão terminou, todos os instrumentistas envolvidos pararam de tocar, se recusaram a continuar, guardaram suas respectivas ferramentas de trabalho e, sem pestanejar, todos saíram do estúdio sem nem se despedir. Lassata est Culus in Ecclesia Manducare, é foda meu caro. O Welder ficou receoso de ser creditado nesse clipe, porém o que é certo é certo. Ele fez a direção fotográfica, além da montagem e edição, novamente.

Em termos musicais, essa nova dinâmica possibilitou cruzamentos entre os 2 quartetos, fazendo com que os 2 núcleos até tocassem ao mesmo tempo em certos embates, devido ao caráter mais lento das composições em motetos. Pra o clipe que complementa o registro, uma homenagem ao sofrimento que permeou o processo de gravação e que fez o quarteto de cordas considerar a morte como uma fuga plausível para deixar de participar deste projeto.

“Como o Sistema Temperado Arruinou a Harmonia”

Uma ácida crítica ao sistema temperada de afinação, essa gravação mostra a diferença entre temperamentos do passado, como é o caso da realidade na música Barroca, por exemplo. A Transposição de tonalidades mudava o som conforme ele se desenrolava – dessa vez sem cordas – mas com um naipe de metais, formado por Victor TED Prado (trompa), Lincoln Martins Ramos (trompete) e Leonardo Santiago (trombone), cumprindo o papel das cordas sob uma ótica diferente.

Com a chegada do sistema temperado os timbres se distanciam de uma lógica pitagórica, puramente ligada à matemática. Por essa razão, o papel dos arranjos manteve o mesmo padrão de experimentos de afinação e mostra essa mudança nos timbres que caracterizou esse momento histórico-musical. 

O disco é uma homenagem a Portsmouth Sinfonia, uma orquestra inglesa formada na escola de Artes de Portsmouth em 1970. Vale ressaltar que a Portsmouth Sinfonia era formada por músicos profissionais e não músicos. A única exigência era que todos soubessem ler as partituras para gravar temas icônicos da escolástica clássica, tudo à primeira vista. 

Foi com isso em mente que o tecladista Conrado Viera fez os arranjos junto com o regente Carlos Eduardo Samuel. Foi pensando na realidade do Prog Jazz do Absurdo, só que dessa vez tocando hits da música clássica, como “A Valsa das Flores” (Tchaikovski) que esse desserviço foi arquitetado.

Sobre o clipe, a ideia era recriar essa catástrofe, intercalando os embates instrumentais com improvisos do PJA, justamente para conseguir mostrar a dificuldade de trabalhar timbres, ainda mais pensando na missão de subverter os metais para a linguagem das cordas. 

Com uma atuação brilhante de Carlos Eduardo Samuel, o clipe resume o caos e os expurgos da resistência cultural, enquanto trabalha a obra de compositores contemporâneos, como o americano Ben Johnston, por exemplo, ressaltando sua pesquisa com afinações em quartos de tom em instrumentos de corda. Foi um sucesso. Só se fala em outra coisa.

 

-Prog Jazz do Absurdo: o som que se rebela frente as convenções musicais

Por Guilherme Espir 

Fotos por Welder Rodrigues

 

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