Priscila Machado, “Piu”, é uma punk soteropolitana erradicada no México, atuando na cena local, confira a entrevista
Dudu (Oganpazan): E ai Piu, belezinha? Então, você é daqui de Salvador mesmo, porém tem um certo tempo já no México, certo? Me conta como foi esse lance de mudar de país, fase de adaptação e que parte do México você se encontra?
Priscila Machado: E aí, Dudu, tudo certo? Sou de Salvador sim, já tenho 5 anos morando aqui no México, na cidade de Zapopan (Jalisco). Essa região é muito conhecida pela cidade de Guadalajara, digamos que moro em “Lauro de Freitas”, na verdade eu não entendo muito bem a fronteira entre as duas cidades, é uma mistura doida. Também é uma região muito famosa pelos mariachis (um gênero musical muito popular aqui no México que nasceu aqui em Jalisco) e pela tequila (aqui perto temos uma cidade com esse nome e é muito famosa).
Em 2014 ganhei uma bolsa para estudar fora e eu queria muito morar uns meses em outro país para praticar mais o meu espanhol, porque eu já era professora de espanhol e queria ter essa experiência com o idioma. Daí surgiu essa oportunidade e escolhi o México, morei aqui 6 meses, gostei muito da cidade e fiz alguns amigos. Voltei para Salvador, terminei a graduação e queria outra vez sair para fazer um mestrado em outro lugar. Então pesquisei e vi que aqui tinha o mestrado em literatura mexicana, como eu já conhecia a universidade, alguns professores, decidi vir pra cá estudar. O outro motivo foi por amor, rs. O meu ex companheiro morava aqui, chegou a ir para Salvador e não se adaptou bem ao clima, ao idioma, daí decidimos que era mais fácil ir morar no México. Eu achava que ia ser fácil pra mim esse lance de me mudar pra cá porque eu ia falar espanhol todos os dias (algo que eu adoro), ia estudar algo que eu queria e já conhecia algumas pessoas aqui, só que não foi bem assim, rs. Foi bem difícil fazer amigos (vínculos mais profundos como os que tenho aí), entender que essa agora era a minha casa, sem contar que foi e é foda ficar longe dos meus amigos daí, longe da praia, da comida etc. Por outro lado foi um processo legal porque tudo era novidade, muitas coisas interessantes para aprender e lugares para conhecer. Agora, depois de 5 anos, já me sinto super adaptada, já não sou um corpo estranho no espaço e adoro morar aqui, tenho os meus amigos, projetos, bandas ….só que a saudade de Salvador, dos amigos, da comida, é grande demais.
Dudu (Oganpazan): Dizem que o México é um dos países mais rockeiros da latinoamerica, isso procede? Tem percebido isso nesse tempo que está morando ai?
Priscila Machado: Nunca tinha escutado isso, mas sim é verdade. Aqui as pessoas gostam muito de escutar rock, tanto daqui do México quanto de outros países da América Latina. As bandas que eles mais escutam é Caifanes (uma banda dos anos 80), que inclusive é uma das minhas bandas favoritas daqui. Também escutam muito Los Aterciopelados, Café Tacvba, Los prisioneros, El gran silencio, Soda Stereo etc, porém percebo que gostam muito do pop latino dos anos 80, como Luis Miguel, Gloria Trevi, Miguel Bose, Mecano, Flans, Jeanette, Magneto etc; ao menos isso é o que sempre escuto nas festas.
Dudu (Oganpazan): E como foi sua inserção na cena punk local, foi abraçada de pronto?
Priscila Machado: Quando cheguei aqui pela primeira vez, procurei logo um show punk pra ir, queria conhecer as bandas, as pessoas. Não foi muito fácil porque eu não conhecia ninguém, mas eu trouxe muitos fanzines, discos, fitas e foi a minha forma de iniciar um vínculo. Assim, conheci algumas pessoas, coletivos e projetos em 2014. Quando cheguei pra morar, em 2016, fui conhecendo mais pessoas, comecei a vender coxinhas veganas nos shows e assim fui me vinculando. Em 2016 uns amigos me convidaram para fazer uma banda e comecei com Vontade, e daí a gente tocou em outros estados e tive a oportunidade de conhecer uma galera muito foda que hoje em dia são meus amigos. Agora já me sinto super parte da movida punk daqui, com os meus amigos organizamos shows, eventos, tínhamos um coletivo também “No hay futuro”, mas agora está um pouco parado.
Dudu (Oganpazan): Atualmente você está tocando em quais bandas? Fale um pouco delas.
Priscila Machado: Em 2016 comecei a cantar em Vontade e já levamos 4 anos de banda. Pra mim a amizade sempre foi o primeiro passo para poder fazer uma banda e assim surgiu Vontade. Em Vontade estamos Infra (bateria), Beh (guitarra), Beto (guitarra), Alex (baixo) e eu no vocal. Temos dois materiais que foram lançados em fita, o Tensegridad (2016) e o Florecer (2017), somos um pouco lentos para gravar, rs, mas já temos músicas novas e a ideia é lançar algo novo este ano. Não ensaiamos frequentemente porque Infra mora em Aguascalientes, outro estado que não está tão longe de Guadalajara, porém nem sempre é fácil ensaiar, tocar, sempre precisamos organizar tudo com tempo. Também estou com Vaca Profana, um projeto que queríamos fazer já há algum tempo com Ali (batera) e eu (guitarra); chegamos a ensaiar uma vez antes da pandemia e depois a gente deixou o projeto em pausa, nesse meio tempo conhecemos a Gabi (baixo) e foi o clique perfeito. Agora estamos ativas, ensaiando bastante e com certeza vamos lançar algo nos próximos meses, provavelmente seja em fita.
Dudu (Oganpazan): Como está atualmente a questão de isolamento social onde mora? Tem rolado de fazer shows ? Como tem sido essa questão por ai?
Priscila Machado: Então, esteve caótico e bizarro como foi em todos os lugares, mas agora já está melhorando bastante e já estão começando a fazer shows novamente com uma quantidade limitada de pessoas.
Dudu (Oganpazan): Não sei se você saca, mas tem uma série documental na Netflix chamada Rompan Todo, que é vendida como uma série sobre o rock na América Latina, mas na verdade é sobre o Rock cantado em espanhol. Pela lógica do Rock cantado em espanhol, ok. Mas pela forma como se divulga, Rock na América Latina, rolou uma certa limada no Brasil, com isso fiquei curioso em saber se as pessoas costumam ouvir as bandas brasileiras por aí, mesmo sendo com idiomas distintos. Fala um pouco sobre. E nas suas bandas tem alguma faixa com letra em português?
Priscila Machado: No geral as pessoas não têm um repertório amplo de música brasileira, sempre que falam de música daí mencionam a Ratos de porão, Sepultura, Roberto Carlos, Caetano Veloso e falam da bossa nova, mas não mencionam um artista em específico. O que achei curioso é que algumas pessoas não sabiam que Roberto Carlos é brasileiro, porque tudo que eles conhecem dele está em espanhol. Não acho que as pessoas aqui estejam fechadas a conhecer música brasileira, inclusive é algo que lhes provoca muita curiosidade, mas acho que a questão do idioma gerou e gera uma barreira, acho que isso acontece com o Brasil também, consumimos pouca música em espanhol, me dei conta disso morando aqui. E sim, em Vontade misturamos os idiomas, mas das músicas que temos gravadas todas estão em espanhol. Em Vaca profana tudo que fizemos até agora está em espanhol, mas provavelmente role algo em português.
Dudu (Oganpazan): Vocês têm materiais lançados ou previsão de lançamento?
Priscila Machado: Bem, em perguntas anteriores falei um pouco dos lançamentos. Com Vontade queremos gravar o quanto antes porque já temos muito tempo sem lançar nada e com Vaca Profana é muito provável que saia algo nos próximos meses, porque estamos muito ativas, ensaiando muito e com muita vontade de já lançar algo.
Dudu (Oganpazan): Quais suas impressões sobre a cena punk mexicana?
Priscila Machado: É uma movida interessante e com muitos problemas também, mas não acho que seja algo particular do México, na verdade acho que é muito parecida com a daí. Tem muito apoio mútuo, os coletivos se ajudam, se divulgam, se solidarizam, porém também tem questões de machismo e violência ou às vezes indiferença diante de problemas urgentes que precisam acabar. Como mulher, como punk, me sinto bem nos espaços aqui porque estamos sempre entre amigos, em shows organizados por amigos e tudo isso gera um ambiente de segurança, porém já tive alguns conflitos por questões de machismo que, tristemente, ainda acontecem no meio punk e fora dele também, claro.
Dudu (Oganpazan): Em 92, inspirada pelo livro “Femícidio: a Política de Matar Mulheres”, a ex-deputada mexicana Marcela Lagarde criou uma mobilização contra assassinatos de mulheres aí no México. As nóticias sobre o desaparecimento de mulheres em Ciudad Juarez, sobretudo as que laboravam nas maquiladoras, também ultrapassaram os limites do país, escancarando a desídia do poder público méxicano para com suas mulheres.
Dito isso, gostaria de saber sua visão sobre as condições das mulheres atualmente no México.
Priscila Machado: Então, eu acho complicado falar de feminicídio sem falar de toda uma estrutura que o respalda, dessa situação de violência que é tão forte aqui no México. Como você bem citou, essa questão de Ciudad Juarez é muito conhecida, mas é algo que se espalha por todo o país, não só o feminicídio como as mulheres em situação de desaparição forçada, que na maioria dos casos termina em uma história de violência e assassinato. Inclusive, indico um livro muito bom sobre o assunto La fosa de agua de Lydiette Carrión, onde ela faz uma crônica sobre a história do feminicídio no Estado de México (Ecatepec e Tecámac) entre os anos 2011 e 2013, relatando os feminicídios cometidos contra jovens entre 15/16 anos, e com isso temos a percepção do quanto se faz urgente o combate, em todo o país, ao feminicídio e como a justiça nada faz. Eu gosto de citar esse livro justamente por isso, pois ele mostra como as famílias das vítimas tentam buscar a justiça para agir com relação aos crimes de feminicídio e como ela é falha e patriarcal, ficando todos esses crimes impunes, na maioria das vezes.
Aqui no México, assim como no Brasil, que é um país extremamente violento, misógino, machista, transfóbico, homofóbico, feminicida, vivemos em estado de alerta. Inclusive, tem até uma música de Vaca Profana que a gente fala disso, “Vivir en estado de alerta”, que é viver o tempo inteiro com esse medo, com essa sombra. E isso é bastante forte, porque quando morava aí no Brasil, por exemplo, não tinha pessoas próximas que tinham familiares mulheres em situação de desaparição forçada ou que sofreram esse tipo de crime, mas aqui é comum. É um país ainda muito violento, com bases muito violentas e com uma estrutura política muito violenta também.
Inclusive, já que citei o livro da Lydiette Carrión, é necessário destacar que ser jornalista no México é quase assinar uma sentença de morte, pois aqui é um país extremamente perigoso para quem quer se expressar dessa forma. Eu admiro muito ela, pois ela é linha de frente nas questões que envolvem o feminicídio, sendo combativa, mesmo estando em um contexto tão perigoso para fazer tais críticas ou expor tais questões.
Dudu (Oganpazan): Caralho! Imagino a tensão que é fazer um jornalismo investigativo por aí, principalmente sendo mulher.
Mudando um pouco de assunto, voltando para música, se possível gostaria que nos indicasse algumas bandas mexicanas necessárias, independente do estilo.
Priscila Machado: Nossa, tem várias que eu adoro e algumas dessa lista são recomendações das minhas amigas e amigos!!
Leonora post punk:
Destruidö:
Dios Perro:
Pony York:
kawabonga:
Era del vacío:
Malamadre:
Deshuesadero:
Aves a Veces:
Campo Xantho:
El Gran Orgo:
Mosca Muerta:
E Mais: Grave, Per se, Dejar Atrás, Bombardero, Sacrifício, Uraña, Heterofobia, Disosiego, Lilith.
Dudu (Oganpazan): Deixa um recado final para as leitores e leitores do Oganpazan.
Priscila Machado: Fora Bolsonaro Genocida e vacina para todxs!
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