Os dias são difíceis em qualquer lugar…
Existem bandas que conhecemos de ouvir falar e que vez por outra atravessam o nosso horizonte, mas não se tornam objeto de nossa atenção. Muitas vezes as escolhas não são conscientes. Alguns dizem que isso tem a ver com a sintonia, que não seria o momento adequado para escutar aquilo.
Faz alguns anos que conheço a Plástico Lunar de nome e imagem. Primeiro através de um documentário no youtube sobre o rock sergipano, onde alguns dos seus integrantes davam depoimentos. Mas também por ter morado em Aracaju, onde em conversas com os amigos o nome deles volta e meia era citado, sempre como uma das melhores bandas da cidade.
As descrições giravam em torno de uma banda mega psicodélica, algo que eu acreditava piamente por conta da confiança na amizade e na percepção dos amigos – mas também pelo nome de alguns dos integrantes. Plástico Jr. e Leo Airplane trazem, digamos, credibilidade à descrição sobre a sonoridade da banda. Até que finalmente ouvi seu novo disco, e aí foi fácil notar que eles possuem forte influência do rock da segunda metade da década de 60, disso não restou dúvida alguma. Só que ouvindo Dias Difíceis no Suriname (segundo álbum de carreira dos caras) com um pouco mais de atenção, ficou claro ser impossível circunscrevê-los apenas nessa caixa.
Pra início de conversa existe certa ideia caricata quando se fala de bandas psicodélicas, pois mesmo entre os descolados e hipsters de plantão, há pouco entendimento e conhecimento sobre o que significaria psicodélica. Como se essa linguagem musical tivesse obrigação apenas com o pastiche, como se toda banda que se propõem absorver essas influências musicais dos clássicos da psicodelia, tivessem em suas músicas meras odes a “expansão da consciência”. Batas e incensos indianos, elogios gratuitos ao LSD (hoje, na maioria das vezes, pura anfetamina), peyote, ayuhasca, mescalina e outras substâncias que seriam as chaves para a abertura de portas capazes de expandir suas percepções e entendimentos acerca da realidade. Leitura superficial de Aldous Huxley e Krishnamurti e tá tudo certo… Peace and Love.
Não, o caso é que para nossa alegria o disco dos caras foge dos clichês, para beber sim nas fontes do rock clássico, mas não apenas o psicodélico. É com alegria que podemos perceber altas doses de blues em suas músicas, algumas pitadas da british invasion, alguma pegada funk (o que é aquele teclado e a swingueira em Quase Desisto?) e uma mão muito bem dosada no pop. Sim, é isso mesmo que você ouviu, algumas canções presentes no álbum poderiam facilmente tocar em qualquer FM.
Os excelentes refrões casam com uma execução capaz de equilibrar o peso do rock e um apuro técnico sob medida. Neste aspecto a banda possui uma coesão invejável, os trabalhos de guitarra, os teclados e órgãos, baixo e bateria conseguem trabalhar juntos passando de um andamento a outro com tranquilidade, com arranjos nada óbvios. As composições são outro ponto alto de todo o disco, aliando gancho pop com letras sérias, onde as canções expressam profundidade poética (Mar de Leite Azedo) fruto de vivências reais. Autoconhecimento sem ranço místico algum. Calcando a experiência na imanência do mundo e transcrevendo-a através da poesia; quem diria…
Ouvindo repetidas vezes o disco, em nossa memória a referência comparativa que mais aparece é o disco Fruto Proibido da Rita Lee & Tutti Frutti. A similaridade talvez seja explicada por aquela harmonia entre rock e pop que mencionamos anteriormente. Os quarenta e dois minutos do disco conseguem se sustentar com uma qualidade impressionante. Tonalidade variadas atravessam a obra, não apenas nas cores do projeto gráfico, mas também nas músicas, conseguindo harmonizar-se numa unidade ímpar. Se o Suriname é realmente em todo lugar, os caras conseguem produzir músicas capazes de nos ajudar a resistir aos dias difíceis, produzindo reflexões importantes sobre as relações humanas e o lugar do individuo dentro da sociedade. Este exercício nos contagia com um excelente disco de rock – plural e forte. Esperamos que logo logo eles aportem seu navio em portos soteropolitanos, enquanto isso vou acender um incenso aqui e colocar o disco mais uma vez.
Daniel Torres – Vocal e guitarra
Plástico Jr. – Baixo e vocal
Leo Airplane – Teclados
Marcos Odara – Bateria