Pink Floyd e Barbet Schroeder formaram uma dupla muito interessante para a história do cinema e da música no final dos 60 e inicio dos 70’s!
Uma das bandas mais importantes do rock mundial, o Pink Floyd teve também uma carreira extremamente prolífica e importante dentro do cinema. Ao longo dos anos inspirou grandes diretores do cinema mundial em seus filmes, produzindo trilhas sonoras que terminaram por compor parte importante de sua discografia. Assim como inspirou produções visuais a partir de suas ideias musicais, como em The Wall. São produções importantes que longe de serem trabalhos menores, ou meros anexos ao desenvolvimento artístico do grupo, se tornaram necessários para a compreensão de sua música e de sua obra.
Nessa relação entre a música do Pink Floyd e o cinema, encontramos não traduções audiovisuais para ideias musicais da banda, mas correlatos artísticos que compõe excelentes registros, tanto ao tempo histórico, quanto a temas abordados pela banda. De realizadores de grande envergadura como Michelangelo Antonioni, um dos grandes mestres do cinema mundial até o pouco conhecido Peter Sykes, encontraremos obras que se inscreveram na história do cinema e da música. Curiosamente em alguns casos, exatamente por serem filmes ligados ao Pink Floyd. É o caso por exemplo de La Vallée (1972), do cineasta francês Barbet Schroeder ou do desaparecido The Committee (1968) do inglês Peter Sykes.
E é da parceria entre Barbet Schroeder, realizador naturalizado francês, nascido no Irã de mãe alemã e pai suíço e a Britânica banda Pink Floyd que vamos nos ater aqui. Pois esse encontro nos relegou dois filmes que são necessários a todos aqueles que curtem cinema e principalmente a música da banda inglesa. Aos 23 anos o jovem Barbet funda a famosa produtora francesa Les Films Du Losange, responsável por produzir grandes filmes da nouvelle vague francesa e até hoje funcionando em plena atividade.
Tendo trabalhando como ator em filmes de grandes nomes com Godard e Rohmer é possível afirmar que o inicio da carreira de diretor de Barbet Schroeder tem em filmes como Pierrot Le Fou, Acossado e Le Mépris grandes inspirações. Curiosamente hoje, esses primeiros filmes de sua carreira parecem sobreviver, pelo menos entre nós, mais pela curiosidade de terem como trilha sonora discos feitos especialmente pelo Pink Floyd do que por suas qualidades cinematográficas. O que nos parece injusto, após revermos recentemente More (1969) e La Vallée (1972), se o situarmos juntos ás obras da época que hoje possuem grande vulto.
O Pink Floyd por sua vez por pouco não terminou virando uma banda especializada em trilhas sonoras, dada a qualidade e o sucesso feito principalmente por Obscured by Clouds, mas também pela trilha de More. Que inclusive chamou muita a atenção de Michelangelo Antonioni e os caras não deixaram por menos, produzindo outra porrada – ops – banda sonora fantástica, para Zabriskie Point (1970). O que por sua vez levou Stanley Kubrick a querer a composição dos caras no grande clássico Laranja Mecânica. Reza a lenda que a suíte Atom Heart Mother (disco homônimo) faria parte do filme, mas foi vetado de última hora pelo Roger Waters.
More é a estreia de Schroeder na direção, com roteiro do próprio após alguns anos trabalhando com cineastas voltados a ideia de cinema de autor. E essa característica, apesar de ser incorreto encaixá-lo dentro da Novelle Vague, é amplamente notada em seu debut. O Pink Floyd por outro lado não era a essa altura um iniciante na produção de trilhas sonoras, pois já tinham feito um ano antes a trilha de The Committee (1968). E é possível afirmar que em seu próprio DNA musical já estava inscrito a facilidade em transformar temas da época em ideias sonoras. Na realidade, os temas tratados pelo filme já estavam, digamos, em desenvolvimento musical pela própria banda.
Depois que o mestre Roger Corman abriu alas com The Trip (1967) ainda no olho do furação flower power, o cinema passou a produzir obras sobre as questões desse importante momento histórico. More (1969) apesar de não entendido dessa forma deveria ser pensado como uma espécie de continuação de outro grande e aclamado clássico do mesmo ano: Easy Rider (1969).
Se é verdade que no filme de Dennis Hopper chegamos ao final com a morte das esperanças de uma juventude em busca de liberdade e da mudança nos costumes e nas ideias de toda uma sociedade. Barbet Schroeder propõe-nos uma continuação demonstrando o esfacelamento completo da ingenuidade hippie ao propor os personagens de Estelle Miller (Mimsy Farmer) e Stefan Bruckner (Klaus Grunberg). Lá havia a morte como destino, aqui existe a busca já não propriamente da liberdade, mas de alguma vitalidade, de outras experimentações capazes de sanar a eterna busca humana de sentido.
Livremente inspirado no mito de Ícaro, Schroeder vai justamente desenvolver essa ideia na medida em que junta um jovem Stefan, com algumas poucas características da juventude hippie e uma junkie novaiorquina, Estelle. O garoto está em busca de alguma coisa quente (sentido) e nos diz logo nas primeiras cenas: “Eu queria queimar todas as pontes, todas as fórmulas, e se eu me queimar, tudo bem também. Eu queria ser quente. Eu queria o sol, e eu fui atrás dele…”
Lembremos que esse filme vem a luz no ano seguinte ao Maio de 68 francês e certamente dialoga com todos os problemas levantados pela juventude francesa de então. O tema das drogas aparece na película de uma forma pioneira, não lembramos de cenas tão explicitas do uso de heroína até então. A fuga dos costumes e da sociedade para “paraísos naturais”, também está aqui em sua ambientação de todo o grande desenrolar do filme em Ibiza. Sexo livre, expansão da consciência, enfim, todo vocabulário conceitual daquele momento é encontrado aqui sendo reelaborado de modo a mostrar naquela altura o seu desenrolar.
E o tom pessimista que a trama vai adquirindo esta presente na capa da trilha sonora do Pink Floyd, a foto do Dom Quixote moderno, na visão apresentada pelo diretor, lutando contra os moinhos de vento da época. E obviamente a fabulosa trilha que a banda preparou acompanha de perto as ideias propostas pelo diretor, elaboradas com toda a maestria progressiva e versatilidade rítmica e instrumental que a banda vinha desenvolvendo. O disco é preenchido de belíssimas canções como a pesadíssima “The Nile Song” que em sua letra e intensidade evoca metaforicamente a força do rio africano a tomar o personagem de Stefan em seu primeiro encontro com Estelle. “I was standing by the Nile/ When I saw the lady smile/ I would take her out for a while/ For a while”. É o que sempre se diz quando da sedução daquele olhar doce e prestes a nos tragar em sua imensidão: “vai ser só por um tempo, só por um tempo“.
Poderíamos preencher laudas e mais laudas, mostrando como as canções compostas pela banda traduzem poética e musicalmente de forma perfeita o filme. Mas é preciso lembrar que um disco que tem Cymbaline, não é pra brincadeira, a música foi executada durante anos pela banda em seus shows, o que prova que não estamos diante de um trabalho menor ou de ocasião da banda.
Se você não viu o filme, pra sua felicidade encontramos o mesmo no youtube com legendas em português. Mas ele pode ser adquirido em alta definição em qualquer cine torrent da vida, assim como as legendas em português. Tive contato com o filme num release de baixa qualidade uns 10 anos atrás e assisti-lo em alta definição é realmente uma experiência muito boa.
A parceria entre o cineasta francês e a banda inglesa deu tão certo que três anos depois outra dobradinha veio a luz, Le Vallée (1972) foi o projeto que Schroeder encampou e teve que viajar para o distante continente da Oceania para realizá-lo. Essa segunda experiência é também curiosamente seu segundo filme longa metragem e a quarta trilha feita pelo grupo para o cinema.
O filme conta a história de um grupo de franceses em busca de um vale perdido em Papua Nova Guiné, um local nunca avistado e apesar de presente no mapa, não tem sua existência comprovada. A esse grupo se junta a esposa do cônsul francês na Austrália, Viviane (Bulle Ogier), uma negociante de artesanato e plumas raras, que vê na expedição uma oportunidade de conseguir algumas plumas de uma ave bastante rara. Mas também de encontra outra vida, livre da chatice de ser adereço do marido e fingir ocupar o tempo com aquele comércio.
O realizador discute novamente em seu filme temas caros a geração hippie, que vão do ainda hoje tabu, amor livre até uma critica aos valores judaico cristãos e a possibilidade de se desfazer de seus condicionamentos. Mas não se furta também de criticar certa ingenuidade dessa geração que em alguns momentos idealizou a natureza e os povos da floresta como saídas fáceis para o paraíso. A certa altura o personagem Olivier (Michael Gothard) ao ser questionado porque não estava no clima das festividades junto da tribo Mapuga diz: “O paraíso é um lugar com muitas saídas e nenhuma entrada, me pergunto se a saída não seria continuar comendo a maçã?“
O filme não envelheceu bem, dramaticamente é frouxo e os personagens são mal construidos, a direção peca justamente por não alcançar nem um distanciamento adequando e nem por se aproximar mais dos dramas que se propõem trabalhar. Por outro lado as imagens são belíssimas e os registros das ricas cenas com a tribo Mapuga beiram hoje a curiosidade antropológica e deixam claro como o improviso foi fundamental para construir essas cenas. Se ainda hoje os Mapuga são uma das populações mais isoladas do mundo, à aquela altura imagens da tribo eram provavelmente algo inédito.
A relação entre homem e natureza, o idealismo do bom selvagem, são ideias muito presentes no filme que apesar da frágil mise en scene, consegue trabalhar esse paradigmas de modo profundo. Algo interessante de notar é exatamente a questão das plumas que são desejadas por Viviane para comercializa-las. Entre os Mapuga, essas plumas servem de adereço também, porém não são comercializadas, devem ser fruto do esforço pessoal de caçada para produzir-se com elas para um festival. Nesse festival os homens ricamente pintados e enfeitados por essas plumas se apresentam ás mulheres e se tiverem sorte serão escolhidos para namorar.
Obscured by Clouds é uma referência direta ao vale do filme, que de cima, através de sobrevoos feitos por aviões não podia ser visto. E essa trilha sonora do Pink Floyd é um espetáculo a parte, colorindo ainda mais o filme com excelentes composições de uma banda prestes a lançar seu clássico absoluto. O disco foi composto e gravado em apenas duas semanas em Paris e serviu de tubo de ensaio para The Dark Side Of The Moon (1973). Algumas das músicas presentes transpiram fortemente os andamentos e ideias que estariam presentes em Dark Side, como por exemplo a música que é homônima do disco. Incrivelmente o disco foi também um sucessos nas paradas de sucesso na França, Inglaterra e USA.
A bolacha abre com o primeiro uso de sintetizador feito pela banda na faixa homônima e tem em seu registro também, a primeira composição a inaugurar a fase deprê de Roger Waters. E esse momento deprê não está em pleno acordo com o desenrolar do filme, poderíamos especular se essas produções de algum modo não afetaram a percepção do baixista e compositor da banda. Em Burnings Bridges, uma composição magistral e esperançosa, encontramos uma poesia sobre a deixada para trás do grupo de exploradores, da civilização e de seus laços com esse mundo decadente. Assim como o canto alegre e intenso de The Gold It’s In The… as composições seguem alegres até esse turn point que não tem muita razão de ser no próprio filme.
Free Four abre alas para declarações como: “e você fala com você mesmo enquanto morre numa enfermaria” ou ainda: “a vida é um momento quente e curto e a morte um longo e frio descanso”. E nos leva a pensar como isso chegou a mente do compositor, pois o roteiro não prescrevia nada do tipo, tendo o filme um final aberto a interpretações. O fato é que temos nesse disco um excelente exemplar do mais puro Pink Floyd e como nos casos acima citados inaugurando alguns procedimentos característicos que tornariam David Gilmour, Richard Wright, Nick Mason e o proprio Roger Waters famosos.
Por fim, o que podemos perceber é que tanto os discos quanto os filmes – principalmente More – precisam ser degustados não como meras curiosidades datadas. São obras complementares e ao mesmo tempo independentes que revelam a força e os desenvolvimentos de seus autores. Barbet Schroeder faria ainda em 1975 sua obra prima com Maitresse e nos anos 80 filmaria Barfly com o roteiro baseado na obra de Charles Bukowski. Depois de Obscured By Clouds o Pink Floyd produziria o seu magnum opus com Dark Side Of The Moon e ainda teria The Wall filmado por Alan Parker. Mas aí já é papo pra outras conversas.
-Pink Floyd e Barbet Schroeder, O Cinema e a Música!
Por Danilo Cruz