Pife Muderno: o laboratório de Carlos Malta é o segundo volume do Resenha sem foto #2, naquele corre maroto do nosso querido Guilherme Espir
Há um quarto de século – completados em 2020 – que Carlos Malta explora os ecos do pífano num de seus projetos mais longevos e ambiciosos: o Pife Muderno. Grupo formado com fortes raízes na cultura do pífano nordestino, o grupo se mantém ativo e atuante como um dos maiores projetos da nossa música popular instrumental.
O quinteto formado por Carlos Malta (flauta/saxofone), Andrea Ernest Diass (flauta), Oscar Bolão (bateria/percussão), Marcos Suzano (pandeiro), Durval Pereira (zabumba) e Bernardo Aguiar (pandeiro) fez um show que impressionou não só pela configuração e pela dinâmica, mas também pelo rico blend que mescla o Jazz, ritmos tradicionais do cancioneiro popular e elementos da música contemporânea.
Com um repertório ousado que conseguiu dialogar com referências que caminham desde Gilberto Gil até Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, o sexteto mostrou um fino trato para trabalhar o balanço do groove sob uma ótica que enaltece os elementos regionais, sem passar nem perto do revisionismo.
Entre temas autorais e versões, a interação do grupo é talvez o principal pilar do som. Em dado momento, Durval e Bolão largaram seus respectivos instrumentos e fizeram um quarteto de pandeiros como se fossem uma sessão rítmica para a dupla de flautas de Carlos e Andrea.
O baterista Oscar bolão tirou um som absurdo de um kit minúsculo. Quando requisitado, ainda mostrou rara habilidade no triângulo e ainda gastou o couro do pandeiro com grande destreza. Durval Pereira se mostrou peça chave no contexto do som do grupo. É notável sua sensibilidade na zabumba, entretanto, sua percepção musical é que chama atenção, especialmente devido ao turbilhão de informações que é a cozinha do Pife Muderno.
A dupla Marcos Suzano e Bernardo Aguiar fizeram um trabalho muito interessante. Ao melhor estilo guitarras gêmeas, a dupla oferecia um contraponto aos grooves de batera de Oscar, respeitando o espaço da Zabumba, mas em plena sintonia com a dupla Carlos e Andrea.
Foi um show irretocável e que entre medleys surpreendentes deixou a plateia do SESC Consolação completamente perplexa em mais um dia de Instrumental SESC Brasil. Um dos grupos mais interessantes e entrosados que já assisti ao vivo, o Pife Muderno finalizou o set com “Pife de Prata”, nova composição do grupo em homenagem aos 25 anos de corre ininterrupto.
Ao final do espetáculo confesso que fiquei consternado, mesmo já tendo assistido o Carlos Malta em 3 oportunidades – uma delas ao lado do PRD Mais e outra com o projeto Duofel – mas dessa vez o negócio atingiu um novo patamar. Com um entrosamento quase telepático, Carlos toca com uma facilidade e uma liberdade exuberante.
Do alto de seus quase 60 anos o carioca mostra um ímpeto criativo fervoroso e que ao lado de um quinteto desse nível parece criar sem fazer nenhum esforço. O som é orgânico, brasileiro legítimo e enquanto o sexteto se divertia sob o palco, a plateia recebeu uma aula magna sobre referências históricas que são o elo entre o Jazz, a música indígena e o repertório da música popular brasileira.
Quando a última nota de “Pife de Prata” se dissipou, a única coisa que consegui pensar foi que se o grupo fez 25 anos e atingiu suas bodas de prata, meus ouvidos estão banhado a ouro depois de mais de 90 minutos de um som magistral.
Definir essa cozinha é difícil, porém, até mais complexo do que isso é prever o que o grupo fará sob o palco. Eles estão na ativa desde 1994 e enquanto Carlos seguir esculpindo o vento, nós aprendemos a reverenciar um instrumentista que é uma figura essencial para se compreender os rumos do groove nacional.
Foi uma honra maestro.
-Pife Muderno: o laboratório de Carlos Malta – Resenha sem foto #2
Por Guilherme Espir
Vídeo de uma apresentação ao vivo das duas décadas de existência do Pife Muderno