PICK IT UP – Ska In the’ 90S é um documentário que nos apresenta a uma cena fundamental para entender a geração dos anos 90.
Precisando de um pouco mais de positividade nessa quarentena? Uma resposta pra você: PICK IT UP – Ska In the’ 90S !!
De antemão, preciso dizer que como baixista e entusiasta do instrumento, uma coisa que tem ajudado a me manter firme nesses dias (que já se tornaram meses) é fazer os dedos dançarem nas cordas do baixo com as linhas calorosas dos grandes hits do Ska dos anos 90! Mas aí você pergunta: Ska? Anos 90? SIM!
A minha relação com essa história, o polêmico estilo musical e essas sacolejantes linhas de contrabaixo vão muito além do marasmo do confinamento que 2020 nos trouxe. Na verdade, inicia-se bem lá atrás mesmo, quando esse som era sim 50% do que passava na MTV. Além disso tocava no rádio e compunha a trilha dos filmes da Sessão da Tarde e dos bailinhos do colégio. E tudo começa com um grande ídolo, e ele estará por toda parte neste papo: the man, the myth, the legend, Mr. Matt Freeman.
Eu nunca tinha pensado em ter uma banda na vida até dar de cara com o impressionante jeito de tocar de Matt nos clipes do Rancid. Logo acabei sendo exposto a outro monstro do instrumento. Mike Dirnt, e assim, o Rancid e o Green Day se tornaram, automaticamente, as bandas que eu mais ouviria naquela época.
Fui preguiçoso. Meu irmão, também encantado com as duas figuras, foi o corajoso que se dedicou ao baixo, e embarcou na viagem comigo. Matt, entretanto, permaneceu como uma grande inspiração (falarei da influência de Mike Dirnt em outro post), e sempre será minha maior referência quando empunho o contrabaixo, que há muitos anos, já é a minha principal ferramenta musical.
Não demorou muito para que a paixão pelos dois grupos me levasse a uma verdadeira obsessão: o Operation Ivy. O Op Ivy é pré-Rancid, e tinha como núcleo criativo sonoro o Matt e o Tim. Certeza que o Energy é um dos discos que mais me influenciam em tudo que escrevo e toco. As linhas de Freeman aqui são hipnotizantes, podendo qualquer uma servir como pretexto para figurá-lo em listas de maiores baixistas da história.
A princípio a banda, em pouco tempo, construiu um legado absurdo, dando os primeiros passos de uma revolução que só aguardava os dias tristes do grunge acabarem para trazer mais vida aos anos 90, conforme aparece em PICK IT UP . Foi aí que fui juntando as peças na cabeça, e percebi que estávamos no meio do boom do SKA PUNK!
Não vim aqui contar a história do nascimento do Ska, ou da força do movimento 2 Tone, que sim, acabou me conquistando. Vejam bem o Specials me cativou de tal forma, que passou muito tempo sendo a única coisa que eu consumia. Ao ponto de fazer do Horace Panter mais um a encabeçar minha lista de influências no baixo, levando-me ainda a outros caminhos.
Dentre eles posso citar o Mod como exemplo, até porque, naquele momento, toda referência de Ska que eu tinha era dos antigos hits do Madness, Oingo Boingo e Joe Jackson que tocavam nas rádios adultas. Ainda acho o Joe um dos artistas mais interessantes a flertar com aquele som. Deixo aqui a indicação de sua longeva parceria com o impressionante Graham Maby.
Entretanto o objetivo aqui é focar na minha experiência com o terceiro ato do movimento. Além de ser um dos meus estilos favoritos, serviu de porta de entrada para o punk e o hardcore. Indicar um documentário que vai lhes situar em como o Ska Punk veio a colorir uma época cinza, sem esperança, em que todos se sentiam inseguros e deprimidos. Soa familiar?
PICK IT UP – SKA IN THE´90S foi lançado em 2019, com narração do já citado Tim Armstrong. Dirigido e produzido por Taylor Morden, o documentário já começa assumindo a própria persona debochada que ficou eternizada na proposta do movimento e carrega esse tom seja pra falar de seus momentos áureos ou de assuntos mais delicados.
PICK IT UP mostra que o ska que é um estilo que sempre teve uma relação muito contundente com relação a assuntos políticos e sociais, tendo, em um primeiro momento, exaltado a cultura negra, forçando sua expressão em meio à toda efervescência dos anos 60. Ou ainda como ocorreu em sua segunda onda, que trouxe a inclusão e a representatividade para a mesa.
Brindando o mundo com os primeiros grupos musicais multirraciais a brigar pelo topo das paradas dominadas por artistas pop advindos de uma elite branca inglesa. Será que o Ska Punk queria abrir algum debate ou era apenas a galhofa pela galhofa, o passinho pelo passinho?
Bem, vamos por partes: primeiro temos que voltar ao Operation Ivy e dizer que, em meio ao pop do Mr. T Experience e do Sweet Children(Green Day), as viagens do Neurosis e até bandas de hardcore como Econochrist, o Op provou ser a banda mais influente de sua geração. Isso no contexto daquela região da California e da Lookout Records.
Isso tudo com um som que era a ponte perfeita entre o punk e a música negra, algo como um Clash moderno, mas com ênfase no Ska. Matt e Tim viraram expoentes da mistura. Com suas explosivas apresentações e brilhantes composições, a banda acabou apontando as duas direções que dividiriam igualmente o interesse das rádios e dos canais de música da segunda metade daquela década: o Ska Punk e o Pop Punk.
O Op Ivy tem pouco tempo de tela por aqui, e talvez, por conta desse fato, os novatos no assunto possam até nem conseguir enxergar muito bem o real impacto da banda para desencadear toda uma geração de novos grupos. Contudo, acredito que o real propósito disso seja justamente jogar o spotlight em conjuntos que tenham sido mais ativos no auge do movimento. Até mesmo em outros que já não sejam tão lembrados nas discussões atuais.
Ainda assim, o recado é dado, e isso nos leva de volta ao questionamento sobre a bandeira que o Ska dos anos 90 queria levantar, e a reposta pode estar na 924 Gilman Street. Essa é uma outra história, mas podemos sim tomar como norte os tão conhecidos valores da cena de Gilman, que ficariam eternizados nas paredes da casa de show, para a discussão: respeito, união e repúdio à toda e qualquer forma de preconceito – “nothing is more punk than being self-determined and respecting the self-determination of others”.
Passamos dessa reposta natural aos dias nublados da primeira parte da década para a ascensão do estilo. O autointitulado disco do Sublime entrou para a história. Além disso aqui no Brasil, por exemplo, onde a banda ainda é bem popular e frequenta o circuito de festivais com certa regularidade (em novo formato, com adição do vocalista Rome Ramirez), é difícil encontrar alguém que não tenha esbarrado com a tal bolacha em algum momento da vida.
Além disso, outras bandas se destacaram bastante, como foi o caso do Mighty Mighty Bosstones, que virou ícone do movimento. A banda conta com uma discografia forte, muitos hits e até uma icônica participação em Clueless. O Save Ferris ganhou ainda mais notoriedade com o cover de “Come On Eileen”, do Dexys Midnight Runners, e uma ponta em 10 Things I Hate About You.
Muitas outras ainda invadiram o mainstream. Contudo o “estrago” que o No Doubt fez foi um verdadeiro acontecimento pop. Assim, o segundo disco já chamava MUITA atenção, atacando em diferentes direções, mas foi com o arrasa-quarteirão Tragic Kingdom, álbum que tinha como tema central a separação do casal mais badalado da cena, que a banda virou uma das maiores da década.
Acima de tudo Tragic é um dos grandes álbuns/momentos dos ´90s, precisamos dizer isso, uma grande influência pra mim por embrulhar em um pacote pop perfeito tantos elementos do punk, hardcore, ska, abrindo as portas dos estilos para o grande público (O Adrian usou a peita do Madness no clipe de Don´t Speak; Terry Hall do Specials está no vídeo de Sunday Morning, revelando que eles sabiam aonde estavam chegando e queriam usar isso como suporte à cena – brilhante).
O grupo ainda revelou uma fixação minha por bandas com vocais femininos, e me fez ir atrás de mais material nesse formato. Fazer parte hoje de uma banda com uma garota no front não é mera coincidência pra mim. Obrigado, Gwen.
O No Doubt nos leva ao momento de destrinchar os valores levantados nos tempos de Gilman Street. Valores que se revelam em total conformidade com interesses das outras ondas do Ska. Busquei mais bandas de/com garotas e descobri o Save Ferris. Além do obrigatório Dance Hall Crashers (mais uma pérola fundada por Matt Freeman e Armstrong(!) – e que tem não só uma, mas duas incríveis vocalistas).
Definitivamente PICK IT UP mostra que o Ska dos anos 90 estava sim muito preocupado em lutar pela inclusão. Você tinha todo tipo de raça, crença, espiritualidade, estilo de vida. Todos unidos por uma grande paixão por essa música esperta e cheia de energia. Nunca vi outra cena abraçar tão bem as mulheres como aconteceu ali. Elas eram parte da comunidade, estavam à frente de grandes grupos. Além disso pensavam na representatividade, entendiam seu papel e trouxeram muitas garotas para o mundo machista do rock. Isso deu voz e espaço a todas elas.
Não consigo mesmo lembrar de outro estilo que tenha dado tamanho protagonismo às mulheres em um contexto de música mais agressiva. Gwen Stefani foi/é necessária, Monique Powell foi/é necessária, o DHC virou um ícone da busca feminina por um lugar no rock. As barreiras foram quebradas. A mensagem foi passada.
Além disso o Ska dos anos 90 deu o seu recado, falou de minorias, falou de união e falou de positividade. Além disso trouxe esperança a uma década que começou bem pra baixo. Bom, como o mercado fonográfico é cíclico, o estilo acabou sendo engolido pelos seus próprios clichês. Bem como por outras modas criadas pelas próprias gravadoras e meios de comunicação que deram força para que o movimento acedesse no mainstream.
Em síntese, PICK IT UP é um filme que celebra, com metaleiras, cabelos arrepiados, camisas multicoloridas e passinhos icônicos, um capítulo muito importante do underground. Capítulo este que não virou cult nem é lembrado com festejos pela crítica. Contudo, merece sim o nosso carinho, na medida que pode trazer um pouco do calor daquelas gostosas tardes ensolaradas dos anos 90 para nossa sala.
Antes de mais nada voltemos àquela pergunta do início do filme e do texto. Depois de passar a limpo tantos pontos interessantes, acho que já temos a resposta: Ska Music é simplesmente fun music, e nossa quarentena precisa demais dela. Arrastem as cadeiras. Let´s ska!
Por Tom Siqueira